Karina Ninni | Agência FAPESP – As florestas secundárias desempenham papel importante na captura de carbono, pois tendem a assimilar uma quantidade maior desse elemento em comparação ao que perdem para a atmosfera.

Entretanto, a extensão e a idade média dessas matas que crescem por abandono de área no Brasil ainda eram desconhecidas. Não são mais. Em estudo recente publicado na Scientific Data, revista do grupo Nature, uma equipe liderada por dois cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) quantificou esses dados e descobriu que, em uma série histórica de 33 anos, o aumento de florestas secundárias compensou 12% das emissões por desmatamento da Amazônia.

O estudo teve apoio da FAPESP por meio de dois projetos. O primeiro projeto, coordenado por Luiz Eduardo Oliveira e Cruz de Aragão, teve início em 2019, e o segundo, que tem como coordenadora Luciana Vanni Gatti, começou em 2017.

“A capacidade de absorção de carbono da floresta secundária é conhecida por estudos de monitoramento de parcelas no campo. A taxa média de absorção líquida de carbono em regiões neotropicais é 11 vezes maior que a observada em florestas antigas. Mas há ainda muita falta de conhecimento acerca da dinâmica de longo prazo das florestas secundárias no Brasil e no mundo”, afirma Aragão, um dos autores do estudo, conduzido no Inpe durante o doutorado de Celso H. L Silva Júnior.

Esse conhecimento é fundamental para auxiliar o país a atingir suas metas de Contribuição Nacional (NDCs) previstas na Convenção-Quadro da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas, já que o Brasil se comprometeu a reflorestar, até 2030,12 milhões de hectares desmatados, ele sublinha.

Cálculo por biomas

O estudo quantificou a extensão de florestas secundárias de crescimento passivo no Brasil (as que se regeneram após abandono da área) e suas idades, por biomas. Segundo Aragão, o crescimento da floresta secundária não é linear e se dá em função da idade – daí a importância de estabelecer a idade das florestas para poder estimar seu potencial de captura de carbono.

Os dados apontam um total de 262.791 quilômetros quadrados (km2) de florestas secundárias recuperadas no Brasil entre 1986 e 2018, o que corresponde a 59% da área de florestas antigas desmatadas na Amazônia brasileira entre 1988 e 2019.

“Elas estão distribuídas pelo território, com menor proporção no Pantanal, bioma que contribuiu com 0,43% [1.120 km2] da área total mapeada. A maior proporção de florestas recuperadas, 56,61% [148.764 km2], foi observada na Amazônia. A Caatinga representa 2,32% [6.106 km2] da área de florestas secundárias no Brasil e tem as matas mais jovens: mais de 50% têm entre um e seis anos.”

A Mata Atlântica aparece em segundo lugar no ranking de extensão de áreas recuperadas, com 70,218 km2 (ou 26,72% do total) e tem as florestas secundárias mais antigas: acima da metade tem entre um e 12 anos de idade.

Quatro passos

O grupo implementou o método utilizado na plataforma Google Earth Engine (GEE) e partiu de uma série temporal de mapas do Projeto Brasileiro Anual de Mapeamento de Uso da Terra e Cobertura Terrestre (MapBiomas), que provê uma série com dados desde 1986. A equipe criou um conjunto de 131 mapas de referência para 33 anos de florestas secundárias no país divididos por bioma. O material está disponível nos links https://doi.org/10.5281/zenodo.3928660 e https://github.com/celsohlsj/gee_brazil_sv.

Primeiro, os cientistas excluíram as áreas alagadas. Depois, dividiram a metodologia em quatro passos. No primeiro, todas as bases do MapBiomas utilizadas (34 mapas) foram reclassificadas em mapas binários, nos quais os pixels identificados como “1” indicavam área florestada. O valor “0” foi atribuído a pixels correspondentes a outros usos e outros tipos de cobertura. Manguezais e florestas plantadas foram deixados de fora. Cada pixel corresponde a uma área de 30×30 metros.

No segundo passo, foi mensurado o aumento das florestas secundárias usando os mapas produzidos na etapa anterior, pixel a pixel. “Estabelecemos que as florestas secundárias ocorrem quando um pixel classificado como cobertura antrópica em um dado ano é substituído por um pixel que corresponde à cobertura florestal no ano seguinte”, resume Aragão.

Na terceira etapa, os cientistas geraram mais 33 mapas, desta vez da extensão anual das florestas secundárias. “Para produzir o mapa da extensão florestal secundária em 1987, somamos o mapa do incremento florestal secundário em 1986, obtido na etapa 2, com o mapa de incremento de 1987, resultando em um mapa contendo todos os pixels da floresta secundária de 1986 e 1987. Sabendo que a soma sequencial desses mapas resulta em pixels com valores superiores a ‘1’, para criar mapas binários anuais de extensão florestal secundária reclassificamos o mapa produzido para cada ano, atribuindo o peso de ‘1’ a pixels com valores entre 2 e 33 – o que corresponde à extensão florestal propriamente dita, ano a ano. Os pixels com valor ‘0’ não foram alterados.”

Por fim, restava calcular a idade das florestas secundárias. A equipe somou o mapa da extensão anual da floresta secundária de 1986 (obtido na etapa anterior) com o mapa de 1987 para obter a idade das florestas secundárias em 1987. “Continuamos essa soma ano a ano até obtermos o mapa de idade florestal secundária de 2018”, explica Aragão. Segundo ele, o próximo passo é estabelecer o crescimento dessas florestas secundárias como função da idade. “Já submetemos um artigo em que fazemos essa quantificação.”

Emissões

O cálculo do potencial líquido de captação de carbono por florestas secundárias em cada bioma brasileiro entre 1986 e 2018 foi feito por meio de uma abordagem pixel a pixel. Para isso, os cientistas estabeleceram que cada hectare de floresta secundária mapeada capta em média 3.05 MgCha−1 yr−1 (megagramas de carbono por hectare por ano), independentemente da idade, com exceção de florestas com mais de 20 anos, que foram consideradas com taxa nula de absorção de carbono.

O Pantanal teve a menor contribuição para a captação de carbono do Brasil, respondendo por 0,42% entre 1986 e 2018. O bioma Amazônia teve a maior contribuição, respondendo por 52,21% da captação florestal secundária brasileira. O estudo conclui que, no período entre 1988 e 2018, a absorção estimada por florestas secundárias no Brasil compensa 12% das emissões provenientes do desmatamento na Amazônia brasileira.

Para Aragão, entretanto, ainda é preciso modificar o modo de uso da terra, sobretudo na Amazônia. “Ao longo do tempo, percebe-se que a área de floresta secundária proporcionalmente à área desmatada não aumenta muito. Isso está relacionado à maneira pela qual as pessoas usam a terra, principalmente na Amazônia. Temos de modificá-la. Quando se desmata, perdem-se os outros benefícios das florestas naturais, que têm um papel indispensável no ciclo hidrológico e na manutenção da biodiversidade, muito maior que as secundárias. E também têm maior resiliência às mudanças climáticas.”

Com os novos dados, ele afirma, o país ganha capacidade de subsidiar decisões do Estado brasileiro sobre a diversidade e o planejamento de uso e proteção das florestas secundárias. “Elas não são protegidas e prestam um grande serviço. Geralmente, inclusive, são as que sofrem mais conversão no ciclo do uso da terra na Amazônia. Agora podemos identificar até que ponto elas deveriam ser protegidas.”

O artigo Benchmark maps of 33 years of secondary forest age for Brazil pode ser lido em www.nature.com/articles/s41597-020-00600-4.

PUBLICADO EM:   AGÊNCIA FAPESP