Numerosas barragens se encontram em diferentes estágios de planejamento na Amazônia. Os planos mais polêmicos costumam ser negados até chegar um momento político favorável. Umas das grandes questões neste sentido é o destino do rio Xingu acima da hidrelétrica de Belo Monte. Os 11.000 MW de capacidade instalada na casa de força principal de Belo Monte não são justificáveis sem barragens rio acima para armazenar a água para tornar esse conjunto de turbinas durante pelo menos parte da época da vazante no rio Xingu.
Originalmente, cinco barragens eram planejadas a montante de Belo Monte, grande parte delas em áreas indígenas. A maior e mais provável de ser construída é Babaquara/Altamira, com um lago de 6.140 km2 de área, o dobro de Balbina ou Tucuruí, a ser localizada, principalmente, em terras Kaiapó. Essa usina foi originalmente planejada para entrar em operação sete anos após Belo Monte. O nome da barragem foi oficialmente alterado de “Babaquara” para “Altamira”, mas é mais conhecida pelo nome original. Em 2013, a então Presidente Dilma Rousseff (PT) anunciou uma mudança na preferência do governo, priorizando barragens com “grandes reservatórios”, e não mais barragens a fio d’água como Belo Monte. Essa prioridade tem sido confirmada por governos subsequentes. O rio Xingu acima de Belo Monte é o local mais evidente, com planos para barragens com “grandes reservatórios”.
Na bacia do rio Tapajós os planos elevaria o total de barragens com pelo menos 30 MW de capacidade instalada para 43, e com diversos impactos sobre os povos tradicionais. Uma barragem planejada com uma história de negação similar à de Babaquara/Altamira é a hidrelétrica de Chacorão, a qual inundaria 11,7 mil hectares na terra indígena Munduruku. Essa hidrelétrica fez parte dos planos originais para desenvolvimento do rio Tapajós, mas depois sumiu, de repente, dos planos anunciados na área energética. No entanto, na área de transportes, a hidrovia do Tapajós, que precisaria de eclusas nessa barragem, continua de pé.
No rio Tapajós, a barragem planejada de São Luiz do Tapajós eliminaria todas as aldeias na área indígena Sawré Muybu. A demarcação e homologação dessa área Munduruku tem sido sucessivamente bloqueada devido aos planos para a barragem. O fato que a barragem eliminaria o local sagrado onde o grande ancestral dos Munduruku criou o rio Tapajós, a partir de quatro caroços de tucumã é especialmente sentido pelo grupo. O EIA/RIMA da barragem nem considera a perda de locais sagrados como um “impacto”.
Junto com a barragem de São Luiz do Tapajós, a barragem de Jatobá, planejada para ser construída logo a montante da primeira, inundariam a área ribeirinha Montanha e Mangabal. Esta é a única área ribeirinha a ser declarada oficialmente como “tradicional” por decisão judicial, com base no fato de que algumas das famílias entrevistadas por pesquisadores franceses no século 19 ainda estão lá.
A barragem de Marabá, planejada no rio Trombetas logo acima do reservatório de Tucuruí, deslocaria uma população enorme de ribeirinhos, com estimativas variando de 10 a 40 mil pessoas. Esta barragem figura entre as prioridades para construção em um futuro próximo.
A barragem de Cotingo, em Roraima, seria construída inteiramente dentro de uma terra indígena. Este fato tem esfriado o andamento dos planos para esta barragem, mas esta consideração pode perder influência num futuro próximo devido à proposta do atual governo para permitir barragens em terras indígenas sem a necessidade do consentimento dos habitantes das áreas.
Uma hidrelétrica de 2.000 MW no rio Trombetas, que é uma versão, em maior escala, da hidrelétrica planejada Cachoeira Porteira, representa o carro chefe do Projeto Barão do Rio Branco, anunciado como investimento de primeira prioridade do Presidente Jair Bolsonaro. O reservatório inundaria terras quilombolas extensas e afetaria áreas indígenas vizinhas. O projeto também prevê uma estrada ligando o rio Amazonas com a fronteira do Suriname, cortando terras indígenas e quilombolas, além de unidades de conservação.
Várias barragens brasileiras planejadas no Peru e Bolívia também afetariam a migrações de peixes, assim como a descida das larvas recém-eclodidas e o transporte de nutrientes que servem de base da cadeia alimentar das populações de peixes, inclusive no Brasil. A diminuição de nutrientes pelas barragens planejadas no sopé dos Andes afetaria a pesca ao longo de todo o rio Madeira, rio Solimões e rio Amazonas.[1]
Por: Philip Martin Fearnside | 21/07/2020 às 15:22
Nota
[1] Esta série provém de uma contribuição do autor a um diagnóstico sobre contribuições dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais à biodiversidade no Brasil e as políticas públicas que as afetam, organizado por Manuela Carneiro da Cunha, Sônia Maria Simões Barbosa Magalhães Santos e Cristina Adams para a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Leis os outros artigos da série:
Hidrelétricas e povos tradicionais: 1 – Resumo da série
Hidrelétricas e povos tradicionais: 2 – Barragens já existentes
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
PUBLICADO EM: AMAZÔNIA REAL
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