A Justiça Federal determinou uma reintegração de posse da estrada. Indígenas pedem apoio para combater a Covid-19 e os crimes ambientais nos territórios

(Foto cedida por Tommaso Protti) AMAZÔNIA REAL

Os indígenas Kayapó Mekrãgnoti, que representam 297 famílias de 12 aldeias localizadas nas Terras Indígenas Baú e Menkragnoti, no sudoeste do Pará, fazem um protesto desde segunda (17) com o fechamento da rodovia BR-163 (Cuiabá-Santarém), principal acesso para o escoamento de grãos para o Mato Grosso. No mesmo dia, a juíza federal Sandra Maria Correia da Silva, de Itaituba, concedeu uma liminar a favor da União e determinou que a Polícia Rodoviária Federal realize a desintrusão em 24 horas e acionou a Polícia Federal para auxiliar na reintegração de posse em até 48 horas.

Na tarde desta terça-feira (18), os indígenas receberam a notificação judicial e suspenderam o bloqueio por algumas horas. Na parte da noite retornaram com o protesto, que reúne mais de 170 Kayapó. Eles afirmam que se sentiram desrespeitados e enviaram um recado: vamos resistir.

Na liminar, a juíza Sandra Silva transformou o líder Doto Takak-Ire em réu. Ele, que é o relações públicas do Instituto Kabu, não foi ouvido pela magistrada, que cobra uma multa diária de R$ 10 mil caso o protesto persista. O bloqueio provoca um congestionamento de 3 quilômetros de veículos. Por toda a região é intensa a fumaça das queimadas.

Segundo carta divulgada pelos Kayapó, o motivo do protesto na rodovia BR 163 é a morosidade da Fundação Nacional do Índio (Funai) em repassar recursos da compensação ambiental, apoio para o enfrentamento da pandemia e ações para expulsar madeireiros e garimpeiros das duas terras indígenas. Mais 6 milhões de hectares dos territórios foram impactados pelo desmatamento ilegal causado por dois grandes grileiros, que foram presos por crimes ambientais e invasão dos territórios.

 “Nossas reivindicações são por melhorias à saúde indígena, contra as invasões de madeireiros, mineradores, garimpeiros. Também estamos lutando pela aprovação do Plano Básico Ambiental, que é o único que pode proteger e conservar a floresta e o rio”, afirma o indígena Doto Takak-Ire.

Os Kayapó estão preocupados com futuros impactos ambientais nos territórios Baú e Menkragnoti devido ao projeto da Ferrogrão. Embora o traçado da futura estrada de ferro passe a cerca de 50 quilômetros da comunidade Baú, mas eles não foram consultados. “Estamos lutando contra a implantação da ferrovia Ferrogão, porque não fizeram consulta prévia com representantes indígenas. Quando reuniram com a gente, assinaram uma ata, prometeram que iriam fazer consulta conosco, mas nunca nos consultaram. Entregaram os relatórios e estudos finai s apenas ao TCU. Isso causou indignação nas lideranças”, afirma o indígena Doto Takak-Ire, do Instituto Kabu.

A rodovia BR-163 começou a ser construída nos anos 1970 e todo o processo para a sua pavimentação foi marcado por uma série de danos socioambientais. Principal via de escoamento da produção de grãos do Centro-Oeste do País, a estrada foi sendo asfaltada conforme avançava a fronteira agrícola. Mas não só. Antes da chegada da soja, vieram o desmatamento ilegal, o garimpo de ouro no entorno e dentro das terras indígenas, a contaminação dos rios pelo mercúrio, o roubo de madeira, a especulação imobiliária e transmissão de doenças.

O fluxo ilegal de madeireiros e garimpeiros na região disseminou a pandemia do novo coronavírus nos territórios dos Kayapó. Mais de 400 indígenas das comunidades Baú e Menkragnoti já testaram positivo para a Covid-19 e quatro óbitos foram confirmados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), até a publicação desta reportagem.

Os Kayapó Mekrãgnoti denunciam a falta de testes rápidos para o novo coronavírus e de profissionais de saúde, incluindo barqueiro e motorista para transportar os indígenas doentes até o município de Novo Progresso, que, segundo eles, não possui leitos de UTI no hospital. Eles também alertam que a Casa de Saúde Indígena (Casai) é insalubre e não permite o atendimento de casos de média gravidade.

Para eles, a Casai precisa ser reformada, com contratação de pelo menos mais 10 profissionais de saúde, e melhorias de condições de saúde e higiene, como a construção de poços artesianos e postos de atendimento médico nas aldeias.

