O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato – Opi, vem a público externar imensa preocupação com o teor da Decisão proferida pelo Ministro Presidente do Superior Tribunal de Justiça – STJ, no dia 09 de junho de 2020, que em sede de pedido de Suspensão de Liminar formulado pela União, e interposto nos autos originários da Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal – MPF em litisconsórcio com a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari – UNIVAJA, altera os termos da Decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1, publicada no dia 21 de maio de 2020, a qual afastava o missionário Ricardo Dias Lopes da chefia da Coordenação-Geral de índios Isolados e de Recente contato da Funai.
O referido julgamento causa aflição, porque susta a eficácia de decisão do TRF1, proferida pelo desembargador Souza Prudente, cujo conteúdo estava alinhado aos Direitos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato, os quais estão assentados no texto constitucional e nos principais tratados internacionais de Direitos Humanos.
A ocupação de Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato (CGIIRC) por pessoa com frequente vínculo com atividades evangelizadoras proselitistas extremistas representa risco ao Direito à Autodeterminação dos povos indígenas, positivado no artigo 231, caput, da Constituição Federal de 1988.
Por essa razão a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari, – UNIVAJA por meio de seu advogado Eliésio Marubo, interpôs na noite de ontem agravo interno requerendo reforma da Suspensão de Liminar para que Dias Lopes seja impedido de exercer as funções de coordenador na Coordenação de Índios Isolados da Fundação Nacional do Índio – FUNAI. Além disso, a UNIVAJA demonstra que houve violação do princípio constitucional da impessoalidade quando o Regimento Interno da Funai foi alterado três dias antes da nomeação de Dias Lopes para permitir que pessoa de fora dos quadros da Fundação ocupasse o cargo em comento. Ressaltou a UNIVAJA que o cargo requer especialidade técnica e acadêmica com povos indígenas isolados e de recente contato, o que Dias Lopes não possui e, ainda, destacou trecho de artigo escrito por Dias Lopes no ano de 2019, em parceria com o pastor evangélico Gilson Ricardo da Silva, secretário executivo da Missão Evangélica aos Índios do Brasil (MEIB), no qual defende-se que a antropologia deve ser integrada a atividade missionária para a melhor prática da evangelização de indígenas.
Cabe recordar de a extensa reportagem publicada pelo jornal “O GLOBO”[1], no dia 22/04/2020, que investiga a atuação de Ricardo Dias Lopes a frente de projetos missionários com o intuito de “alcançar os não alcançados” pelo evangelho. A matéria revela diversas incoerências em torno da sua nomeação para a CGIIRC da Funai, dentre as quais: i) envolvimento continuado com a prática missionária; os registros divulgados pela matéria jornalística apontam a atuação do religioso e de sua esposa em atividades voltadas ao treinamento de jovens missionários para atuação junto a essas populações; ii) indicação ao cargo realizada pela Missão Novas Tribos Brasil, hipótese confirmada em áudio publicado pelo The Intercept, no qual Edward Luz Filho, vice-presidente da MNTB, comemora a escolha de Dias Lopes para a função; iii) proximidade de Dias Lopes com 3 (três) religiosos estrangeiros que ingressaram, no curso de uma pandemia, sem autorização em áreas indígenas com a presença de isolados. O caso envolvia um plano destes missionários em contactar povos em isolamento. Neste momento, Dias Lopes já ocupava o cargo na Funai e não tomou qualquer posição visando coibir o ingresso de terceiros nessas áreas; e iv) omissão de Dias Lopes diante da crise de Coronavírus, bem como o enfraquecimento, na sua gestão, de medidas voltadas à saúde indígena.
Neste sentido, a decisão proferida pelo Presidente do STJ parece-nos desconectada da preocupante realidade que enfrentam os povos em isolamento e de recente contato no Brasil, especialmente diante de fatos novos, como a pandemia de COVID19 e a desenfreada intrusão de pessoas ligadas a atividades ilegais (mineração, desmatamento e grilagem de terras) nos seus respectivos territórios, tornando-se agentes vetores de diversas doenças a esses povos. Para além dos argumentos fáticos, que estão disponíveis em larga escala nos jornais, há cartas denúncias de associações indígenas e notas de repúdio de diversos atores da sociedade civil, nas quais podem ser levantadas justificativas de ordem normativa e histórica.
Pelos motivos listados, reiteramos a urgência e a necessidade de modificação da recente Decisão proferida pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça. Frisamos que a escolha de Dias Lopes sinaliza graves retrocessos em matéria de direitos humanos, dessas populações e revela um evidente conflito de interesses com a missão institucional da Funai.
A questão exige urgência na análise em virtude da vulnerabilidade a que estão sujeitos estes indígenas, razão pela qual esperamos que o STJ respeite o § 3, art. 4° da Lei n. 8.437 de 30 de junho de 1992 e leve o agravo a julgamento na próxima sessão, conferindo ao tema a urgência que exige e o respeito à legalidade.
[1] Para mais detalhes, conferir a reportagem no seguinte link: https://oglobo.globo.com/brasil/coordenador-de-indios-isolados-da-funai-omite-atuacao-em-projeto-missionario-de-evangelizacao-24385866
FONTE: POVOS ISOLADOS – OPI Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato
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