A situação de vulnerabilidade dos indígenas e povos originários tem se agravado com a pandemia de Covid-19. Irmã Laura Vicuña Pereira, catequista franciscana de origem indígena Kariri e que integra a Conferência Eclesial da Amazônia, acredita que a força das experiências ancestrais até hoje pode ajudar a potencializar a ação do organismo para “ser voz profética contra os projetos de morte que pesam sobre a Amazônia”. A própria sinodalidade da região, “da periferia que fala ao centro”, pode ser “uma luz para as Igrejas do mundo todo”.

Irmã Laura Vicuña Pereira quando foi auditora no Sínodo – Foto: Vatican News

A Irmã Laura Vicuña Pereira, catequista franciscana de origem indígena Kariri, mora hoje em Porto Velho, Rondônia, depois que os pais tiveram que migrar do nordeste para a Amazônia na déc. 60. A experiência de aldeia, então, foi sendo adquirida com a dedicação da missionária na vida religiosa e junto ao trabalho realizado no Cimi, o Conselho Indigenista Missionário.

Com nomeação pontifícia, ela representa os povos indígenas junto ao Conselho Pós-sinodal do Sínodo Amazônico que tem a tarefa de aplicar as indicações da Assembleia dos Bispos realizada no ano passado. Atualmente, faz o mesmo papel junto à recém-criada Conferência Eclesial da Amazônia que continua o caminho sinodal:

“O que nós temos aqui é uma Conferência Eclesial da Amazônia, uma conferência que congrega, que une, que articula as Igrejas na Amazônia para cada qual não ficar tomando decisões isoladas com relação aos encaminhamentos do Sínodo, mas pra gente ter uma ação, como fala o próprio Papa Francisco desde o início do seu papado, na questão da sinodalidade: que a gente possa realmente caminhar juntos e formar esse rosto da Igreja na Amazônia.” 

O avanço da sinodalidade a partir da Amazônia

Dos 5 anos que viveu na Amazônia peruana, a religiosa brasileira trouxe a experiência de uma Igreja com expressão “totalmente laical”. Irmã Laura conta que, no Vicariato de Puerto Maldonado, os leigos “assumem as frentes das comunidades para que a fé não morra” por lá. Esse é um exemplo da vivência da sinodalidade, explica a religiosa, que também se insere no contexto amazônico brasileiro que precisa “construir processos locais a partir da realidade”:

“A Conferência, com esse objetivo também da sinodalidade, pode potencializar essas experiências que já existem na Amazônia, tanto peruana, quanto brasileira, como nos demais países. Como a gente vem de uma tradição aqui na Amazônia, em que a gente não tem às vezes o padre, a religiosa, mas a gente tem pessoas, líderes, que levam adiante toda a ação evangelizadora da Igreja. Potencializar isso que já existe e, claro, ampliar dentro de um chamado a ser Igreja samaritana, em saída, serva, mas, sobretudo, uma Igreja Madalena, que anuncia o Ressuscitado, que é capaz de, nas situações de morte, ter uma ação profética para que a vida possa existir. Eu vejo assim essa sinodalidade: vamos potencializar essas experiências e articular mais essas ações entre as Igrejas na Amazônia. Claro, a gente não tem uma luz para colocar em baixo da mesa. Uma luz, quando ela começa irradiar, ela começa iluminar várias outras realidades. Quem sabe, a Amazônia não será essa luz para as Igrejas do mundo todo. A periferia fala ao centro, a periferia expressa uma possibilidade de bem viver a partir da proposta dos povos originários e amazônicos.”

A inspiração, a esperança, o Papa Francisco

A Conferência Eclesial da Amazônia, assim, se apresenta como uma grande novidade para a Igreja por reunir, além de bispos e cardeais, a vida consagrada, os leigos e, sobretudo, os representantes dos povos originários. O organismo para promover a sinodalidade entre as Igrejas da região é também uma resposta ao Papa Francisco, uma referência mundial em defesa da Amazônia:

“A gente vê que, em nível mundial, a gente tem o Papa Francisco como um líder no sentido genuíno da palavra, daquele que traz uma voz de esperança, mas sem deixar de fazer a denúncia de todo esse modelo que produz a morte. Quando na festa do Espírito Santo, quando ele se referia à Amazônia que precisava cuidar da vida dos povos da Amazônia e que a vida está acima da economia, é uma grande voz em defesa dos povos que estão aqui. Ele cumpre aquilo que foi pedido para ele lá em Puerto Maldonado, que a Igreja possa fazer ouvir a nossa voz, que a Igreja defenda a nossa vida. E ele levou isso muito a sério pela sua disponibilidade e pela sua trajetória de vida em defesa dos menos favorecidos, em defesa dos pobres.”

A pandemia precisa ser resistência

Atualmente, a situação de vulnerabilidade dos indígenas e povos originários da Amazônia se agravou diante da pandemia da Covid-19 e do descaso das políticas públicas, acrescenta a religiosa, apesar, inclusive, de praticar o isolamento social dentro dos territórios e de suspender a prática dos rituais por causa das normas sanitárias. Mesmo assim, Ir. Laura motiva a resistir e a superar mais esta provação:

“Os povos originários, os povos amazônicos, têm uma sabedoria milenar, ancestral, que pode responder e contribuir nessa grande crise planetária que a gente vive. Porque os povos originários têm uma vivência com a mãe Terra que ultrapassa qualquer projeto econômico. No Sínodo, a Igreja na Amazônia assumiu ser aliada dos povos originários e amazônicos. Essa aliança é de compromisso na defesa da vida, da terra e dos direitos. A Conferência Eclesial da Amazônia vem interligar essas diversas experiências ancestrais, mas também vem ser uma voz profética contra todos esses projetos de morte que pesam sobre a Amazônia, sobretudo neste momento que a gente vive agora. Iniciamos o verão amazônico, as queimadas já ultrapassam a média de outros anos e a gente vive uma pandemia que ataca justamente todo o sistema respiratório. A gente precisa gritar para o mundo todo, a gente precisa da ajuda de todo mundo para que a gente possa realmente defender a Amazônia, defender os povos que aqui vivem.”

Andressa Collet, Pe. Luis Miguel Modino – Vatican News