N. dos E. – A Embrapa Territorial acaba de divulgar uma Nota Técnica de suma importância para o esclarecimento da sociedade em geral, sobre a situação ambiental real do bioma Amazônia. O documento intitula-se “Nota Técnica sobre queimadas, desmatamentos e imóveis rurais no bioma Amazônia em 2019”, e é de autoria do doutor em Ecologia Evaristo Eduardo de Miranda, chefe-geral da Embrapa Territorial, e dos analistas de geoprocessamento Paulo Roberto Rodrigues Martinho e Carlos Alberto de Carvalho. A sua leitura é fundamental para o combate à desinformação que envolve os assuntos amazônicos, pelo que a reproduzimos integralmente a seguir.

EMBRAPA

Em entrevista ao canal Notícias Agrícolas (24/07/2020), comentando sobre os dados demonstrados no levantamento, Evaristo de Miranda ressaltou que um elemento fundamental para o enfrentamento dos problemas ambientais na Amazônia é a regularização fundiária, igualmente demonizada pelos alarmistas do aparato ambientalista-indigenista internacional e grande parte da mídia. Segundo ele: “Com a regularização fundiária, poderemos titular a terra e identificar o responsável pela propriedade; com isso teremos condições de levar a ajuda do Estado à essa população, promovendo a inclusão deles na agricultura moderna e, em casos de desvios, responsabiliza-los. E, passo seguinte, conseguiríamos a regularização ambiental também naquela parte do País.”

Sobre as campanhas de desinformação promovidas pelo aparato, Miranda afirmou que “falta solidariedade” a agentes da sociedade que não se preocupam verdadeiramente com o destino dos agricultores pobres brasileiros.

Por conveniência editorial, as referências bibliográficas foram suprimidas desta edição; os interessados podem consultar o trabalho original, no sítio da Embrapa.

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Nota Técnica sobre queimadas, desmatamentos e imóveis rurais no bioma Amazônia em 2019

Evaristo Eduardo de Miranda, Paulo Roberto Rodrigues Martinho e Carlos Alberto de Carvalho*

A equipe da Embrapa Territorial analisa e qualifica territorialmente diversas informações sobre agropecuária, queimadas, desmatamentos e imóveis rurais na Amazônia. O objetivo principal dessa pesquisa foi qualificar e quantificar o uso e a ocupação das terras onde foram registrados focos de fogo. Pela primeira vez isso foi feito, em mais de 30 anos de monitoramento de queimadas. O trabalho foi realizado no Sistema de Inteligência Territorial Estratégico (SITE) do bioma Amazônia, em estruturação na Embrapa Territorial, por uma equipe que há décadas pesquisa as queimadas rurais. Com relação ao ano de 2019, foram cruzados, por geoprocessamento, os dados do sistema de referência de monitoramento de queimadas (satélite ACQUA MT – FIRMS/INPE), com os dados do Programa de Monitoramento do Desmatamento (Prodes/INPE), mais os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR/SFB), mais as coordenadas geográficas de cada um dos estabelecimentos agropecuários levantados pelo Censo Agropecuário de 2017 (IBGE). Os trabalhos buscaram responder cinco questões principais:

– Qual a dimensão do bioma Amazônia e do seu desmatamento?

– Quantos são os imóveis rurais cadastrados no bioma Amazônia?

– Qual é a dimensão das queimadas no bioma Amazônia?

– Que imóveis rurais praticaram queimadas no bioma Amazônia?

– O número de queimadas varia com o tamanho dos imóveis rurais?

1 – Qual a dimensão do bioma Amazônia e do seu desmatamento?

O bioma Amazônia, com 4.199.249 km2, recobre 49,3% do Brasil. É o maior de todos os biomas brasileiros. A diversidade de sua vegetação nativa é muito grande. São 22 tipos de formações florestais diferentes, além de uma dezena de vegetações campestres, não florestais e mistas. Sua parte florestal, com 3.794.857 km2, representa 90,4% do bioma Amazônia. Ela é monitorada anualmente, em termos de desmatamento por corte raso, há mais de 30 anos, pelo Programa Prodes do INPE. Desde os primeiros desmatamentos no século XVIII até os dias atuais (julho de 2019), a área total desmatada, cartografada pelo Programa Prodes do INPE, acumula uma superfície de 719.014 km2, equivalentes a 18,9% da parte florestal do bioma Amazônia e a 17,1% de sua extensão total.

2 – Quantos são os imóveis rurais cadastrados no bioma Amazônia?

