Momentos Transcendentais no Rio Solimões
Parte V
O Retorno
Passada a euforia inicial da conclusão, com total êxito, do Projeto-Aventura Desafiando o Rio-Mar, retornei à faina de continuar informando os meus leitores de assuntos não só relativos ao projeto em si, mas de temas que envolvam a “Nossa Amazônia” ou a Soberania Brasileira.
Desafio Intelectual e Psicológico
É interessante verificar que as pessoas se impressionaram mais pela conquista de um desafio físico do que intelectual e psicológico. Longe de ser uma descida de caiaque pelo Solimões, o projeto visava conhecer as peculiaridades locais, observando e analisando a história, flora, fauna, hidrografia e povos da floresta. O uso de caiaques teve como objetivo, apenas, de baratear o custo da expedição, não utilizar combustíveis poluentes, não afugentar a fauna e facilitar o acesso aos locais mais remotos.
O esforço exigido diariamente, que causa espanto a tantos, foi minuciosamente planejado levando em conta a velocidade da correnteza, desempenho do caiaque, locais de parada e poderia ser alcançado por qualquer pessoa de mediana capacidade física. O mais importante, numa empreitada dessa natureza, não é o vigor físico, mas o preparo psicológico para que, sob quaisquer condições de navegação enfrentadas, se possa tomar a decisão adequada em tempo hábil e ainda, ao final do deslocamento, ser capaz de continuar com as atividades de pesquisa.
Como exemplo, cito o deslocamento de 108 quilômetros que realizei, sozinho, de Anamã a Manacapuru, das 05h15min às 14h15min – nove horas sem parar. Chegando à Cidade, após um banho revigorante, saí para contatar as autoridades políticas com intuito de obter seu apoio e, logo em seguida, iniciei meu périplo pela bela Cidade que durou até as nove horas da noite. O treinamento exaustivo no Guaíba tinha como objetivo somente isso, tornar-me capaz de cumprir a missão independentemente do percurso e do esforço realizado. A missão não era remar, mas interagir e aprender com a Selva, com o Rio e a População Ribeirinha.
Preparo Intelectual
Antes de iniciar a descida, no dia 1° de dezembro de 2008, eu havia lido tudo que encontrava sobre a região, da geografia à ecologia, do desenvolvimento sustentável à questão indígena, do folclore às lendas, de pesquisas sobre a fauna e flora à história, da antropologia à arqueologia dentre tantos outros temas afins. Busquei me informar através dos relatos históricos desde a epopeia de Francisco de Orellana (1541), e dezenas de outros tantos pesquisadores que desafiaram, estudaram e reportaram sua saga na hileia. Somente depois disso, achei que estava apto a capitanear o projeto sabendo exatamente o que deveria buscar em cada ponto e o que poderia encontrar. Não foi somente uma aventura, para cada dia de execução deste desafio foram gastos mais de 12 dias de estudos e treinamento.
Momentos Transcendentais no Rio Negro
Parte I
O Negro Caudal vem encantando desbravadores, naturalistas, pesquisadores, escritores e poetas desde que se teve notícia de sua existência, pelos “civilizados” há séculos. A cada um, este portentoso ente aquático impressionou de uma forma.
Alguns pela cor de suas águas, outros pela força de sua torrente, outros pelas características físico-químicas, outros pelas infindáveis e paradisíacas Ilhas, outros pelo colorido e formas exóticas de sua ictiofauna, outros ainda pela sua diversidade étnica e cultural…
A Singular Torrente
O Negro me envolveu no seu manto de mistério; a alvorada silente, diferente do Solimões, que mais parecia uma Ode à Natureza, torna-o, à primeira vista, um ser inerte, apático e sem vida. A beleza das paisagens contrastava com a ausência de sons. A calmaria do Alto Rio Negro e as belas Ilhas de pedra foram substituídas, à medida que progredíamos, pelas intermináveis praias de areias virgens, pelos banzeiros e fortes ventos de proa que dificultavam a progressão de minha equipe de apoio no seu precário “bongo”.
Diferente dos ventos sulistas, que acariciam a superfície das águas do irmão Guaíba, os banzeiros formam ondas que não obedecem a um padrão definido tentando jogar o casco do meu formidável “Cabo Horn” para todos os lados, e só consegui mantê-lo na rota graças ao formidável leme que possui. Diferente do Solimões, cujas águas podiam ser cortadas sem o uso deste implemento, aqui no Negro ele é de vital importância.
Margens Funestas
O efeito devastador das águas do Solimões sobre as margens, golpeando, destruindo, arrastando, reconstruindo, alterando continuamente seu traçado, aqui não se vê.
O Negro derruba os gigantes da floresta, mas eles permanecem aferrados aos barrancos de onde tombaram. São redesenhados, esculpidos pelas mãos do tempo e das águas.
No Baixo Rio Negro, as margens de tabatinga, golpeadas continuamente pelos banzeiros, formam formidáveis paredões verticais e as arenosas espraiam-se preguiçosamente. No Alto Rio Negro, as margens íngremes rochosas e as de terra mostram-se revestidas por uma interminável rede formada pelas radículas provenientes das bases das árvores, compondo uma densa e extensa franja.
Pobre Vegetação
As terras mais pobres não apresentam a estupenda variedade e portento da Bacia do Solimões e as águas carentes de nutrientes não revitalizam a várzea por ocasião das cheias. Talvez, por tudo isso haja uma diferença tão grande na capacidade de trabalhar dos nativos das mais variadas etnias do Alto Rio Negro em relação aos Tikunas do Alto Solimões. A compleição física indica uma carência alimentar ancestral que não conseguiu ser suprida até os dias de hoje, agravada, certamente, pela falta de aptidão para a agricultura e o secular vício da bebida.
Descendo o Rio Negro
Desde o primeiro dia de minha Expedição pelo Negro, eu comparava as paisagens atuais com as imagens pretéritas do Solimões. Impossível deixar de estabelecer comparações entre as características do primeiro com as do segundo. O foco inicial de minha atenção no Negro se voltou para o silêncio das matas ciliares. A alvorada no Solimões era uma verdadeira Ode à Vida e ao Sol, carregada de sons de pássaros de todos os matizes, acompanhada pelo soturno ronco gutural dos guaribas, possuía uma singular beleza que me arrebatava e me fazia mergulhar nos mistérios e belezas da natureza. O Negro, com suas Ilhas e praias de incomparável beleza mais parecia um grande e belo quadro de natureza morta. As matas de menor porte do Negro não tinham a diversidade, a opulência e os frutos das do Solimões que permitiriam que os pássaros a povoassem.
A torrente mais lenta causa um impacto bem menor nas margens que, por isso mesmo, guardam cicatrizes perpétuas dos gigantes da floresta tombados pelos temidos banzeiros. É interessante confrontar minhas impressões com a dos naturalistas do passado, por isso, transcrevo os relatos abaixo, lembrando, porém, que as observações de Spix se estenderam, apenas, até a Cidade de Barcelos e as de Agassiz até Pedreira (atualmente Moura).
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 03.08.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
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