Iniciadas em 2015, as pesquisas são lideradas por uma dupla de pesquisadores brasileiros, que ampliam o conhecimento sobre a diversidade de esquilos existentes na América do Sul. Até agora, são 6 espécies novas para o continente, sendo 3 apenas no Brasil. Duas ocorrem no Leste do Pará, onde fica Belém, a capital do estado.

Agência Museu Goeldi – Carismáticos e populares, os esquilos da América do Sul eram, até pouco tempo, ainda bastante desconhecidos do ponto de vista científico. A situação começou a mudar há cerca de cinco anos, a partir dos esforços de uma dupla de pesquisadores que, combinando metodologias de coleta em campo e de levantamento em coleções científicas distribuídas pelo mundo, começou a inventariar as espécies que habitam a América do Sul e a América Central, buscando descobrir as relações de parentesco (filogenéticas) entre elas.

Uma dessas estudiosas dos pequenos e até então pouco conhecidos animais é a bióloga Silvia Pavan, pesquisadora colaboradora do setor de Mastozoologia e bolsista de Pós-Doutorado pelo Programa de Capacitação Institucional do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Ela trabalha em colaboração direta com Edson Abreu Júnior, doutorando pela Universidade de São Paulo (USP), com o apoio de outros pesquisadores tanto da USP quanto do Smithsonian Institution.

“Os esquilos são animais populares. Dependendo da área em que você está no Brasil, as pessoas os conhecem como caxinguelê, serelepe, quatipuru. Mas, cientificamente, são um grupo negligenciado”, conta Silvia. Ela estuda a diversidade de pequenos mamíferos (pequenos roedores e marsupiais) sul-americanos há mais de uma década, e relata que, ainda em 2015, começou a buscar espécimes de esquilos disponíveis nas coleções científicas brasileiras e de fora do Brasil, incluindo a América do Norte e a Europa.

“As espécies de esquilos dos Estados Unidos, por exemplo, já foram muito mais estudadas e os cientistas têm uma boa ideia da diversidade e distribuição, sabem quantas espécies são, até onde uma espécie vai [geograficamente], aonde começa outra espécie, em quais áreas existe sobreposição de ocorrência entre elas, quais áreas são mais ricas para a diversidade de esquilos”, aponta.

“Aqui, na América do Sul, a gente ainda não tem essa perspectiva exata, então esse estudo está tentando dar um primeiro passo para esse conhecimento”.

O objetivo da pesquisa, segundo explica, é o de identificar quantas e quais são as espécies de esquilos existentes na área conhecida como neotropical [que inclui desde o sul da América do Norte até a América do Sul], por onde elas estão distribuídas, buscando levantar qual a história de parentesco entre elas e entender um pouco mais da história da diversificação dos grupos em parte do continente. “Nesse projeto tentamos entender tanto sobre a diversidade básica quanto a história evolutiva das espécies, e a história de colonização dos esquilos na América do Sul”.

Como primeiros resultados da pesquisa, o grupo de estudiosos já percebeu que há pelo menos 06 espécies de esquilos além do que se conhecia em toda a América do Sul, com 03 novas espécies apenas no Brasil, que possuiria um total de 11, ao invés de 08, como anteriormente estimado por outro grupo de pesquisadores.

Entre todas as espécies encontradas na nova pesquisa, duas ocorrem na região em que fica a capital paraense.

“Pela distribuição que conhecemos, baseado no que conseguimos levantar, observar e sequenciar de material, há duas espécies que sabemos que ocorrem no leste do estado do Pará, onde se localiza a cidade de Belém: Guerlinguetus aestuans e Guerlinguetus brasiliensis. Nós sabemos que elas estão presentes tanto na Amazônia quanto na Mata Atlântica”, adianta a bióloga.

“Entretanto, nós ainda não sabemos exatamente qual espécie ocorre na cidade de Belém ou se as duas estão presentes”, pondera.  

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Espécime de Guerlinguetus no campus de pesquisa do MPEG. Segundo os pesquisadores, duas espécies desse gênero podem ocorrer na cidade de Belém. Imagem: Adriano Maciel.

Dificuldades e inovação – Antigamente, os exemplares de esquilos eram obtidos por meio da captura na floresta e então destinados a museus e coleções científicas.

Hoje em dia, coleta de esquilos em campo para a realização de pesquisas científicas é mais rara, pois, apesar de eventualmente ser possível observá-los pelas copas de árvores em florestas fechadas, eles são bastante ágeis na fuga. Além disso, os pequenos roedores não são facilmente atraídos por iscas colocadas em armadilhas.

