Documento ressalta “altos índices de violência”, espancamentos e assassinatos de trabalhadores de mineração na região de Arco Minero del Orinoco; testemunhas relataram casos de “punições, tiros na mão e corpos sendo jogados em valas”; ONU diz que autoridades venezuelanas têm que intervir imediatamente.

Foto: ONU/ Jean-Marc Ferré
Comitê de Direitos Humanos, em Genebra, publicou relatório sobre violações

A alta comissária de Direitos Humanos da ONU divulgou um relatório sobre uma região da Venezuela que mantém trabalhadores de minas sob violência e exploração.

No documento, Michelle Bachelet diz que pessoas na região do Arco Minero del Orinoco estão sendo submetidas a “altos níveis de violência” de grupos armados conhecidos como “sindicatos”. Os criminosos controlam as várias operações das mineradoras.

Severas punições

O relatório, apresentado nesta quarta-feira, ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, revela que esses grupos “decidem quem entra e sai da área e impõem regras e severas punições a quem não obedece às ordens”. Eles também controlam os lucros da mineração e praticam extorsões alegando proteção.

Segundo as informações, esses grupos conseguem se manter, de forma ilegal, nas minas por causa da corrupção e propinas que incluem o pagamento a comandantes militares na Venezuela.

Com a crise econômica no país, o movimento interno de migrantes tem aumentado nas áreas de mineração. Por causa do desemprego, muitos venezuelanos passaram ao setor informal para sustentar as famílias.

Jornada de 12 horas

Os mineiros trabalham 12 horas sem aparelhos de proteção e descendo por minas profundas. O arranjo obriga o trabalhador a pagar de 10% a 20% do salário aos grupos criminosos. Um outro percentual, que varia de 15% a 30%, tem de ser entregue ao dono do moinho, onde as pedras são quebradas para extrair ouro e outros minerais.

As mulheres também trabalham nas minas e outras áreas do ramo. Várias profissionais entrevistadas para o relatório da ONU contaram que desde 2016 têm aumentado os casos de prostituição, exploração sexual e tráfico de seres humanos no local, incluindo de adolescentes. O Alto Comissariado de Direitos Humanos foi informado que crianças de até 9 anos trabalham nas minas.

Valas

Os mineiros que não seguem as regras impostas pelos criminosos sofrem violações como espancamentos, tiros na mão e houve até casos de trabalhadores tendo as mãos cortadas ou sendo assassinados, e os corpos abandonados em valas perto de minas desativadas.

Segundo o relatório, a violência ocorre pelo controle das minas. Ao todo, foram identificadas 16 disputas nos últimos quatro anos, que resultaram em 149 mortes. Há alegações de que forças de segurança estariam envolvidas em alguns desses casos.

A alta comissária de Direitos Humanos da ONU afirmou que apesar de esforços e da presença militar na região, as autoridades falharam na investigação e punição dessas violações cometidas nas áreas de mineração.

Trabalho infantil e tráfico humano

Michelle Bachelet disse que as autoridades venezuelanas deveriam ter tomado medidas urgentes para acabar com a exploração sexual e o trabalho infantil, além do tráfico de seres humanos.

Para ela, a polícia da Venezuela deveria ter desmantelado as quadrilhas que controlam as atividades de mineração na região. Bachelet disse que é preciso investigar, processar e punir os responsáveis.

As condições de vida no local são ultrajantes. Faltam água, eletricidade e saneamento. As águas paradas levam a criadouros de mosquitos e a doenças. Por isso, aumentou o número de casos de malária que afetam não só os trabalhadores, mas também as populações indígenas.

Mercúrio

Ambos os grupos foram gravemente atingidos por contaminação com mercúrio, que é usado para separar o ouro de outros minerais. A fumaça tóxica gerada nesse processo é inalada pelos mineiros e pelos moradores da área. A contaminação com mercúrio também acaba nos rios tornando-se um grave problema para o meio ambiente. As atividades ilegais de mineração são uma ameaça também à biodiversidade.

O relatório da ONU observa a deterioração do sistema judiciário na Venezuela que tem sido minado pela insegurança nos mandatos de juízes e promotores. A falta de transparência no processo de indicação, as condições precárias de trabalho e a interferência política na justiça são alguns dos problemas.

Supremo Tribunal

As decisões do Supremo Tribunal relacionadas à Assembleia Nacional, que é controlada pela oposição, têm causado crescente preocupação sobre a natureza política de veredictos da justiça.

Esta é uma situação que afeta a capacidade do Judiciário de agir, de forma independente, para proteger os direitos humanos e combater a impunidade.

Existe uma falta de prestação de contas na apuração de assassinatos ocorridos em protestos e em operações de segurança assim como alegações de tortura e de violência de gênero. Mesmo assim, o Escritório do Procurador Geral da República tem se esforçado para investigar alegações de violações dos direitos humanos.

Michelle Bachelet pediu ao governo da Venezuela que tome as medidas necessárias e conclua as reformas da justiça para garantir a independência e a imparcialidade do Judiciário.

Vítimas e familiares

Ela disse que a Venezuela deve suspender o uso de justiça militar para julgar civis, e acatar suas obrigações de investigar qualquer alegação de tortura ou maus tratos.

A chefe de direitos humanos da ONU pediu ainda o fim imediato de todos os atos de intimidação, ameaças e represálias dos membros das forças de segurança a familiares de vítimas de crimes de direitos humanos na Venezuela.

Bachelet lembrou que as vítimas e os parentes têm o direito à verdade, à justiça e à reparação sem assédio e sem se tornarem vítimas, novamente, daqueles que deveriam protegê-los como a polícia e as forças de segurança.

15 julho 2020 –   Direitos humanos
PUBLICADO EM:   ONU NAÇÕES UNIDAS