O chamado Plano Básico Ambiental (PBA) possui um componente indígena, executado há mais de dez anos pelo Instituto Kabu, que trabalha para mitigar os impactos causados pelo asfaltamento da BR-163. A cada cinco anos, o plano era renovado. Desde o início do ano, é aguardada a renovação, mas o governo de Jair Bolsonaro protela essa medida, provocando a asfixia financeira do Instituto Kabu. Isso tem prejudicado o desenvolvimento de diversas melhorias para as comunidades indígenas, como projetos de coleta de castanha e cumaru, plantação de frutíferas, venda de artesanato e construção de casas de farinha.

Sem os recursos, foram prejudicados ainda o monitoramento geoespacial, que inclui treinamento de indígenas na tecnologia utilizada, e as bases de vigilância no limite das terras e incursões por terra, barco e aéreas para monitorar roubo de madeira e garimpos ilegais. Segundo o Instituto Kabu, o Ibama não realiza operações nas duas terras indígenas desde 2018, e hoje há 20 dragas ilegais dentro da TI Baú. Há ainda a contaminação causada pelo garimpo Esperança 4, desativado pelo Ibama.

A palavra Mekrãgnoti significa “os homens com grandes pinturas vermelhas sobre o rosto” na língua falada pelos Kayapó, que pertence à família lingüística Jê, do tronco Macro-Jê. Leia mais aqui.

Os Kayapó Mekrãgnoti se consideram os guardiões do último grande maciço florestal da Amazônia Oriental. As terras indígenas Menkragnoti e Baú somam mais de 6 milhões de hectares de floresta no sul do Pará, onde o desmatamento ilegal tem grande incidência. Em agosto do ano passado, Novo Progresso, uma das cidades mais próximas do território indígena, ganhou as manchetes da imprensa mundial, ao ser palco do Dia do Fogo.

Na primeira quinzena de agosto, foram registrados 3.079 focos de calor em torno das TIs Baú e Menkragnoti, num raio de 100 quilômetros. Esse número representa 60% dos focos de 2019, quando aconteceu o Dia do Fogo em Novo Progresso. A previsão é que as atuais queimadas ultrapassem as do ano passado. Em 48 horas, Altamira e Novo Progresso, onde estão as TIs, foram os segundo e terceiro municípios com mais focos de queimadas na Amazônia, com 251 e 157 focos.

Em uma carta aberta para alertar a comunidade internacional, os Kayapó Mekrãgnoti exigem a renovação e continuidade do componente indígena do PBA, a liberação de recursos, a construção da Casa de Cultura Kayapo, a manutenção do ramal Kayapo (terra indígena Menkragnoti) e do ramal à terra indígena Baú; além da abertura do ramal Kayapó para as aldeias Krimej, Kawatum e Mekrãgnoti Velho e a pendência dos carros que foram cedidos ao Instituto Kabu pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).

O que diz a Sesai

Em nota, Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, por meio do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Rio Tapajós, disse que possui 40 profissionais de saúde para atender as aldeias do Polo Base Novo Progresso e a Casa de Saúde Indígena (Casai) e mais 14 profissionais estão sendo contratados para suprir o atendimento básico de saúde. “As equipes de saúde dão orientações para evitar a disseminação do novo coronavírus como a necessidade de permanência nas aldeias, evitar os centros urbanos e suspender festividades e aglomerações durante a pandemia causada pela Covid-19”.

A Sesai negou a falta de assistência ao povo Kayapó.
“Em nenhum momento os pacientes ficaram desassistidos. A remoção de pacientes para os hospitais ou a permanência destes nas aldeias é respeitada nas decisões pessoais e culturais dos indígenas. Com recurso federal, conforme Termo de Compromisso firmado entre o Instituto Kabu – organização indígena da etnia Kayapó Mekrãgnoti -, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) e a Prefeitura Municipal de Novo Progresso, foi construída a Casai de Novo Progresso, em 2011”.

Segundo  secretaria, a obra, no entanto, apresentou vários e graves problemas estruturais. “Foi ocupada pelo Dsei, em 2017, sem energia elétrica e água. O instituto providenciou a perfuração de um poço raso que desmoronou. Diante da necessidade de um local para apoio aos indígenas que vão à cidade para tratamento de saúde, o DSEI conseguiu o fornecimento de água e manutenção, além de uma equipe de monitoramento 24h no local”.

Sobre os testes rápidos para detectar o novo coronavírus, a Sesai afirma que foram enviados 1,6 mil kits para as UAPI e Casai de Novo Progresso. “Todos os pacientes com sintomas similares aos da Covid-19 realizaram o teste. Em parceria com a Universidade Federal do Pará (UFPA) e com o Hospital Regional do Baixo Amazonas, realizou mais de 300 testes Swab nasofaringe na população indígena local para detecção da Covid-19, na primeira quinzena de agosto, com o objetivo de intensificar as ações de prevenção da pandemia”.

Por: | 19/08/2020 às 00:49

PUBLICADO EM:    AMAZÔNIA REAL