Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte IX

FORDILÂNDIA

Fordlândia (25.01.2011) 

A chegada dos americanos ao Tapajós causou uma verdadeira revolução em todo o Rio. Aqueles homens muito brancos, louros, de olhos azuis, falando uma língua diferente era a mesma coisa que a Terra fosse invadida por seres de outro planeta. (FRANCO) 

Aportamos, por volta das 18h00, em Fordlândia, e fizemos uma rápida visita às antigas instalações e antes de retornar ao Piquiatuba, conhecemos Guilherme Lisboa, ex-funcionário da Receita Estadual, que gentilmente nos levou até sua casa onde passamos alguns descontraídos momentos.

O Guilherme deixou sua camioneta à disposição do Sargento Barroso para que pudéssemos conhecer parte do Projeto que Ford tentou, sem sucesso, implantar na Amazônia.

No dia seguinte, a chuva continuava sem dar trégua. Aproveitamos a camioneta do Guilherme, pilotada pelo Sargento Barroso e nos dirigimos diretamente à Vila Americana onde se situavam as casas dos administradores, e que possuía, na época, jardins bem cuidados, belos gramados para a prática do golfe, quadras de tênis, piscina, campos de futebol, clube e cinema.

FORDILÂNDIA

Depois da Vila Americana, percorremos as demais instalações observando o descaso do poder público com as sólidas instalações que poderiam ser preservadas e transformar-se em fonte de renda para o Município de Aveiro. Para que os leitores possam ter uma ideia da nossa emoção em percorrer o cenário hoje totalmente degradado de alamedas outrora vicejantes e entender a importância da implantação do Mega Projeto de Ford na Amazônia, em meados da década de vinte do século passado, vamos fazer uma pequena digressão histórica, a respeito.

Henry Ford 

Henry Ford nasceu em uma fazenda em Wayne County, perto de Greenfield, Michigan, em 30.07.1863, e faleceu em Dearborn, Michigan, a 07.04.1947. Seu pai, William Ford, nasceu na Irlanda e a mãe, Mary Litogot Ford, filha de imigrantes belgas, nasceu nos EUA. O interesse de Ford pelos motores teve início na fazenda de seu pai onde ele observava com interesse os equipamentos, estudando o funcionamento das máquinas. Ford tinha aversão às tarefas agrícolas e almejava diminuir o trabalho manual através da mecanização.

Ford Motors Company 

No dia 16.06.1903, aliado a Alexander Y. Malcolmson, empresário de carvão de Detroit e a mais dez investidores, fundou a Ford Motor Company, com um capital de 150 mil dólares, sendo que 28 mil (valores da época) eram do próprio Ford.

Ford investiu em inovações técnicas e de negócios, instituindo um sistema de franquias que criou concessionárias nas principais cidades dos EUA, e nas maiores cidades do planeta, consagrou o chamado “fordismo”, que nada mais é do que a aplicação do princípio da “linha de montagem”, que permitia fabricar um carro a cada 98 minutos.

Ford não inventou a “linha de montagem”, ele próprio afirmava que teve a ideia de manter os trabalhadores no mesmo lugar, executando uma tarefa específica, ao observar uma “linha de desmontagem” nos matadouros de Chicago e Cincinnati, onde os açougueiros retalhavam as carcaças que passavam diante deles penduradas em ganchos.

Também não foi dele a ideia de tornar as peças intercambiáveis, mas Ford foi o responsável pela aplicação destes dois princípios em uma fábrica, transformando-a num sistema complexo de processos de submontagem cada vez mais integrados. Ford estabeleceu com seu carro recém planejado um novo recorde de velocidade terrestre (147 km/h), em uma exposição sobre o gelo do Lago Saint Clair, percorrendo uma milha em 39,4 segundos.

Em 1914, maravilhou o mundo com o que ele denominava de “wage motive” ([1]), passando a pagar cinco dólares por dia aos seus operários, mais que duplicando o salário da maioria dos trabalhadores. O resultado foi que os melhores profissionais de Detroit foram contratados pela Ford, aumentando a produtividade e minimizando os custos de treinamento.

Aplicou, também, o uso da integração vertical que também provou ser bem sucedida na gigantesca fábrica da Ford, onde entravam matérias-primas e de onde saíam veículos totalmente prontos. Ford produzia, na época, 1.200 automóveis por dia, e empregava mais de cem mil operários em suas fábricas.

