Operação foi interrompida em agosto, após encontro do ministro Ricardo Salles com garimpeiros. Recurso também pede ordem proibindo qualquer interferência na fiscalização ambiental
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para que o governo brasileiro seja obrigado a retomar, com urgência, as operações de combate contra garimpos ilegais nas terras indígenas Munduruku e Sai Cinza, no sudoeste do Pará. As operações foram interrompidas em agosto, após visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que se encontrou com garimpeiros.
As circunstâncias da interrupção incluem suspeitas de vazamento de informações sigilosas e transporte de garimpeiros em aviões da Força Aérea Brasileira e estão sendo investigadas em dois inquéritos do MPF. No recurso apresentado ao Tribunal, o MPF pede que seja concedido prazo de apenas dez dias para a retomada dos trabalhos e que seja emitida “ordem expressa para que os ministérios da Defesa, do Meio Ambiente e quaisquer outros órgãos da União se abstenham de praticar atos que possam prejudicar as fiscalizações, sob pena de multa de R$ 1 milhão por cada ato indevido praticado”.
A fiscalização contra os garimpos ilegais nas terras do povo Munduruku foi requisitada pelo MPF em ação judicial proposta na Justiça Federal em Itaituba em junho deste ano, diante do avanço dos garimpeiros ilegais dentro do território, provocando desmatamento, contaminação de rios e levando tráfico de drogas, prostituição e também o novo coronavírus.
A operação chamada de Pajé Brabo 2 foi planejada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e interrompida por ordem do Ministério da Defesa, que impediu a decolagem das aeronaves dos fiscais na base da Serra do Cachimbo no mesmo dia em que a operação deveria começar e logo após a ida do ministro Ricardo Salles à região.
Assim que as ações de fiscalização foram paralisadas, o MPF peticionou à Justiça Federal em Itaituba solicitando uma ordem judicial para a retomada do trabalho dos fiscais. Em resposta a esse pedido, a Justiça concedeu prazo de 60 dias para apresentação de um plano de trabalho. É contra esse prazo excessivo que o recurso do MPF responde, pedindo que ele seja reduzido de 60 para no máximo dez dias.
A situação é tão grave que, de acordo com o recurso, se o ritmo de invasão observado desde o início de 2020 prossiga sem interrupção, “é possível que a situação entre em colapso e se torne irreversível antes mesmo do fim do prazo fixado para elaboração do plano de trabalho”. “Aldeias que antes não sofriam ameaça de invasores, agora já se veem encurraladas pelos garimpos, que crescem e avançam no território indígena. Conforme já esclarecido, a atividade garimpeira é extremamente prejudicial ao meio ambiente e ao modo de vida dos indígenas, provocando o assoreamento e a contaminação por mercúrio dos rios e subvertendo a lógica das relações sociais das aldeias, acirrando disputas entre os próprios indígenas”, diz o agravo apresentado pelo MPF.
O MPF também argumenta que não há necessidade de novos planejamentos, uma vez que o planejamento para a fiscalização na região foi elaborado pelos técnicos mas não pôde ser cumprido por interferência política, com a visita do ministro Ricardo Salles, seu discurso a favor da mineração em terras indígenas no aeroporto de Jacareacanga, a ida de indígenas garimpeiros para Brasília e a posterior ordem, do Ministério da Defesa, que proibiu a decolagem das aeronaves da fiscalização.
“Apesar da existência de sólido planejamento para a efetivação da fiscalização ambiental nas terras indígenas do povo Munduruku, que inclusive previa 7 (sete) dias de atuação ostensiva em campo, e da prontidão de vários servidores públicos, aeronaves e equipamentos, fato é que as estruturas burocráticas do estado brasileiro terminaram por frustrar as ações de fiscalização em prol de uma agenda política não albergada pelas leis vigentes e pela Constituição da República, o que demanda a imediata intervenção deste tribunal”, diz o recurso.
O MPF explica ao Tribunal que a situação vivenciada pelo povo Munduruku já é de conhecimento profundo dos órgãos e entes públicos, vez que já foi objeto de vários pedidos de atuação. “As instituições federais já possuem os dados e sabem quais os locais mais sensíveis para atuação. Tanto que recentemente foi deflagrada a Operação Pajé Brabo 2 para fiscalização ambiental com alvo nos garimpos/minerações ilegais da região”, lembra.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), citados no agravo ao Tribunal, as terras indígenas Munduruku e Sai Cinza totalizam 60% dos alertas de desmatamento para garimpo em terras indígenas da Amazônia, identificados no período de janeiro a abril de 2020. O recurso do MPF menciona também a carta que recebeu assinada por lideranças indígenas Mundurukus, em que alertam sobre a gravidade da situação nos rios Kaburuá, Kabitutu, Rio das Tropas e Kadiriri.
“Foram relatados o aliciamento de lideranças, a facilitação de entrada de balsas e escavadeiras nos rios, o conflito entre indígenas pró e contrários ao garimpo ilegal, a desestruturação do sistema de organização política dos indígenas, com a subjugação do poder tradicional pelo poder econômico, a falsificação de autorizações de caciques e associações para promover o ingresso de garimpeiros brancos na Terra Indígena, ameaças de morte aos indígenas contrários ao garimpo, e até a destruição e apropriação, por parte de garimpeiros brancos, de objetos arqueológicos do povo Munduruku”, diz o recurso.
Para o MPF, a paralisação das operações de fiscalização sem nenhuma razão jurídica demonstra que “a intenção da União, por meio de seus agentes políticos, não é coibir a prática da atividade ilegal e inconstitucional nas Terras Indígenas Munduruku e Sai-Cinza, mas se omitir intencionalmente, mesmo diante do reconhecido avanço do garimpo na região, tolerando as infrações ambientais e até as incentivando”.
Processo nº 1000962-53.2020.4.01.3908 – Justiça Federal em Itaituba (PA)
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