Momentos Transcendentais no meu Sul
Lagoa da Fortaleza
Havia decidido iniciar minha rota contornando o perímetro da Lagoa da fortaleza, Cidreira (RS) remando há uns 50 metros da margem rumo Norte. Depois de remar por 15 minutos passou, a poucos metros sobre mim, uma enorme Garça Real, também conhecida como Garça Moura ou “Maguari ([1])”.
Diferente dos demais pássaros que se afastam repentinamente, quando se aproximavam do caiaque, ela não alterou seu curso e foi pousar tranquilamente dentro d’água próxima à margem de onde ficou me observando. Continuei minha jornada e fui surpreendido novamente, quando a “Maguari” passou desta vez pela proa do caiaque, virando sua cabeça, me observando-me, indo pousar logo adiante de onde permanecia me avaliando. A cena se repetiu diversas vezes e, em uma das oportunidades, ela pousou nas areias da praia de uma pequena enseada e de lá acompanhou, de modo a não me perder de vista, a passos largos, a minha movimentação.
Quando aportei, depois de remar uma hora, ela se afastou desaparecendo ao longe por trás das dunas imaculadas.
Fiz um tour pela área admirando a vegetação e identificando os vestígios de capivaras e ratões do banhado que ainda habitam a região protegidos, que são, pelos zelosos e conscientes fazendeiros locais.
Não esperava mais rever minha estranha amiga, mas, alguns minutos depois de iniciar meu retorno, a “Maguari” cruzou novamente pela proa do caiaque há uns 10 m de distância, pude identificar até a cor de seus olhos.
Ela continuou acompanhando-me até o sítio de onde iniciara seu périplo. O que era para ser mais um rotineiro dia de treinamento se transformou numa experiência mágica em que dois seres, tão distintos, tiveram seus destinos cruzados, ainda que momentaneamente, pelas mãos do Grande Arquiteto do Universo. Foi um dia muito especial. Guardarei com carinho a cor daqueles brilhantes olhos da amiga “Maguari” me fitando.
Laguna dos Patos
Acordamos às 05h30, arrumamos, ainda no escuro, nossas tralhas e partimos às 06h10. A ausência dos ventos proporcionou um momento mágico; no horizonte, as nuvens fundiam-se nas águas tranquilas da Laguna dos Patos amalgamando Céu e Terra permitindo-me vislumbrar, por um átimo, o diáfano Portal da “Terceira Margem”. Tive a nítida sensação de mergulhar o remo nas nuvens e deslizar silente rumo ao infinito. […]
Desembarcamos na ponta Sul do Capão e saímos a pé para apreciar e fotografar a vegetação nativa. Os troncos das enormes figueiras eram verdadeiros jardins suspensos, tomados por bromélias, orquídeas, fungos e liquens.
O passeio, pela diversificada vegetação emoldurada pelas dunas majestosas, era uma verdadeira ode ao espírito e aos sentidos humanos, descobrimos um espécime de orquídea em plena floração extemporânea, encantamo-nos com as longas barbas de bode ondulando ao vento, produzindo um maravilhoso efeito de animação nos gigantescos e estáticos troncos dos formidáveis monumentos arbóreos ao mesmo tempo em que impunham um ar fantasmagórico a um solitário ninho de João de Barro, experimentamos a textura dos exóticos fungos e liquens e fomos envolvidos pelo inebriante aroma das flores do funcho silvestre.
Lagoa Mirim
Repusemos as energias nos hidratando, comendo algumas barras de cereais e aproveitamos a parada para fotografar a vegetação eolicamente esculpida.
Algumas figueiras tinham tombado sucumbindo à ação solerte e contínua das águas e dos ventos, mas aferravam-se à vida moldando seus troncos, galhos e raízes à nova realidade, emprestando à paisagem mais do que um exemplo de determinação e vontade, mas de como se pode alterar o cenário de um funesto cataclismo em um templo de determinação e esperança.
Além dos monumentos arbóreos, as enormes bromélias e barbas de bode agitadas ao vento e outras tantas epífitas, empoleiradas nos seus galhos, emprestavam-lhes um encanto especial.
Por Hiram Reis e Silva (*), Bagé, 24.07.2020 – um Canoeiro eternamente em busca da Terceira Margem.
(*) Hiram Reis e Silva é Canoeiro, Coronel de Engenharia, Analista de Sistemas, Professor, Palestrante, Historiador, Escritor e Colunista;
- Campeão do II Circuito de Canoagem do Mato Grosso do Sul (1989)
- Ex-Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA);
- Ex-Pesquisador do Departamento de Educação e Cultura do Exército (DECEx);
- Ex-Presidente do Instituto dos Docentes do Magistério Militar – RS (IDMM – RS);
- Ex-Membro do 4° Grupamento de Engenharia do Comando Militar do Sul (CMS)
- Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS);
- Membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil – RS (AHIMTB – RS);
- Membro do Instituto de História e Tradições do Rio Grande do Sul (IHTRGS – RS);
- Membro da Academia de Letras do Estado de Rondônia (ACLER – RO)
- Membro da Academia Vilhenense de Letras (AVL – RO);
- Comendador da Academia Maçônica de Letras do Rio Grande do Sul (AMLERS)
- Colaborador Emérito da Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG).
- Colaborador Emérito da Liga de Defesa Nacional (LDN).
- E-mail: [email protected].
[1] Garça Maguari (Ardea cocoi): é a maior das garças brasileiras podendo atingir 1,80 de envergadura. Fora do período reprodutivo vive solitária, e mesmo nessa época, a maioria mantém-se isolada durante a alimentação. O voo, em linha reta, com o pescoço e as pernas totalmente esticados, é ritmado com lentas batidas de asas. Pousa nas margens dos rios, lagoas e banhados, oculta pela vegetação, onde captura peixes e anfíbios. Nidifica na parte superior das árvores mais altas e os ovos são chocados e cuidados pelo casal. A plumagem apresenta um contraste do branco do pescoço com o dorso acinzentado e as laterais escuras do ventre. Possui uma listra negra da parte inferior do pescoço, bem como no alto da cabeça. Ao redor dos olhos possui uma coloração azulada e o bico é amarelo. (Pantanal – Guia de Aves – Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, SESC)