Reflorestamento tem de ser acompanhado de planejamento e ações integradas com a sociedade, advertem pesquisadores em artigo na Science

Plantio de árvores nativas para a recuperação de uma mata ciliar em Extrema, Minas Gerais. Crédito: arquivo pessoal do pesquisador

O plantio de árvores tem sido promovido globalmente como panaceia para solução de problemas ambientais complexos como mudanças climáticas e extinção de espécies. Em artigo publicado na revista Science, o professor Pedro H. S. Brancalion, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP, em Piracicaba, adverte que “é preciso planejar estratégias de controle e degradação florestal, equilibrando objetivos sociais, ecológicos  e econômicos, além de promover a articulação entre governo, empresas e comunidade científica para se obter resultados positivos”.

O texto Tree planting is not a simple solutionpublicado na Science, tem como autores Brancalion e  a pesquisadora Karen Holl, da Universidade da Califórnia (EUA). Trata-se de um artigo de perspectiva ou artigo opinativo, que geralmente é escrito por especialistas renomados da área de pesquisa em questão e que apresenta uma síntese do conhecimento existente sobre o tema, identifica lacunas de conhecimento e aponta caminhos futuros para a pesquisa.

Embora não desmereça as iniciativas de plantios de árvores, as quais considera bem-vindas e podem ajudar a gerar benefícios para a natureza e sociedade, o engenheiro agrônomo aponta que “não se pode ter uma visão romanceada da questão e achar que somente plantando árvores irá se resolver questões complexas”, afirma Brancalion ao Jornal da USP.

Engenheiro agrônomo Pedro H.S. Brancalion, do Departamento de Ciências Florestais, da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (Esalq) da USP Crédito: arquivo pessoal

Engenheiro agrônomo Pedro H. S. Brancalion, do Departamento de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP – Crédito: arquivo pessoal

O artigo faz ressalva também às organizações e aos fóruns mundiais que apregoam o reflorestamento como ação isolada, sem considerar peculiaridades e necessidades regionais. Cita como exemplo o plano anunciado pelo Fórum Econômico Mundial de 2020, realizado em janeiro em Davos, na Suíça, que teve como uma de suas propostas o plantio e proteção de um trilhão de árvores pelo planeta. O encontro, que reuniu lideranças de vários países, deu relevância às mudanças climáticas e políticas ambientais. Um dos discursos marcantes foi o da jovem ativista Greta Thunberg, que tratou dos riscos advindos da poluição e da atenção aos alertas da ciência sobre esse assunto.

Segundo o pesquisador, é preciso envolvimento social e integração de ocupação e outros usos do solo. No Brasil, existem diversos exemplos em que mudas de árvores foram plantadas e não foram para frente, porque estavam em áreas tradicionalmente usadas para pastagens e foram reocupadas pelo gado pouco tempo após o plantio.

Como contraponto, e exemplo positivo, o professor cita o trabalho que vem sendo desenvolvido há alguns anos na Mata Atlântica do Brasil. As ações do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (PRMA), criado em 2009, buscam dialogar com  os diversos atores da sociedade,  a fim de obter bons resultados e benefícios sociais e econômicos para todos por meio da recuperação florestal. O Pacto tem sido um modelo de sucesso copiado em todo o mundo, diz o engenheiro que  é também vice-coordenador do PRMA.

Mudanças climáticas

Brancalion rebate inclusive que o simples plantio de novas árvores impacte as mudanças climáticas.  “O reflorestamento pode compensar, no melhor dos cenários, apenas em um terço das emissões de gases de efeito estufa”, diz o professor ao Jornal da USP.  Em sua opinião, é preciso ações interligadas de áreas diferentes e a intensificação da fiscalização ambiental para proteção das florestas já existentes, o que poderia ser mais efetivo em alguns contextos para reduzir a emissão de gases de efeito estufa.

Sobre o aspecto da biodiversidade, o pesquisador diz que o assunto exige parcimônia, porque dependendo de onde forem plantadas, as novas árvores poderão provocar, inclusive, danos ao meio ambiente, como é o caso dos campos e dos cerrados. “Quando árvores são inseridas nesses ecossistemas, o sombreamento poderá levar à morte de várias espécies de ervas nativas, algumas inclusive ameaçadas de extinção”, explica.

Sobre a região amazônica, Brancalion diz que é uma área de muitas complexidades, exigindo, assim, planejamento igualmente complexo. São inúmeros os interesses sociais, econômicos e ecológicos envolvidos de uso do solo e da mata, e que de alguma forma estes vieses precisam ser colocados à mesa para discussão e definição de ações, para não agravar ainda mais os conflitos ali existentes. São as demarcações de terras indígenas, regularização fundiária de grandes áreas de produtores rurais (de soja, por exemplo), pastagens, invasão de terras por grileiros e exploração de madeireiros e garimpeiros.

Para a região amazônica, o pesquisador entende que seja preciso reconstruir as políticas de conservação ambiental brasileiras para coibir o desmatamento e a degradação ambiental, leis que, na visão do engenheiro, sofreram duros golpes na atual gestão federal. Como exemplos, cita o afrouxamento de leis de redução de multas por crimes ambientais e o sucateamento de órgãos de preservação e fiscalização ambiental, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio).

O artigo Tree planting is not a simple solution pode ser lido no site da Science.

Mais informações: e-mail [email protected],com Pedro Brancalion

PUBLICADO EM:  JORNAL DA USP