Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte XI

FORDILÂNDIA

Fordlândia III 

Ford parecia fisgado. Contudo, Villares estava ansioso. Foi de Detroit para Nova York, onde escreveu outra carta, desta vez para Blakely. Se Ford não agisse depressa, contou ele ao aliado mais próximo da empresa, “logo alguém descobrirá”. “Quando você esteve aqui”, perguntou ele:

percebeu uma coisa curiosa: A fé que todos têm em Ford? A magia desse nome penetrou nos corações dos mais humildes e também no meu. Eles têm fé em Ford e eu também. Milhares esperam por sua vinda; ele virá.

Ford permanecia indeciso, mas seu encontro com Villares levou-o a enviar ao Brasil Carl D. La Rue, botânico do campus de Ann Arbor da Universidade de Michigan, para “encontrar em algum lugar uma boa área para plantar seringueiras”. La Rue estivera uma vez na Amazônia, em 1923, chefiando a Expedição patrocinada pelo Departamento de Comércio de Herbert Hoover para a busca de locais para a produção de borracha em longa escala, a mesma da qual participou o adido comercial William Schurz. Naquela viagem, o botânico cobriu um raio de mais de 40.000km e suas descobertas, juntamente com aquelas de outras expedições, identificaram vários locais adequados espalhados às margens do Tapajós, um grande afluente do Amazonas que cruzava as terras de origem das seringueiras silvestres.

Em grande parte tratava-se de terras públicas, que Ford poderia ter obtido diretamente por concessão governamental, com pouco ou nenhum custo. Mas desta vez La Rue não visitou nenhum dos locais anteriormente explorados; limitou-se a percorrer uma linha reta de 80 km ao longo da margem Leste do Tapajós, parte das terras para as quais Villares, Schurz e Greite tinham uma opção. Mais tarde, quando foram divulgados os detalhes do acordo – pelo qual Ford essencialmente comprou terras que provavelmente teria conseguido de graça, – começaram a circular boatos de que o professor de Michigan fazia parte da conspiração. La Rue negou as alegações, mas Ford não voltou a confiar nele.

Não pense que iríamos nos beneficiar usando-o”, foi o comentário escrito por Ford na margem da subsequente oferta de La Rue para ajudar a colocar em operação a plantação de seringueiras. […]

Em junho de 1927, delegou procurações a dois de seus funcionários, O. Z. Ide e W. L. Reeves Blakeley, e os enviou ao Brasil. Eles foram encarregados de negociar uma concessão de terras com o Governador do Estado do Pará, a jurisdição em que estava localizada a propriedade recomendada por La Rue, e a incorporação de uma empresa subsidiária pelas leis brasileiras para supervisionar a plantação. Ide e Blakeley, ambos com 37 anos de idade, e suas esposas viajaram até Nova York no final de junho. […] Em Manhattam, os emissários de Dearborn foram conduzidos em um Lincoln pelo Sr. Leahr, da filial, que os ajudou a obter seus vistos e a se prepararem para a partida no SS Cuthbert, da British Booth Line. […]

Em 07 de julho, o Cuthbert entrou na Baía de Marajó, uma das muitas embocaduras do Rio Amazonas, tão enorme que só viu terra no dia seguinte. […]

Mais adiante da água, havia uma fileira da casas exportadoras, lojas e residências de comerciantes, atrás da qual, na rua Gaspar Viana, a Ford Motor Company abriria um escritório para coordenar a chegada de cargas de Dearborn e a contratação de trabalhadores. Na praia esperavam, para saudar a delegação da Ford, John Minter, o Cônsul americano, e Gordon Pickerell, um revendedor local que havia acabado de se aposentar depois de 13 anos como Cônsul dos EUA. Também estava presente Jorge Villares, a quem Blakeley cumprimentou cordialmente, fato que Ide achou estranho, uma vez que não se lembrava do parceiro ter mencionado qualquer contato que não fosse com Pickerell e Minter em sua viagem anterior. Blakeley fez as apresentações, mas de uma forma desajeitada, apenas murmurando o nome de Villares. […]

A despeito dessas maquinações ou, como Ide logo percebeu, por causa delas, as discussões com os funcionários do governo brasileiro transcorreram sem problemas. Villares, Blakeley e Ide se reuniram com o Governador Dionysio Bentes – homem que havia concedido a Villares, Schurz e Greite a opção para as terras em questão – para começar as negociações.

