Momentos Transcendentais no Rio Amazonas I
Manaus, AM/ Santarém, PA ‒ Parte III

Apoio do Exército Brasileiro

O 2° Grupamento de Engenharia (2° Gpt E) havia providenciado um apoio substancial ao meu deslocamento de Manaus a Santarém, em homenagem ao quadragésimo aniversário do Gpt E. O Cel Aguinaldo da Silva Ribeiro, meu ex-Cadete e Comandante do 8° Batalhão de Engenharia de Construção, sediado em Santarém (PA), deslocou o B/M (Barco a Motor) Piquiatuba para me apoiar durante toda a jornada.

A embarcação regional é constituída de um convés principal e um convés superior. No inferior, uma cozinha, banheiro e camarote da tripulação; no superior, dois camarotes, e um banheiro e para nosso maior conforto, um grande freezer, máquina de lavar roupas e televisão. Eu ia contar, graças aos discípulos de Villagran, de um conforto que jamais havia imaginado, e resolvi dormir embarcado, na véspera da partida para evitar qualquer tipo de atraso. Improvisei tampões para o caiaque, montei minha barraca e a fixei, com pregos, solidamente no convés superior, criando mais um aposento como alternativa. A zelosa tripulação era formada pelos soldados MÁRIO Elder Guimarães Marinho (Comandante do B/M), Walter VIEIRA Lopes (Subcomandante), Edielson REBELO Figueiredo (Chefe da Casa de Máquinas) e MARÇAL Washington Barbosa Santos (cozinheiro) nosso bom Gourmet.

Um dia antes de nossa partida, recebemos um generoso rancho fornecido pelo 2° Gpt E para a viagem e auxiliei no transporte do mesmo para bordo.

O Comandante do Comando Militar da Amazônia (CMA), Gen Ex Luis Carlos Gomes Mattos, que nos apoiara incondicionalmente na Descida do Rio Negro, mostrava que o “Braço Forte” era sempre capaz de estender, mais uma vez, uma “Mão Amiga” ao nosso patriótico empreendimento.

Caro Amigo José Holanda

No dia 28.12.2010 de manhã, depois de almoçarmos a bordo, recebemos a visita do Senhor José Holanda que, gentilmente, convidou-nos a conhecer sua propriedade no dia seguinte. No dia 29, à tarde, fomos até sua fazenda de Búfalos na Foz do Rio Madeira.

José Holanda é descendente de cearenses que se estabeleceram nas proximidades de sua atual propriedade, possui a determinação e a vontade férrea dos sertanejos cuja têmpera foi forjada no Sol causticante da caatinga. Com treze filhos e mais de 30 netos, Holanda encanta a todos com sua fala mansa, seu carisma contagiante e a riqueza ímpar de experiências colhidas em suas mais de sete décadas de vida na região.

Alfabetizado tardiamente pelo antigo MOBRAL (Movimento Brasileiro de Alfabetização), recuperou o tempo perdido lendo autores consagrados, dentre eles Ernest Hemingway. O deslocamento até a fazenda do José Holanda, na Foz do Rio Madeira, foi realizado numa lancha rápida por ele mesmo projetada, com motor Suzuki de 300 HP.

Holanda comentou que o abigeato é comum na região e que em determinada ocasião um comerciante local, seu vizinho e proprietário de um flutuante comercial, surrupiou-lhe seis búfalos. Conhecendo o responsável pela autoria do roubo, ele se dirigiu, com a tranquilidade que lhe é peculiar, ao estabelecimento comercial do mesmo e fez uma compra considerável de combustível e de gêneros bem superior ao preço dos seis animais levados pelo inescrupuloso mercador. Determinou que a embarcação carregada se afastasse e ficou com uma lancha rápida para lhe facilitar uma emergencial evacuação. Chamou o meliante para uma mesa e disse que precisava conversar com ele. Olhando fixamente nos olhos do ladrão disse que o pagamento do material que ele havia acabado de adquirir deveria ser abatido do preço dos búfalos roubados. Quando o malandro se esticou para pegar uma arma, Holanda mostrou-lhe a Calibre 12 engatilhada e destravada e saiu sem ser incomodado pelo covarde trapaceiro.

Soneto do amigo

(Vinicius de Moraes)  

Enfim, depois de tanto erro passado

Tantas retaliações, tanto perigo

Eis que ressurge noutro o velho amigo

Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado

Com olhos que contêm o olhar antigo

Sempre comigo um pouco atribulado

E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano

Sabendo se mover e comover

E a disfarçar com o meu próprio engano

O amigo: um ser que a vida não explica

Que só se vai ao ver outro nascer

E o espelho de minha alma multiplica…

Partiu para o Oriente Eterno, no dia 17 de abril de 2015, meu caríssimo Amigo e Mestre José Holanda. Por uma destas estranhas, misteriosas e curiosas coincidências engendradas pelo Grande Arquiteto do Universo e que Carl Gustav Jung denominava de “sincronicidade”, no mesmo dia e mês do nascimento, de meu pai e meu herói. Desde que tive a honra e o privilégio de conhecer o José Holanda, nossas rotas, apesar da distância física que nos separava, vinham se entrelaçando constantemente e nos comunicávamos, sem falta, nas datas mais importantes do calendário, havia um respeito e uma admiração mútua que nos unia.

Sua biografia é um exemplo de luta e determinação de um homem que jamais se conformou, nunca se acomodou e que, graças a isso, conseguiu que sua família viesse a desfrutar uma vida mais confortável. É um privilégio poder dizer que fui e serei sempre seu Amigo, mesmo que estejamos agora ocupando planos divinos distintos, o Zé foi e será sempre um de meus mais queridos Mestres.

Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 11.08.2020um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.

(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;    

  • Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
  • Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
  • Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
  • Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
  • Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
  • Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
  • Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
  • Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
  • Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
  • Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
  • Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
  • Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
  • Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
  • E-mail: [email protected].