A Organização Geral dos Mayuruna (OGM) e a Organización del Pueblo Matsés, duas organizações do povo Matses no Brasil e no Peru, divulgaram uma carta exigindo medidas preventivas e de combate para enfrentar a doença do novo coronavírus, Covid-19, em seu território que abrange a Terra Indígena Vale do Javari no Brasil e territórios no Peru.

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“Os rios Javari e Jaquirana são limites naturais dos países Peru e Brasil, aqui nós povo indígena Matsés (Mayuruna) vivemos desde sempre neste território, para nós “não existem fronteiras”. Compartilhamos este extenso território com povos indígenas isolados que se mantêm distantes do resto da sociedade”, diz o documento.

As organizações do povo Matsés pedem que as autoridades brasileiras e peruanas dialoguem e se articulem, através dos órgãos responsáveis pela implementação de políticas públicas no Brasil e no Peru para a realização de ações transfronteiriças.

Dentre as medidas, os Matsés pedem a prevenção, atendimento e contenção do vírus nas aldeias Matses no Peru e no Brasil, a instalação de barreiras sanitárias em locais estratégicos e a adoção de medidas urgentes para a proteção das áreas de aceso e a territórios com povos indígenas isolados e de recente contato.

Confira a íntegra do texto:

REIVINDICAÇÃO DO POVO MATSES PARA AS AUTORIDADES DO PERU E BRASIL SOBRE A PREVENÇÃO E COMBATE DA COVID 19

Povo Indígena Matses, Atalaia do Norte-Amazonas/Brasil, 29 de Junho de 2020
Comunidad indígena Matsés, Yaquerana, Loreto/Peru, 29 de Junho de 2020

Nós, lideranças indígenas Matses habitantes ancestrais deste território que abrange a Terra Indígena Vale do Javari – Brasil e a Comunidad Nativa Matsés – Perú, a Reserva Nacional Matsés, o Parque Nacional Sierra del Divisor – Peru, ao longo da bacia do Jaquirana, Médio Javari e Médio Curuçá, a Provincia de Requena – Peru e o Distrito de Yaquerana – Peru, ao longo da bacia do Yaquerana e bajo Ucayali, viemos através das nossas organizações representativas a Organização Geral dos Mayuruna – OGM e a Organización del Pueblo Matsés nos dirigir as autoridades Brasileiras e Peruanas para EXIGIR medidas preventivas e/ou de combate para enfrentar a COVID 19 em nosso território.

Os rios Javari e Jaquirana são limites naturais dos países Peru e Brasil, aqui nós povo indígena Matses (Mayuruna) vivemos desde sempre neste território, para nós “não existem fronteiras”. Compartilhamos este extenso território com povos indígenas isolados que se mantêm distantes do resto da sociedade. Eles evitam ser identificados e fogem do contato com outros.

Nós povo Matses habitamos na T.I. Vale do Javari nas calhas do rio Médio Javari na aldeia Lago Grande, no Médio Curuçá as aldeias Flores, Lar Feliz, Nova Esperança, Terrinha e Fruta Pão e no rio Jaquirana as aldeias Lobo, Trinta e Um, São Meireles, Soles e Cruzerinho, sendo o povo mais numeroso desta terra indígena, somando mais de dois mil Matses. No Peru, o povo Matses alcança aproximadamente 4.000 indígenas que habita a Comunidad Nativa Matses conformada por 15 aldeias localizadas nos rios Jaquirana, Chobayacu e Gálvez. Nosso povo se estende até Angamos, capital do Distrito de Jaquirana, e em Requena capital da província que tem o mesmo nome, no departamento de Loreto.

Nossas estratégias de sobrevivência para nos proteger de algumas doenças estão na floresta – mananuc e em nossos saberes tradicionais – chás, rapé – nënë, uso de folhas. Porém, as epidemias como a malária, filária, dengue e doenças como gripe, hepatites, diabetes e DST (Doenças sexualmente transmissíveis) dos “chotac” (não indígenas) se alastram em nossas aldeias e já levaram muitas vidas, principalmente dos anciãos, mulheres e crianças. Apesar da longa luta do Movimento Indígena Matses para ter aceso a saúde diferenciada nos dois países, ainda não é suficiente para um atendimento de qualidade e adequado às necessidades.