Exposição Industrial Ford 

Em 1927, a General Motors (GM) oferecia aos seus clientes carros com dezenas de alternativas de cores e variadas opções de estofamento, ao passo que os carros Ford só eram fabricados em verde, vermelho, azul e preto, ainda assim, um número maior do que nos anos anteriores, quando Ford afirmava que seus clientes poderiam ter os carros na cor que escolhessem, “desde que fosse preta”. Os usuários viviam uma época de prosperidade e graças a um crédito acessível, tinham se tornado mais exigentes e buscavam modelos mais luxuosos. Forçado pela competitividade, Ford decidiu suspender a fabricação do Modelo “T”, em maio de 1927, jogando todos os seus trunfos no modelo “A”, cujo primeiro carro foi montado em outubro do mesmo ano.

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Era uma tentativa de recuperar sua participação no mercado automobilístico. A Exposição Industrial Ford, realizada em janeiro de 1927, no Madison Square Garden, atraiu mais de um milhão de visitantes interessados em conhecer os diversos estilos do novo Modelo “A”, disponível em vários tipos de carrocerias e cores, e do “Lincoln Touring Car” que Ford havia adquirido seis anos antes, com a intenção de entrar para o mercado de carros de luxo sem ter a necessidade de reconfigurar suas próprias fábricas.

O resultado surpreendeu até mesmo aqueles que não acreditavam que a Ford conseguisse superar a crise motivada pela concorrência com a GM. A exposição exerceu um efeito catalisador que levou dez milhões de americanos a visitar as concessionárias Ford locais e a encomendar 700 mil unidades do Modelo “A”.

No dia 09.01.1927, Henry Ford, acompanhado de seu amigo Thomas Edison e de seu filho Edsel, passeava pela Exposição assediado por inúmeros jornalistas. Mais que uma mostra de automóveis, a exposição pretendia fazer uma demonstração visual da operação das indústrias Ford, desde as matérias primas até o produto acabado. Ford anunciou, na oportunidade, que voaria até a Amazônia para inspecionar sua nova plantação de seringueiras.

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Cartelização da borracha 

A indústria automotiva dependia muito da borracha vulcanizada, pois usava o látex processado não só nos pneus, mas também nas mangueiras, válvulas, gaxetas e fios elétricos.

Setenta por cento da borracha importada era utilizada somente para a produção de pneus e, embora a quilometragem das estradas pavimentadas norte-americanas tivesse aumentado significativamente depois da I Guerra Mundial, diminuindo o desgaste dos pneus, e o aperfeiçoamento técnico na sua manufatura tenha aumentado a vida média dos mesmos, para mais de seis vezes, a demanda havia saltado para cerca de cinquenta milhões de unidades por ano.

O látex extraído das seringueiras asiáticas era monopólio inglês que mantinha o preço da borracha em alta, único insumo em que Ford não exercia qualquer controle e pretendia alcançar a independência em relação aos fornecedores. Durante décadas, as indústrias americanas haviam importado a borracha, sem grandes problemas, das colônias europeias holandesas, francesas, e sobretudo britânicas, do sudeste asiático. Quando os preços começaram a cair, em 1919, Winston Churchill, Secretário de Estado para as Colônias, aprovou uma proposta para regular a produção de borracha bruta a fim de assegurar que a oferta não ultrapassasse a demanda. O aumento na demanda da indústria automotiva americana pela borracha deu nova vida ao colonialismo europeu enfraquecido pela I Guerra Mundial. A receita da borracha ajudou Londres, Paris e Amsterdã a manter suas colônias e a pagar suas dívidas de guerra. O Secretário do Comércio Herbert Hoover, que mais tarde seria Presidente dos EUA, alertou aos empresários norte-americanos de que eles dependiam demais da “Europa Imperialista” e que poderiam ficar sujeitos a preços abusivos caso os holandeses e franceses se aliassem ao Cartel proposto pelos britânicos.

Em fevereiro de 1923, Firestone convocou, no Willard Hotel, em Washington, uma conferência nacional de fabricantes de borracha, de veículos automotores e de acessórios. Além de Henry Ford, compareceram mais de duzentos empresários do setor que não se mostraram sensíveis às preocupações de Firestone e à sua ideia de criar a “American Cooperative Association” cujo objetivo seria estabelecer plantações de seringueira na América Latina.

Outros esforços, sem sucesso, foram tentados e, em 1926, Ford, que não era um homem habituado a sociedades, resolveu produzir seu próprio látex, determinando a seu secretário Ernest Liebold que descobrisse qual o melhor lugar para se cultivar a borracha. As pesquisas de Liebold levaram-no a concluir que a Hevea deveria ser cultivada na sua origem e isso significava na Amazônia. A escolha do Vale do Tapajós para implantação do projeto levou em conta de que de lá tinham sido colhidas as sementes pirateadas por Henry A. Wickham e a região ser considerada o berço das melhores árvores da seringa do planeta. (Continua…)

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 20.08.2020 –  um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;  

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  •  Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected]

[1]    Wage motive: salário de motivação.