As ações envolvem medidas sanitárias, tecnológicas e de saúde para a proteção dos indígenas. Como resultado, a aldeia Ipatse ainda se mantém como uma das poucas com casos de Civid19 sob controle.
Agência Museu Goeldi – Os Kuikuro são um povo com a maior população, que falam uma língua de tronco Carib e compõem um sistema com diversas etnias e variadas línguas, na porção sul do Território Indígena do Xingu. Em parceria com um coletivo de artistas e pesquisadores indígenas, brasileiros e estrangeiros, os Kuikuro se organizaram para montar uma estratégia e um plano de atuação contra a Covid-19. A ação emergencial conta com recursos de campanhas internacional e nacional.
A iniciativa se dá diante da grave situação da pandemia causada pelo novo coronavírus entre os povos indígenas no Brasil. Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), até o dia 07 de agosto foram confirmados 17.186 casos de Covid-19, com 559 falecimentos de indígenas. No total, são 122 povos indígenas atingidos pela doença.
No Xingu como um todo, de acordo com o Instituto Socioambiental (ISA), já foram confirmados 174 casos de infectados e 09 falecimentos. Reconhecido internacionalmente pela defesa dos direitos indígenas, o cacique Aritana Yawalapiti, liderança do Alto Xingu, faleceu no dia 05 de agosto, vítima da doença.
Aritana foi um articulador dos vários povos do Xingu, atuando nas lutas em defesa do território junto com outras lideranças indígenas. Ele idealizou e presidiu o Instituto de Pesquisa Etnoambiental do Xingu.
Combate à doença – Liderada pela Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu (AIKAX), o plano de combate à Covid-19 inclui a produção de material educativo em vídeo e texto na língua local (kuikuro) e em português, a construção de uma casa de isolamento para possíveis infectados na Aldeia Ipatse e a ampliação da Unidade Básica de Saúde, que atende a cerca de 600 indígenas de várias aldeias, com o acréscimo de suporte para a oxigenoterapia.
Também são realizadas ações voltadas à segurança alimentar, com a doação de alimentos e de combustível para os deslocamentos às roças e aos locais de pesca, a compra de medicamentos, materiais sanitários e equipamentos de proteção para a equipe de saúde e a população em geral, assim como a contratação de equipe médica permanente para a aldeia, entre outras. Essas medidas servem para reduzir a necessidade de deslocamento dos indígenas em relação às cidades vizinhas e a circulação de pessoas entre as aldeias.
Em parceria com pesquisadores, o plano também envolveu a criação de um sistema de um sistema de informações, que permite, com o uso de novas tecnologias, o monitoramento e o controle de casos da doença à distância por cientistas e profissionais de saúde.
A estratégia da associação indígena e seus parceiros tem funcionado, explica a arqueóloga Helena Pinto Lima, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e uma das participantes do coletivo de apoio aos Kuikuro.
“Todas as preparações e protocolos estabelecidos para situações de emergência e controle de disseminação permitiram o adiamento da chegada do vírus na aldeia, onde ainda há poucos casos confirmados”, relata a pesquisadora. Vindos do tratamento médico de uma cidade vizinha, os dois indígenas foram testados e devidamente isolados, de acordo com as orientações sanitárias, evitando a disseminação da doença na aldeia.
Indígenas e pesquisadores temem a rápida proliferação da doença, pois, com a precária assistência médica disponível nas áreas indígenas, os casos menos graves de Covid-19 tendem a afetar seriamente a vida das comunidades. A doença tem sido ainda mais perigosa para os idosos, que salvaguardam a cultura e as línguas tradicionais.
Como as medidas de prevenção foram tomadas antecipadamente, o vírus não se espalhou e a Aldeia Ipatse, área na qual vivem parte dos Kuikuro, permanece como uma das poucas com a situação sob controle. A ação emergencial recebeu fundos de duas campanhas internacionais, lideradas, de um lado, pela Fundação Pennywise e pelo Peoples’s Palace Project, e, do outro, pelo Fundo Casa Socioambiental, por meio de edital específico para o combate à Covid-19.