Não havia muito o que negociar. Curvando-se, assentindo e sorrindo para superar a barreira do idioma, Bentes disse aos homens que eles poderiam ter qualquer coisa que a Ford desejasse. A concessão exigia a aprovação do legislativo estadual, mas isso garantiu ele, era mera formalidade. […]

Uma das primeiras coisas que eles precisavam fazer era elaborar uma descrição legal do imóvel designado. Para isso foram falar com Antônio Castro, Prefeito de Belém, que Ide achou “parecido com um macaco”.

Castro tinha a promessa de Villares de algum dinheiro, mas ficou feliz em oferecer seus serviços de engenheiro civil por uma taxa adicional.

Ide não conhecia a propriedade – ficava a seis dias de barco de Belém. Mas, no seu encontro com Castro, desdobrou um mapa do vale do Tapajós, e com um lápis preto, traçou uma linha de 120 quilômetros Rio acima, depois uma de uns outros 120 terra adentro e outra paralela à primeira, finalmente voltando ao ponto de partida. Um total de 14.562 quilômetros quadrados. É um “montão de terra”, exclamou o Prefeito, surpreso. “Não é problema seu”, retrucou Ide. “Quero apenas que você nos dê uma descrição”. O passo seguinte era uma reunião com Samuel McDowell, o advogado do revendedor Ford local, para elaborar os termos do contrato. Num bloco de papel amarelo, Ide, Blakeley e Villares escreveram “exatamente o que queriam na lei que iria ao legislativo”.

Tinham somente instruções vagas de Dearborn; então pediram tudo o que poderiam pensar; direito de exploração da madeira e reservas minerais, direito de construção de uma ferrovia e pistas de pouso, de erigir qualquer tipo de edificação sem a supervisão do governo, abrir bancos, organizar uma força policial privada, dirigir escolas, extrair energia de quedas d’água e “represar o Rio de qualquer maneira que necessitarmos”. A empresa foi isenta de impostos de exportação, não apenas sobre borracha e látex, mas também sobre quaisquer produtos e recursos que a empresa quisesse enviar para o exterior:

peles e couros, óleo, sementes, madeira e outros produtos e artigos de qualquer natureza. Pensamos em muitas coisas das quais nunca havíamos ouvido falar.

Disse Ide e:

à medida que avançávamos, nós as íamos adicionando.

Em troca da generosidade de Bentes, os negociadores da Ford obrigaram a empresa a apenas plantar 400 hectares de seringueiras no período de um ano. Eles fizeram isso para preservar a “simetria e o equilíbrio” do contrato e dar uma demonstração de boa-fé de que a Ford pretendia realmente cultivar seringueiras e não apenas minerar a terra em busca de ouro ou fazer perfurações em busca de petróleo. Blakeley supunha que seria nomeado gerente da propriedade e que poderia facilmente limpar e plantar 1.200 hectares em poucos meses. Então McDowell “colocou o contrato na linguagem correta” e mandou que fosse traduzido para o português. Quando a equipe passou-o ao Governador Bentes, esperava que ele recusasse algumas solicitações.

Mas ele apresentou a lei ao legislativo sem qualquer comentário, com tudo aquilo que tinha sido pedido pela equipe da Ford. “Muito mais”, escreveu Ide, “do que esperávamos obter”. […]

Bentes era homem de palavra e, em 30.09.1927, o legislativo estadual ratificou a concessão exatamente como havia sido composta pelos homens de Ford. […]

Resumindo, o Estado do Pará cedeu a Ford pouco mais de um milhão de hectares, um pouco menos que aquilo que o advogado de Dearborn havia delineado no mapa mas, sendo quase do tamanho do Estado de Connecticut, um vasto território. Metade dele provinha da reivindicação de Villares, pela qual a Ford deveria pagar US$125 mil, uma ninharia considerando-se a enorme riqueza da família.

A outra metade era de terras públicas, que Ford recebeu de graça. (GRANDIN)

Villares lucrou na negociata 125 mil dólares em terras que o governo Paraense pretendia doar à empresa americana. O projeto começara mal e, antes de Ford partir para a concretização de seu grande projeto amazônico, foi informado de que o cartel da borracha estava desmoronando, porque os holandeses não haviam aderido a ele, mesmo assim o destemido empresário manteve sua decisão.

Fordlândia, fruto de um golpe arquitetado por um corrupto brasileiro, seria implantada em um terreno montanhoso e impróprio para seringueiras, próxima à Cidade de Santarém, no Estado do Pará, à margem direita do Rio Tapajós, na bacia do Rio Cupari, nos municípios de Aveiro e Itaituba, numa comunidade denominada Boa Vista.

Bibliografia 

GRANDIM, Greg. Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Editora Rocco, 2010.

 Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 24.08.2020 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);  
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].