Estudo inédito revela que não foram seguidas as indicações da CGU e do TCU sobre a Amazônia
Um estudo inédito realizado pelo Observatório do TCU da Fundação Getúlio Vargas (FGV), pelo Imaflora e pelo WWF-Brasil revela a expressiva atuação do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU) em questões ambientais e demonstra que suas decisões não só produzem informações e recomendações relevantes, como também induzem mudanças na legislação e na administração pública. Para chegar a essa conclusão, um grupo de nove pesquisadores analisou um total de 363 acórdãos e relatórios de auditoria, entre os anos de 2000 a 2020, com foco nas atividades relativas ao Código Florestal (Lei Federal 12.651/12) e ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) (Lei Federal 9985/00).
“Essas são certamente duas políticas de extrema relevância para o desenvolvimento sustentável do país, ainda mais em um contexto de crise climática. Sua plena implementação, no entanto, vem encontrando alguns desafios. Nossa pesquisa indica que as instituições de controle podem ser importantes aliadas para superá-los”, comenta Rafael Giovanelli, Especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil.
De acordo com a FGV, responsável pelo mapeamento do TCU, o Tribunal fez recomendações estratégicas ao governo federal para aprimorar a gestão fundiária e conter o desmatamento na Amazônia. “Ao auditar a superintendência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em Rondônia, por exemplo, o TCU encontrou deficiências estruturais que minavam a capacidade do órgão de garantir a proteção da Floresta Nacional do Bom Futuro.
Para reverter a degradação ambiental decorrente desse quadro, recomendou ao governo que elaborasse planos periódicos de fiscalização, promovesse eventos para conscientização das comunidades vizinhas à Floresta e ampliasse o orçamento disponível para ações no local”, explica Daniel Wang, professor da FGV e coordenador da pesquisa. “O TCU também descobriu uma série de irregularidades nos processos de regularização fundiária rural nos estados da Amazônia Legal, determinando que o governo tomasse providências”, complementa Wang.
O Tribunal de Contas também foi responsável por alterações na legislação ambiental. “Em 2016, proibiu que grandes empreendedores cumprissem uma obrigação prevista na Lei 9.985/2000 por meio de depósitos financeiros ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o que levou à revisão do direito ambiental. O Poder Executivo emitiu uma medida provisória, posteriormente aprovada pelo Legislativo, para adequar a legislação às considerações do Tribunal”, detalha André Rosilho, coordenador do Observatório do TCU da FGV.
Controladoria Geral da União e participação popular
Segundo o Imaflora, responsável pelo mapeamento da CGU, houve um aumento expressivo da frequência de auditorias da Controladoria nos temas ambientais. “Entre 2003 (ano de criação da Controladoria) e 2010, a CGU não ultrapassou a faixa de 5 auditorias anuais que mencionam o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) e o Código Florestal. O número de auditorias começou a se elevar a partir de 2011, atingindo um pico em 2014, ano em que foram identificadas 29 auditorias que mencionam as políticas de interesse. A média anual de auditorias que mencionam o SNUC ou o Código Florestal saltou de 1,85 entre 2003 e 2010 para 17,75 entre 2011 e 2018”, explica Bruno Vello, Analista de Políticas Públicas do Imaflora.
O estudo da CGU também identificou uma mudança na lógica de definição de recomendações a partir da identificação de irregularidades. “Entre 2003 e 2011, era relativamente comum encontrar nas auditorias a identificação de irregularidades ou pontos de atenção sem recomendações. Das 24 auditorias que mencionam as políticas realizadas nesse período, 14 (58,3%) apontavam irregularidades sem, no entanto, trazer recomendações para saná-las. Entre 2012 e 2019 o cenário se altera. Das 163 auditorias do período, em apenas 21 (12,8%) foi possível constatar irregularidades não acompanhadas de recomendações. O aumento da frequência de resultados que incluem recomendações indica um maior grau de intervencionismo, ainda que circunscrito aos limites institucionais da CGU”, continua Vello.
Segundo os pesquisadores, embora os órgãos de controle externo e interno tenham crescido em função e poder, a participação da sociedade civil nos processos de decisão desses órgãos ainda é tímida quando comparada com outras instituições, como o Congresso Nacional ou o Supremo Tribunal Federal (STF).
“O TCU e a CGU parecem estar abertos ao diálogo com a sociedade, mas os resultados da nossa pesquisa indicam que é baixa a participação formal de organizações ambientalistas nos processos decisórios. Esperamos que esse estudo facilite esta aproximação, já que isso pode contribuir para a agenda do desenvolvimento sustentável, além de fortalecer a democracia”, afirma Rafael Giovanelli, do WWF-Brasil. “A atuação do TCU e da CGU pode ser decisiva para a eficiência da gestão ambiental e, por consequência, para a qualidade de vida das gerações presentes e futuras”, conclui o especialista.
A metodologia buscou classificar as intervenções dos dois órgãos de acordo com duas dimensões: o foco da atuação dos órgãos de controle (controlar diretamente algum aspecto dessas políticas ou abordar as políticas de forma apenas incidental ao tratar de outro problema) e o grau de intervenção (o nível de interferência dos órgãos de controle na política pública medido pelo tipo de comando emitido por eles em cada caso). “A pesquisa buscou compreender de que forma o TCU e a CGU controlam o sistema de Unidades de Conservação e o Código Florestal e, em última instância, contribuir para a compreensão do papel que essas instituições podem desempenhar nos processos de definição, revisão e implementação da política ambiental”, afirma Bruno Vello, do Imaflora.
PUBLICADO EM: JORNAL DA CIÊNCIA
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