Apesar da dificuldade desse tipo de coleta, as pesquisas de Silvia e Edson incluíram viagens de campo pela Amazônia brasileira e o Peru.

De forma complementar, eles levantaram amostras de esquilos existentes em 27 coleções existentes pelo mundo, de onde saíram boa parte dos 300 exemplares, cujos materiais genéticos foram coletados, sequenciados e analisados para a realização da pesquisa.

Alguns desses exemplares, obtidos mais recentemente, foram obtidos em campo nas duas últimas décadas, mas outros, cerca de um terço do total, são bem mais antigos, chegam a ter um século e até mais de 120 anos desde que foram coletados.

“No estudo com esquilos, usamos dados genéticos para a inferência filogenética. Esses dados foram sequências de DNA obtidas por sequenciamento de nova geração, que é uma tecnologia relativamente nova, ainda pouco usada no Brasil”, explica Silvia.

Para analisar o material mais antigo presente nas coleções, capturado muito antes do desenvolvimento dos estudos genéticos, que hoje envolvem a separação de tecidos acondicionados em álcool e outros conservantes em bancos criogênicos, eles tiveram de apelar para os vestígios de tecido presentes em peles e esqueletos dos animais empalhados.

“Quando a preparação desses espécimes foi feita, raramente a limpeza foi totalmente precisa, e quase sempre ficaram resíduos de tecido muscular aderidos ao esqueleto do material depositado em coleções. Nos casos onde o esqueleto não estava disponível, ou não haviam fragmentos de tecido seco para amostrarmos do esqueleto, nós pegamos pedacinhos da pele mesmo”, relata.

Com essa nova tecnologia, a dupla de pesquisadores conseguiu uma amostragem mais diversa do grupo, de uma forma bem mais ampla do que seria se utilizassem tecnologias mais antigas para o sequenciamento do DNA. Para isso, eles contaram com a infraestrutura laboratorial e a colaboração de pesquisadores do Centro de Genômica do Smithsonian Institution, nos EUA.  

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Silvia Pavan e Edson Abreu Jr realizam a amostragem de material histórico no Museu Nacional dos EUA. Imagem: Anna Penna.

Preservação – No caso das amostras coletadas há mais de um século na Amazônia e na Mata Atlântica, onde foram registrados índices de desmatamento e queimadas muito altos no decorrer das décadas, é possível que as áreas em que muitas dessas amostras foram coletadas já não existam mais.

Nesses casos, quando se trata de espécies endêmicas, que só existem num determinado local, o risco é que, com a destruição do seu habitat, a própria espécie deixe de existir.

Diante desse contexto, a importância dos museus de história natural para a conservação desses registros de vida é muito alta, ressalta a pesquisadora.

Esse material de Museus é extremamente importante. É um registro único do que está presente ali, da diversidade que existe e, em alguns casos, da diversidade que existiu e que pode nem existir mais, como em casos de espécies restritas a uma área em particular ou um tipo de habitat que já não existe hoje”, defende.

“Então, as coleções científicas são importante em todos esses aspectos, tanto no registro histórico de diversidade, que já existiu e pode hoje estar perdida, quanto no registro da diversidade que ainda existe”, completa.

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Amostragem de material histórico no Museu Nacional dos EUA. Imagem: Anna Penna.

Próximos passos – Depois de mostrar de forma mais geral a diversidade de esquilos na América do Sul, os pesquisadores passam agora a identificar quais as espécies mapeadas e quais as possíveis novas espécies, fazendo o trabalho de taxonomia, a fim de providenciar a descrição formal das espécies que ainda precisam de um registro e de descrição formal.

Com o mapeamento da lista de espécies existentes e das áreas em que as espécies ocorrem, eles poderão planejar novas pesquisas em regiões cujos dados sobre a presença de espécies de esquilos ainda sejam escassos ou incompletos, por exemplo.

Além disso, essas informações poderão fazer com que, no futuro, eles apontem áreas prioritárias para a conservação dos esquilos existentes na América do Sul e seus habitats.

“A priori isso parece fácil, mas a falta de conhecimento básico sobre diversidade e distribuição de espécies ainda é crítica. Precisamos conhecer melhor a diversidade dos grupos para guiar as políticas de conservação”, comenta Silvia.

Texto: Brenda Taketa

Revisão: Joice Santos

PUBLICADO EM:    MUSEU GOELDI