Embora, as vacinas e tratamentos médicos recebidos, permitiram criar resistência imunológica, ainda somos suscetíveis as doenças que traz o chotac. Por outra parte, os povos isolados e de recente contato são altamente vulneráveis as doenças infecciosas, pois seu sistema imunológico não é suficientemente resistente às enfermidades externas.

Por este motivo, nos preocupa a disseminação da COVID 19 em nosso território. A assistência à saúde do Governo Peruano é de abandono, o que representa uma grande ameaça à vida dos povos da região. Segundo o boletim epidemiológico de DIRESA (Coordenação Regional de Saúde/Peru) para COVID 19 existem mais de 242 casos positivos confirmados no Distrito Fronteiriço do Javari. Em relação do Distrito de Jaquirana (Peru), segundo os dados fornecidos pelo “Centros de Salud del poblado de Angamos” existem 8 pessoas com COVID 19 que testaram positivo. Segundo o Boletim Epidemiológico do Distrito de Saúde Especial Indígena DSEI/VJ/BRASIL, os casos confirmados chegam à 72 (até a data desta nota). Alguns parentes Matses da aldeia Lago Grande (Brasil, T.I/VJ) trataram a COVID 19 com chás caseiros e não receberam assistência adequada. Inclusive enquanto os Matses se encontravam com suspeita de COVID 19 (apresentando os sintomas) não houve assistência de profissionais da saúde na aldeia.

O governo peruano tem emitido decretos dirigidos a reativar a economia do país, quando a pandemia ainda não está controlada. Por outra parte, os brasileiros vindos de municípios próximos como Atalaia do Norte, Benjamin Constant e Tabatinga frequentam esta região para pescar, caçar e extrair madeira, muitas vezes entram em território indígena, tornando esta atividade ilegal. A falta de controle, vigilância e monitoramento da região poderia ser uma via de contaminação nas aldeias indígenas em ambos lados da fronteira, através do comércio, extrativismo, transporte fluvial e aéreo de passageiros, entre outras atividades econômicas.

Esta carta pretende fazer um chamado às autoridades, para evitar que o vírus se propague assim como aconteceu no Médio Javari com os povos Tüküna (Kanamary) e Matses (Mayoruna), estes últimos dos dois lados da fronteira. O aceso a saúde, território e consulta prévia são direitos conquistados e estabelecidos através dos órgãos internacionais como o caso da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e esperamos que os Estados possam atender com eficácia e compromisso a crise sanitária que enfrentamos que é inédita no mundo.

Desta forma EXIGIMOS que as autoridades BRASILEIRAS e PERUANAS dialoguem e se articulem, através da Fundação Nacional do Índio (FUNAI-BRASIL), Distrito de Saúde Especial Indígena (SESAI – BRASIL), Prefeitura de Atalaia do Norte (BRASIL), Primeiro Pelotão Especial de Fronteiras de Palmeira do Javari (BRASIL), Municipalidad Distrital de Yaquerana, Gerencia Subregional de Yaquerana, Governo Regional de Loreto, Coordenação Regional de Saúde de Loreto, Presidência do Conselho de Ministros, Ministério da Saúde, Ministério de Cultura e Ministério de Defensa, para a REALIZAÇÃO DE AÇÕES TRANSFRONTEIRIÇAS:

AOS GOVERNOS BRASILEIRO E PERUANO

1. Prevenção, atendimento e contenção do vírus nas aldeias Matses no Peru e no Brasil;

2. Vigilância, monitoramento e fiscalização da região por via fluvial, por parte de polícias ou Exército do lado Peruano e Brasileiro, com ações coordenadas entre as autoridades locais e com o envolvimento do movimento Indígena Matses;

3. Proibir o trânsito e a reativação econômica (transporte, comércio, extrativistas da região, entre outros) nos Distritos Javari e Jaquirana/Peru e na área rural dos municípios próximos pela parte brasileira, até que o vírus esteja controlado;

4. Monitoramento epidemiológico dos serviços de saúde no Peru e no Brasil, estabelecendo um diálogo coordenado entre as autoridades de governo e o movimento indígena;

5. Instalação de barreiras sanitárias em locais estratégicos, em diálogo e articulação com órgãos competentes do lado Peruano e Brasileiro e o Movimento Indígena Matses;