Pesquisa engajada- Helena acrescenta que o plano de combate à Covid-19 entre os Kuikuro surgiu como uma adaptação emergencial de um projeto científico nomeado como “Projeto Etnoarqueológico Kuikuro do Alto Xingu”, que dá continuidade às pesquisas realizadas por Michael Heckenberger desde os anos 1990. Heckenberger foi responsável por gerar uma imensa base de dados sobre a ocupação da área hoje conhecida como Território Indígena do Xingu.
“Estávamos organizando um Sítio Escola Intercultural de Arqueologia, com a participação de vários outros povos do Xingu, além dos Kuikuro, previsto para junho. Mas com a pandemia, reorganizamos e adaptamos todo o projeto para apoiar os Kuikuro. Na minha opinião, nós pesquisadores devemos ser academicamente criativos, culturalmente sensíveis e socialmente comprometidos”, ressalta a arqueóloga.
Tecnologia em defesa da vida – O projeto científico utiliza sistemas comunitários de mapeamento colaborativo por meio de aplicativos de celular. Através de apps, os próprios Kuikuro organizam as informações sobre o território a partir de sua importância cultural e usos, com base em experiências antigas e contemporâneas. O treinamento na aldeia e o gerenciamento remoto do sistema é de responsabilidade dos pesquisadores Wetherbee Dowshow e Bruno Moraes.
Mas, no final de fevereiro deste ano, com a ameaça decorrente do avanço rápido e a vulnerabilidade epidemiológica das populações indígenas em relação à Covid-19, a rede de pesquisadores de diversas instituições nacionais e internacionais se reuniu para apoiar os Kuikuro e outros grupos da Terra Indígena do Alto Xingu.
Bruno Moraes, que é colaborador da Unidade de Análises Espaciais do Museu Goeldi e responsável pela adaptação do sistema, explica que, como já havia um sistema de mapeamento implementado, foram realizadas alterações nos formulários, com ajustes para monitorar os deslocamentos feitos da aldeia até a cidade e entre aldeias. Por meio do novo sistema, é possível rastrear a entrada de pessoas e acompanhar os sintomas e sinais clínicos de pacientes com Síndrome Gripal e sua evolução diária, em tempo real.
Um painel on-line permite que esses dados sejam acompanhados remotamente pelos pesquisadores e pelas equipes de saúde responsáveis pelo atendimento, cuidados e tratamentos a serem adotados.
Rede – O projeto de combate ao Covid-19 é liderado pela Associação dos Kuikuiro mas parte de uma iniciativa mais ampla, que compreende pesquisadores de várias organizações como o Museu Goeldi, o Museu Nacional, a Universidade de Duke, a Universidade da Florida, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, a Universidade de São Paulo, o Earth Analytic Inc., o Instituto Puente e a Universidade de Pittsburgh.
Nomeado como Amazon Hope Collective, o grupo que o implementa surgiu em 2016, preocupado com a qualidade de vida em longo prazo da população Kuikuro e dos demais povos que habitam o Xingu.
Segundo as previsões, o cenário pós-pandemia para os indígenas do Alto Xingu é ameaçador. Como a terra indígena é rodeada de fazendas de soja e gado, aumentam os riscos de queimadas e de deterioração da qualidade do ar e da água.
A invasão sistemática do território por fazendeiros também preocupa, assim como os efeitos das mudanças climáticas, que têm deixado a região mais seca e, consequentemente, mais sujeita a incêndios florestais.
Diante dessas ameaças, o coletivo defende a criação de corredor ecológico que envolva os povos tradicionais ao longo de todo o curso do rio Xingu. Esse corredor implicaria em uma maior proteção dos territórios, na medida em que as populações indígenas poderiam dispor de ferramentas sofisticadas de apoio à autogestão de suas terras.
Apoio – É possível fortalecer o plano de combate à Covid-19, apoiando a Associação Indígena Kuikuro do Alto Xingu na compra de medicamentos, de aparelhos médicos e equipamentos de proteção, por meio de doações.
Email: [email protected] Telefone: +55 (66) 98412-0104. Dados bancários: Banco do Brasil CNPJ 05.645.856/0001-38 Ag 1319-6 CC 10.323-3
Texto: Brenda Taketa
PUBLICADO EM: MUSEU GOELDI
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