Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte I
Retorno à Calha do Rio-mar
Os Argonautas
(Apolônio de Rodes)
Começarei, ó Febo, contando as famosas ações dos homens do passado que, a mando do Rei Pélias, atravessaram a Boca do Ponto, entre as rochas Simplégades ([1]), na veloz Argo em busca do Tosão de Ouro. (RODES)
É uma grata satisfação voltar à calha principal do Rio Máximo ([2]) depois de percorrer o tumultuário Solimões e um dos mais belos e misteriosos afluentes do Amazonas ‒ o Rio Negro.
O volume d’água do Negro empresta ao Amazonas uma potência adicional e a correnteza ganha um considerável acréscimo de energia.
Neste formidável Mar Dulce ([3]) descobrimos novas gentes, antigas histórias, antigas lendas e velhas e recorrentes questões nos encantaram, emocionaram e afligiram neste deslocamento de Manaus a Santarém.
A pujança da Foz do Madeira, relatos da ignota Batalha Naval de Itacoatiara, o encanto da Ilha da Fantasia (Parintins) e de seus folguedos populares, o Nhamundá e o Trombetas, mananciais em cujas margens os espanhóis liderados por Orellana teriam encontrado as lendárias Icamiabas (Amazonas), as riquezas minerais de Juruti e Porto Trombetas, o Rio Cuminá palco de três jornadas épicas praticamente desconhecidas pela maioria dos brasileiros, a angustura de Óbidos, os belos petróglifos da Serra da Escama e das pinturas rupestres da Morada dos Deuses, a fantástica cerâmica santarena ‒ cuja riqueza de detalhes procuramos interpretar à luz de fundamentos antropológicos (no livro “Navegando o Tapajós”), o majestoso e lendário Tapajós de Fordlândia, Belterra, o Rio Cupari e o seu “Berço da Humanidade” nos encantaram, surpreenderam, impregnaram de belas imagens nossas retinas e moldaram perenes lembranças em nossos Corações e Mentes.
Algumas parceiras e parceiros que auxiliaram na revisão da presente obra estranharam o fato de os Rios, Lagoas, Lagos, e Lagunas estarem grafados com a primeira letra maiúscula. Os nautas, porém, entenderam meu recado. Os navegadores consideram os mananciais mais do que simples acidentes geográficos, e mais, mas muito mais que enormes, amorfas e inertes massas líquidas. Esses fluidos colossais são as artérias que tonificam a mãe Terra, carregando no seu meio líquido o húmus e as sementes capazes de gerar o milagre da vida. Capazes de transformar minúsculas sementes em gigantes portentosos da floresta.
A reverência que os navegadores devotam às águas só pode ser compreendido por aqueles que as respeitando como amigas e Mestras são capazes de interpretar as sutis mensagens levadas pela torrente.
No murmúrio das ondas, ressoam os sons de inúmeras vozes do Rio e, no seu reflexo, surgem imagens pretéritas e presentes que se mesclam num jorro resplandecente de luz. Algumas ondas escuras, tristes e carregadas de sofrimento volvem-se sobre si mesmas em espumante e fulgente júbilo e a repentina metamorfose exibe uma contagiante alegria de outros tantos clamores.
No seu vai e vem contínuo, as águas abrem, aos iniciados, o registro ancestral. O navegador mergulha seu remo, então, no “Inconsciente Coletivo”, colhendo preciosos ensinamentos trazidos pelas infindas vozes do Rio. Imerso na memória pretérita da humanidade, o navegante se transforma no verdadeiro “Argonauta”, ousando, vencendo temores e ultrapassando os limites terrenos.
Convidamos o leitor a se juntar a nós nesta magnífica descida pelas águas do mais exuberante dos Rios criados pelo Grande Arquiteto do Universo e nos acompanhe, remada a remada, pelas águas do Rio Máximo. Que se encante com nossa narrativa e os relatos, amarelecidos pelo tempo, de desbravadores, muito mais audazes, que tanto lutaram para estender nossas fronteiras tão cobiçadas ontem e que, hoje, graças aos desmandos e inércia dos últimos governos, estão se tornando cada vez mais frágeis.
Este livro além de apresentar um diário de bordo de nossa jornada carrega o leitor na garupa da história fazendo-o rememorar os fatos mais relevantes que ocorreram, ao longo da história, nestas plagas.
Rio das Amazonas
O Amazonas é um extraordinário manancial que vem desafiando, através dos últimos cinco séculos, não apenas a capacidade dos cientistas de determinar suas características fisiogeográficas e a pródiga imaginação dos românticos poetas mas, sobretudo, a capacidade de sobrevivência sustentável dos povos da floresta cujas vidas dependem diretamente de suas águas.
Águas alegres e generosas que fertilizam a várzea e estimulam os ribeirinhos a acorrerem em mutirões lançando, na vazante, suas sementes às praias fecundas, para colher mais tarde os frutos de seu esforço e da munificência do pródigo caudal. Águas por vezes procelosas, soturnas, fúnebres mesmo, arrancando enormes barrancos das margens arrastando árvores, casas e levando o terror às almas destemidas dos povos das águas.
O Rio, que no passado corria para o Pacífico, que mais tarde foi transformado em um imenso Lago (Pebas) continua moldando, trabalhando as margens a seu bel-prazer. Arrancando um barranco aqui, iniciando uma Ilha mais adiante, assoreando e abandonando um Canal acolá, transformando um pequeno Furo em braço principal e levando por diante uma Ilha mais além, é a “Inconstância Tumultuária” a que se refere o inigualável Euclides da Cunha, no seu “Paraíso Perdido”.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 07.08.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Simplégades: rochedos do estreito de Bósforo que se entrechocavam provocando o naufrágio das embarcações e que foram fixadas pelos Deuses durante a passagem da nau Argo.
[2] Rio Máximo: É sem dúvida o Amazonas o Máximo dos Rios, sem injúria dos Nilos, Núbias e Zaires da África, dos Eufrates, Ganges e Indos de Ásia, dos Danúbios e Ródanos da Europa, dos Pratas, Orenocos e Mississipis da mesma América, em cujo meio ou centro o Amazonas se sobressai gigante, chamado com razão, pelos naturais, Mar Branco, Paraná Petinga. E se Júlio César prometia ceder o império a quem lhe mostrasse a fonte do grande Nilo, qual seria o prêmio a quem lhe apontasse a fonte do Máximo Amazonas, em cuja comparação aquele se avaliaria pigmeu, ou pequeno regato […] (DANIEL)
[3][3] Mar Dulce: Vicente Yáñez Pinzón, navegante espanhol, um dos marinheiros mais experientes de seu tempo, nasceu na localidade andaluza de Palos de la Frontera [Huelva] em 1461. Em Expedição pela costa brasileira, antes mesmo de Pedro Álvares Cabral, julgou ter encontrado, em fevereiro de 1500, um grande braço de mar que batizou de “Santa Maria de la Mar Dulce”. Pinzón descobrira, na realidade, a Foz do Rio Amazonas e, preocupado com a fúria da “pororoca”, permaneceu ancorado apenas o tempo necessário para abastecer a frota de água potável e de víveres e, em seguida, içou velas rumo Norte. O descobrimento do Brasil não foi considerado oficial em consequência do Tratado de Tordesilhas, que proibia a incursão de espanhóis naquela área. Caso esta descoberta fosse divulgada, teria provocado um sério incidente diplomático entre as duas grandes potências ibéricas.
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