6. Adotar medidas URGENTES pelo lado Peruano e Brasileiro para a proteção das áreas de aceso e a territórios com povos indígenas isolados ou de recente contato no alto Jaquirana, alto Gálvez, Alto Chobayacu, alto Blanco, Alto Tapiche e Yavari Mirim e seus afluentes;

7. Que se garantam Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), insumos e materiais clínico-hospitalares tanto para os profissionais da saúde quanto para os pacientes que realizem tratamento para a COVID 19 nas aldeias, com o objetivo de evitar remoções para a capital ou municípios próximos, pela parte Peruana e Brasileira;

8. Transparência das autoridades responsáveis pelas informações e boletins específicos sobre os casos de contaminação para COVID 19, quanto para T.I Vale do Javari (Brasil) e a Colônia de Angamos (Peru). Destaca-se que a Recomendação 05/2020 do MPF de Tabatinga/Brasil (PR-TAB-AM-00003201/2020) requer a divulgação de relatórios específicos que considerem povo e aldeia;

9. Aplicação de teste para COVID 19 para a população que apresente sintomas do vírus, pelo lado Peruano e Brasileiro;

10. Produzir e difundir material na língua Matses sobre COVID 19 (protocolos de prevenção, atendimento, remoção de pacientes, entre outros);

AO GOVERNO PERUANO

11. Implementar o Plano de Saúde para os povos Indígenas frente a COVID 19 (aprovado por M 308-2020-SA, no dia 21 de mayo de 2020) no âmbito do povo Matses (comunidad nativa Matsés e seus 15 anexos, e povoados de Angamos e Requena);

12. Implementar de forma URGENTE unidades de saúde nas localidades de Angamos, Buenas Lomas Nueva pela parte do Peru, que considere profissionais da saúde qualificados, medicamentos, equipamentos clínico-hospitalares (oxigênio, oxímetros, EPIs) e instrumentos de biossegurança;

13. Capacitação URGENTE para os profissionais da saúde e agentes de saúde que realizam atendimento na Unidade de Saúde de Angamos, Buenas Lomas Nueva e na “Comunidad Nativa Matsés”/Peru, para a prevenção, atendimento, tratamento e administração dos medicamentos de combate a COVID 19;

14. Registro da variável Indígena nas fichas de atendimento para pacientes com COVID 19 nos postos de saúde do lado Peruano, como o objetivo de conhecer o impacto do vírus nos povos indígenas na fronteira e que Governo Peruano adote as
medidas necessárias nossa vida e saúde;

15. Implementação de regras e guias técnicas de saúde para a prevenção, atendimento e mitigação dos impactos na saúde que poderiam afetar os povos indígenas isolados e de recente contato pela parte Peruana;

16. Facilitar o deslocamento de medicamentos, balões de oxigênio e insumo de biosegurança, gestionados pelo povo Matses, pelas organizações indígenas e outras organizações da sociedade civil da Coorperação Internacional, aos estabelecimentos de saúde de Angamos e à Comunidad Nativa Matses, frente ao desabastecimento destes;

17. Atender com URGÊNCIA as demandas da população Matses que se encontra na cidade de Iquitos e Lima há 100 dias, desde que foi declarado Emergência Sanitária;

18. Adquirir e instalar uma planta de oxigênio medicinal na localidade de Angamos, devido as distancias e limitações geográficas de aceso à cidade de Iquitos;

19. Respeitar as decisões das lideranças Matses de fechar o aceso aos territórios ou limitar a presença de pessoas externas, exercendo seu direito à organização e a autonomia para a prevenção da proliferação da COVID 19;

20. Garantir o abastecimento de alimentos e outros insumos de primeira necessidade na localidade de Angamos, considerando todos os protocolos necessários para evitar o ingresso do vírus no distrito, através desta atividade;

AO GOVERNO BRASILEIRO

21. Que funcionários e profissionais da SESAI/BRASIL e os pacientes indígenas recuperados, realizem a quarentena no lugar preparado no rio QUIXITO/T.I Vale do Javari;

22. Que SESAI/BRASIL informe ao Movimento Indígena, principalmente aos Matses/BRASIL, sobre equipamento clinico hospitalar, materiais, remédios e outros que cheguem no polo Base de Jaquirana/Brasil e nas farmácias.

Esperamos que o Governo de Peru e Brasil atendam as nossas exigências e que frente as medidas adotadas, o Movimento Indígena tenha participação na toma de decisões.

Assinam o documento os representantes do povo Matses

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