Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte XII
Fordlândia IV
O primeiro cuidado dos engenheiros encarregados foi lançar as primeiras fundações, tendo-se agasalhado parte deles na antiga casa de Boa Vista, que foi remodelada. Depois mandaram construir o Barracão Central que serve de escritório, consultório médico e dentário, farmácia, armazém de mercadorias, refeitório, etc., iluminado a luz elétrica, com telefone e ventiladores elétricos. (COHEN)
O fato de Ford ser obrigado a plantar seringueiras em somente 400 hectares, dos mais de um milhão concedido, levou algumas pessoas a sugerir que o “ianque milionário” estava na realidade interessado não em látex, mas em petróleo, ouro e influência política. Grande parte destas críticas iniciais era, na verdade, um ataque ao homem que dera a concessão, o Governador Dionysio Bentes, um poderoso político local com muitos amigos, alguns inimigos e aspirações políticas mais altas. Foram criticados o sigilo sob o qual a concessão havia sido negociada e as generosas isenções fiscais. Foi observado que o banco autônomo, as escolas e a força policial da propriedade violavam a soberania do Brasil. Era, diziam, como se Ford tivesse o direito de governar a Fordlândia como um estado separado. (GRANDIN)
Blakeley e Villares, agora membro da equipe da Ford, montaram um acampamento próximo à Vila de Boa Vista.
O local permitiria, futuramente, a construção de um futuro cais sem a necessidade de dragagem do Rio e o terreno alto levava a supor que estariam livres dos mosquitos e outros insetos. Depois de resolverem os problemas legais de desapropriação de 125 famílias que moravam na área da concessão, além de alguns grupos indígenas esparsos, deram início ao desmatamento. O empreendimento trazia consigo um alento de esperança para o desenvolvimento daquela região tão esquecida, baseado na admiração que todos nutriam pela indústria americana e do aporte de capital que adviria. Em contrapartida, havia certa desconfiança em relação às reais intenções de Washington pois, enquanto Ford arquitetava seu megalômano Projeto, os fuzileiros navais americanos invadiam e ocupavam a Nicarágua, o Haiti e a República Dominicana. Ontem, como hoje, os políticos entreguistas só pensam nas benesses que podem auferir sem considerar os prejuízos que suas ações podem acarretar à soberania nacional. Blakeley havia se instalado, com certo conforto, em uma velha fazenda nos arredores de Boa Vista, seus capatazes em um barracão improvisado e os trabalhadores dormiam em redes, ao relento, ou em improvisados tapiris. Blakeley e Villares haviam iniciado, precariamente, os trabalhos de desmatamento na época das chuvas e precisavam usar grande quantidade de querosene para queimar a mata derrubada. Alguns incêndios duravam dias.
Aquilo me aterrorizou. Parecia que o mundo todo estava sendo consumido pelas chamas. Uma grande quantidade de fumaça subia ao céu, cobrindo o Sol e tornando-o vermelho. Toda a fumaça e as cinzas flutuavam pela paisagem, tornando-a extremamente assustadora e opressiva. Estávamos a 3 km de distância, do outro lado do Rio, mas mesmo assim cinzas e folhas em chamas caíam sobre nossa casa. (FRANCO)
Os Igarapés próximos haviam sido transformados em depósitos de lixo onde os insetos proliferavam. Blakeley foi, finalmente, dispensado e sua partida para Dearborn provocou uma crise de autoridade que gerou uma série de desavenças no acampamento. A incompetência dos encarregados, a falta de equipamento adequado, as péssimas condições de trabalho, o ataque de animais peçonhentos, as doenças e a alimentação deteriorada culminaram com uma revolta, e os trabalhadores armados de facões e machados perseguiram os americanos, que se refugiaram na mata.
A calma foi restabelecida e Villares tentou convencer os americanos que o mérito era seu, mas os americanos estavam cada vez mais convencidos que Villares era um grande e incompetente falastrão. Em 1929, a imprensa nacional trouxe a história dos subornos a público, resultando no afastamento definitivo do sobrinho de Santos Dumont da Ford Company. Ford enviou os navios Lake Ormoc e o Lake Farge, embarcações de setenta e cinco metros de comprimento por quinze de largura, para o Pará.
O Lake Ormoc serviria de base de operações durante a construção de Fordlândia e estava equipado com hospital, laboratório, frigoríficos, lavanderia, biblioteca, sala de estar e camarotes. O Farge, transformado em barcaça, foi usado para transportar víveres, uma escavadeira, geradores, tratores, uma britadeira, máquina de fazer gelo, equipamento hospitalar, betoneiras, uma serraria, bate-estacas, destocadores, rebocadores, lanchas, locomotiva, trilhos, prédios pré-fabricados, material de construção, de escritório e mudas de seringueira.