Uma análise por geoprocessamento dos dados do Cadastro Ambiental Rural – CAR, realizada pela equipe da Embrapa Territorial, identificou 526.177 imóveis rurais situados no bioma Amazônia, em 2019. Eles ocupam uma área de 1.488.743 km2 ou 35,5% do bioma Amazônia. Isso não significa área explorada, mas apenas apropriada em termos fundiários. Grande parte ainda é recoberta por vegetação nativa, dada a exigência de 80% de Reserva Legal, prevista no Código Florestal Brasileiro. Desse total de imóveis rurais, uma outra análise por geoprocessamento realizada pela equipe da Embrapa, indicou que 510.107 ou 96,9% estão situados na parte monitorada pelo projeto Prodes do INPE, ou seja, em áreas originais de vegetação florestal. Tais imóveis ocupam um total de 1.448.669 km2, ou 34,5% do bioma Amazônia e 97,3% da área total de imóveis cadastrados (relembrando, novamente: estes totais não se referem a áreas desmatadas, mas, sim, a áreas apropriadas).

Do universo de imóveis, situados na área de monitoramento do Projeto Prodes, um novo tratamento dos dados permitiu ainda identificar e quantificar 489.808 imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área florestal já desmatada do bioma Amazônia, ou seja, de agropecuária consolidada há anos, dezenas de anos e até séculos, segundo a cartografia do Projeto Prodes.

Eles representam 93,1% do total de imóveis rurais do bioma Amazônia e ocupam uma área de 1.393.297 km2, correspondente a 93,6% da área total cadastrada no CAR no bioma e 33,2 % do bioma Amazônia.

Em simetria, existem 3,8% dos imóveis rurais do total existente na área de monitoramento do projeto Prodes, ocupados integralmente por florestas nativas ou onde as áreas exploradas ou desmatadas são tão pequenas que não foram detectadas no âmbito do programa Prodes.

Ainda por geoprocessamento, a equipe da Embrapa Territorial calculou e classificou por tamanho esse universo de imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área florestal da área já desmatada do bioma Amazônia.

Dos 489.808 imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área florestal já desmatada do bioma Amazônia, 442.619 são de pequenos agricultores, com menos de quatro módulos fiscais. Eles representam 90,4% do total.

Os médios produtores, entre 5 e 15 módulos fiscais, totalizam 30.244 imóveis rurais e 6,2% do total. Os grandes produtores, com mais de quinze módulos fiscais, reúnem 16.945 imóveis rurais e representam 3,5% do total.

Existem imóveis rurais ainda não cadastrados no CAR no bioma Amazônia. Ainda assim, a base de dados geocodificados dos imóveis rurais do CAR é muito representativa da dimensão territorial do mundo rural no bioma Amazônia, sobretudo quando conjugada espacialmente aos dados dos estabelecimentos agropecuários do Censo do IBGE 2017.

Em resumo, 90% dos imóveis rurais cadastrados no CAR no bioma Amazônia são de pequenos agricultores, proporção análoga à dos estabelecimentos agropecuários do Censo 2017 do IBGE.

3 – Qual é a dimensão das queimadas no bioma Amazônia?

Os pontos de calor, fogos ativos ou queimadas em todo o Brasil são detectados diariamente na passagem vespertina do satélite AQUA M-T no âmbito do sistema orbital de referência do Programa LANCE-FIRMS12 da NASA, com dados disponibilizados pelo INPE.

A análise por geoprocessamento desse banco de dados, cruzado com os resultados cartográficos sobre o bioma Amazônia e os imóveis cadastrados no CAR pela equipe da Embrapa Territorial, obteve informações inéditas sobre a repartição territorial das queimadas na região.

Os procedimentos de geoprocessamento com o banco de dados do satélite AQUA M-T 13 quantificaram 89.178 queimadas na área correspondente ao recorte total do bioma Amazônia, ao longo de 2019.

Um outro tratamento digital dos dados, apenas nas áreas monitoradas pelo programa Prodes do INPE, totalizou 84.632 queimadas em 2019. Isso corresponde a 94,9% das queimadas registradas no período na área total do bioma Amazônia.

Finalmente, um novo tratamento geocodificado dos dados realizado pela equipe da Embrapa Territorial identificou todos os focos ou pontos de queimadas situados em polígonos de todas as áreas mapeadas como desmatadas pelo programa Prodes do INPE até julho de 2019. Foram identificadas 76.016 queimadas nas áreas de desmatamento acumulado no bioma Amazônia (ou seja, nas áreas de atividades agropecuárias consolidadas há anos, dezenas de anos e até há séculos). Esse número corresponde a 89,8% das queimadas ocorridas em 2019 na área original florestal do bioma Amazônia.

Ou seja, arredondando, 90% das queimadas detectadas em 2019 ocorreram em locais já desmatados e estão associadas ao uso do fogo na agropecuária por produtores pouco tecnificados.

4 – Que imóveis rurais praticaram queimadas no bioma Amazônia?

Um pesado tratamento geocodificado dos dados confrontou cada uma dessas 76.016 queimadas detectadas ao longo de 2019 com cada um dos 489.808 imóveis rurais situados, total ou parcialmente, na área já desmatada do bioma Amazônia (agropecuária consolidada).

O tratamento por geoprocessamento da localização de cada uma das 76.016 queimadas identificou sua ocorrência nos perímetros de apenas 24.292 imóveis rurais ou em 5% dos 489.808 imóveis rurais existentes em áreas já desmatadas.

Ou seja, 95% dos imóveis rurais situados nas áreas consolidadas de agropecuária no bioma Amazônia não fizeram o uso do fogo em suas práticas produtivas, em 2019.

5 – O número de queimadas varia com o tamanho dos imóveis rurais?

Em média ocorreram 2,1 queimadas por imóvel rural ao longo do ano de 2019, nesse conjunto de 5% de imóveis rurais que fizeram uso do fogo na atividade agropecuária.

Dos 24.292 imóveis rurais onde ocorreram queimadas em 2019, situados nas áreas de desmatamento consolidado ao longo do tempo no bioma Amazônia, foram calculadas suas áreas e dimensões respectivas, comparando-as aos valores dos módulos fiscais em cada município.

Em termos de tamanho, 14.696 são pequenos agricultores com menos de quatro módulos fiscais (60,5%); 4.370 são produtores médios situados entre 5 e 15 módulos fiscais (18,0%) e 5.226 são grandes produtores com áreas superiores a 15 módulos fiscais (21,5%).

Ou seja, no âmbito dos 14.696 imóveis rurais de pequenos agricultores, onde foram registradas queimadas, ocorreu um total de 15.835 queimadas ou seja 1,1 por imóvel. No caso dos 4.370 médios produtores, com registros de queimadas no interior dos seus imóveis, foram identificadas 8.209 queimadas ou 1,9 por imóvel. Finalmente, no caso dos 5.226 grandes produtores, com registros de queimadas no interior dos seus imóveis, foram 25.773 queimadas ou 4,9 por imóvel rural.

De forma simplificada, em 2019, ocorreu uma queimada em cada imóvel rural de pequeno agricultor, duas nos dos médios produtores e cinco nos dos grandes produtores considerados. Também de forma simples e proporcional, os pequenos produtores realizaram uma queimada por km2; os médios, uma queimada em cada 3,6 km2 e os grandes, uma queimada a cada 24,2 km2.

Para todas as situações de uso do fogo na agropecuária existem tecnologias e técnicas alternativas para suprimir o seu emprego. A modernização da agricultura com adoção de inovações tecnológicas e a capitalização dos produtores têm sido os principais vetores para a redução das queimadas. A queima da palha como preparo para a colheita manual foi totalmente eliminada com a introdução da mecanização e de novas máquinas adequadas a colheita da cana crua, sem queimada. Só em São Paulo, mais de 5,5 milhões de hectares de cana de açúcar deixaram de queimar anualmente. Com a modernização da agropecuária, processos análogos ocorreram nas regiões sul do Maranhão e oeste da Bahia, por exemplo.

Mas a disseminação de tecnologias adequadas para eliminar o uso do fogo na agropecuária tem custo alto e depende do acesso dos agricultores à extensão rural e ao crédito. No bioma Amazônia, para cerca de um milhão de produtores lá instalados, o primeiro passo para tal mudança é a regularização fundiária, sem a qual eles não têm, nem terão, acesso a políticas públicas.

* Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em Ecologia e chefe geral da Embrapa Territorial; Paulo Roberto Rodrigues Martinho é mestre em Agricultura Tropical e Subtropical e analista de geoprocessamento da Embrapa Territorial; Carlos Alberto de Carvalho é mestre em Ciência da Computação e analista de TI e geoprocessamento da Embrapa Territorial.

PUBLICADO EM:  MSIA INFORMA     in Ambientalismo 7 de agosto de 2020

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