Ao chegarem à Foz do Tapajós, os comandantes foram informados de que o Rio tinha somente noventa centímetros de calado, na época da seca, impedindo que os navios chegassem ao porto de Fordlândia. O Capitão Einar Oxholm, que havia assumido o comando na ocasião da chegada dos navios ao Brasil, decidiu, então, transportar o material em balsas alugadas. A transferência atrasou tendo em vista que os guindastes necessários para realizar a operação tinham sido carregados primeiro e estavam sob todo o resto da carga dos navios. A propalada “eficiência” americana mais uma vez dava mostras de sua fragilidade tanto sobre a omissão de informações importantes sobre as condições de navegabilidade do Rio como no carregamento dos navios.
Oxholm era um homem honesto, mas não tinha qualquer experiência em botânica ou gerência. Os operários orientados, agora, por Oxholm, iniciaram a construção da Cidade que, em pouco tempo, se transformaria na terceira mais importante Cidade da Amazônia. Uma das embarcações foi preparada para suprir temporariamente a Aldeia de energia e servir de hospital. Grande parte da área foi ocupada pelos seringais, divididos de maneira extremamente regular. As condições de trabalho e o salário superior ao de outras cidades da região, pago quinzenalmente em espécie, provocou uma verdadeira corrida ao posto de recrutamento da empresa. A mídia convocava trabalhadores, mas metade deles não passava no exame médico. Mas, apesar disso, a rotatividade dos milhares de empregados contratados por Oxholm era muito grande, forçando os gerentes e capatazes a perder muito tempo no treinamento dos novos funcionários.
Os trabalhadores, assim que juntavam algum dinheiro, voltavam para suas famílias e suas plantações.
Oxholm tinha problemas para manter aceso o cordão de lâmpadas penduradas sobre as poucas ruas sujas que ele havia tirado da selva. Equipamentos e ferramentas descarregados do Ormoc e do Farge estavam espalhados pelo chão, e não houve nenhuma tentativa de fazer um inventário ou estabelecer um sistema de inspeção. Os roubos eram desenfreados. Oxholm não tinha construído uma doca permanente ou um edifício central de recebimento; assim, os materiais adicionais enviados de Belém ou Dearborn se amontoavam na margem do Rio, igualmente sem supervisão. Sacos de cimento jaziam na margem “duros como pedra”. As árvores tinham sido cortadas na margem do Rio, mas os arbustos permaneciam intocados. Nos poucos mais de 400 hectares desmatados e queimados para plantar, tocos carbonizados que Oxholm não se deu ao trabalho de arrancar se misturavam, como túmulos escuros, às mudas de seringueira que cresciam, fazendo com que a plantação parecesse um cemitério. O Capitão havia construído algumas casas, mas em quantidade insuficiente para atender às necessidades dos trabalhadores ou dos gerentes e suas famílias. O edifício do hospital tinha “afundado sobre seus alicerces e apresentava muitas rachaduras”. […]
Os madeireiros descobriram em pouco tempo que as árvores potencialmente lucrativas nunca estavam grupadas, mas espalhadas por toda a floresta. E a floresta era tão densa de árvores, trepadeiras e cipós que teriam de ser cortadas quatro ou cinco árvores antes de ser aberta uma clareira para uma queda livre.
“Custa caro demais”, lembrou um madeireiro, “ir aqui e ali pela floresta para obter uma espécie de madeira que valha a pena. Não se consegue andar três metros nesta selva sem ter de abrir seu próprio caminho. Isto é uma massa de árvores e cipós”. […]
Oxholm começou a comprar madeira para suas necessidades de construção, e queria dizer que a plantação não só estava deixando de gerar receita com madeira, mas também perdia dinheiro para comprá-la. […]
A Ford Motor Company podia estar trazendo para a Amazônia as técnicas de produção industrial em massa, sincronizada e centralizada mas, ao menos por algum tempo, baseou-se em lenhadores na selva usando pouco mais que machados para suprir sua futura plantação com madeira. (GRANDIN)
Bibliografia
COHEN, Jacob – Fordlândia: a Grande Interrogação do Futuro – Brasil – Belém, PA – Casa Editora Guajarina, 1929.
FRANCO, Eymar. O Tapajós que eu vi – Brasil – Santarém, PA – Instituto Cultural Boanerges Sena (ICBS), 1998.
GRANDIM, Greg. Fordlândia: Ascensão e Queda da Cidade Esquecida de Henry Ford na Selva – Brasil – Rio de Janeiro, RJ – Editora Rocco, 2010.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 25.08.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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