Os fósseis, que revelaram uma paisagem surpreendente para a região do Xingu, onde hoje se encontra a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, estão abrigados no Museu Paraense Emílio Goeldi.

Acervo COCTE: Acervo paleontológico da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém – PA).

Agência Museu Goeldi – Um mar raso banhava a região onde hoje se encontra a Bacia do Amazonas há aproximadamente 410 milhões de anos. Essa informação, contida em fósseis de conchinhas dos gêneros Gigadiscina e Orbiculoidea, foi revelada em uma pesquisa de mestrado recente, de autoria de Luiz Felipe Aquino Corrêa, sob a orientação da pesquisadora Maria Inês Feijó Ramos, do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).

Provenientes do município de Vitória do Xingu, no qual o material foi coletado, os fósseis sustentam a hipótese de que o mar cobria, provavelmente, diversos municípios hoje localizados no estado do Pará, incluindo a região onde foi construída a Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte.

A presença desses fósseis proporcionaram informações mais específicas sobre como era o ambiente naquela época em Belo Monte. Nós já sabíamos que lá tinha ocorrido uma transgressão que levou à instalação de um mar, mas nós não tínhamos muitas informações sobre como era esse mar”, conta Luiz Felipe, que é geólogo de formação e cursou o mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Geologia e Geoquímica, onde seguiu na área da Paleontologia.

Esses fósseis são exclusivamente de um ambiente marinho raso, então agora sabemos que as profundidades onde eles habitavam em Belo Monte eram menores que 30 metros. Com relação à temperatura também, pois eles são fósseis característicos de climas temperados, então sabemos que na região o mar não era tão frio nem tão quente”, prossegue o pesquisador.

Acervo COCTE: Acervo paleontológico da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém – PA).

Braquiópodes, as conchinhas feitas de partes irregulares 

As conchinhas fossilizadas que foram investigadas no trabalho, iniciado em maio de 2018, são exemplares de braquiópodes, tipo de macroinvertebrados marinhos encontrados pelas praias e áreas litorâneas. Elas foram coletadas por uma empresa especializada, entre julho de 2011 e outubro de 2015, durante o cumprimento das exigências legais associadas ao licenciamento para a construção da UHE Belo Monte, na região do Xingu.

            “Quando andamos pelas praias e vemos aquelas conchinhas, entre essas conchinhas podem ter exemplares dos braquiópodes. Eles têm muitas semelhanças com alguns moluscos, mas os moluscos são mais diversos, numerosos e, por isso, mais conhecidos”, explica o pesquisador.

Segundo ele conta, esses invertebrados se diferenciam por pelo menos um fator: os moluscos têm as duas valvas, que correspondem a cada uma das partes articuladas da concha, iguais tanto no tamanho quanto na ornamentação e no contorno, enquanto nos braquiópodes essas valvas são morfologicamente diferentes. “E essas diferenças variam especificamente em cada gênero, família e espécie”, sintetiza.

Além disso, internamente, alguns braquiópodes se fixam por um tipo de haste, chamado de pedúnculo, principalmente os que possuem as duas valvas sem articulação.

Cada período geológico, que envolve dezenas de milhões de anos, possui espécies características e as identificadas por Luiz Felipe são características do período Devoniano, surgidas cerca de 410 milhões de anos atrás, ainda na Era Paleozoica.

Os fósseis invertebrados marinhos identificados por ele correspondem a dois gêneros de braquiópodes pertencentes à Família Discinidae: os Gigadiscina e Orbiculoidea.

            “O gênero Gigadiscina ficou com sua classificação em aberto (Gigadiscina? sp.) enquanto três espécies de Orbiculoidea foram identificadas: Orbiculoidea baini, Orbiculoidea bodenbenderi e Orbiculoidea excentrica, além de outras duas espécies deste gênero que encontram-se em fase de identificação”, relata o paleontólogo em um artigo que se encontra em fase de elaboração, em parceria com a orientadora Maria Inês Feijó, que é ligada à Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Goeldi.

De acordo com ele, esses são os primeiros registros dessas espécies e do gênero Gigadiscina em estratos do período Devoniano na Bacia do Amazonas, sendo também as primeiras ocorrências para o Norte do Brasil.

 “Esse é um ponto chave, acho que foi onde elevou o nível da nossa pesquisa. Quando identificamos essas espécies aqui na Bacia do Amazonas, nós vimos que as mesmas eram mais antigas que o registro na Bacia do Paraná. Então, vamos dizer, as nossas amostras são de aproximadamente 410 milhões de anos atrás e mais antigas que as da bacia do Paraná. Então, quando chegamos na identificação desses exemplares, nós já sabíamos que essas espécies eram inéditas, que ainda não tinham sido registradas aqui no Norte do Brasil. Foi então que começamos a pesquisar o por que de essas ocorrências serem mais antigas aqui que as de lá”, aponta.

Acervo COCTE: Acervo paleontológico da Coordenação de Ciências da Terra e Ecologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (Belém – PA).

Melhor entendimento da evolução dos organismos na América do Sul  

A explicação para a ocorrência desses gêneros e espécies na Bacia do Amazonas e na América do Sul de modo geral envolve uma era de longuíssima duração.

Por volta de 430 milhões de anos atrás, o Gondwana, um paleocontinente no qual a América do Sul estava então inserida, ficava muito próximo de onde hoje encontramos o Polo Sul. Era de um frio extremo o clima em toda a região, que envolvia, além do Polo Sul, várias partes da África, Arábia, Índia, Leste da Antártida e Oeste da Austrália.

“O gênero Orbiculoidea encontrado apenas no paelocontinente Laurásia, onde estavam inseridas, principalmente, na América do Norte, parte da Europa e parte da Ásia. Esse paelocontinente estava mais próximo da linha do Equador, então as condições ali eram de um clima mais próximo de quente, mais temperado, sem um frio extremo, onde se adequava a tais condiçõesdetalha Luiz Felipe.

Com o passar do tempo e as mudanças nas placas continentais, continua o estudioso, o paleocontinente Gondwana foi se deslocando das altas em direção às baixas latitudes, aproximando-se assim do continente Laurásia e ficando com temperaturas mais quentes.

O que aconteceu então: a Bacia do Amazonas geograficamente estava mais próxima de Laurásia, o mar já estava estabelecido na região e o clima era menos severo, por isso que esses braquiópodes, provavelmente, migraram primeiro para a Bacia do Amazonas. Depois, enquanto o paleocontinente continuou se movendo em direção às baixas latitudes, houve a instalação do mar no Paraná, quando já se tinha um clima menos severo. Isso justificaria o fato deles surgirem posteriormente na Bacia do Paraná”, completa.

Amazônia – Por conta da geografia atual, a exposição das rochas e o acesso aos registros paleontológicos contidos nelas ainda são considerados difíceis na Amazônia.

No caso das amostras analisadas por Luiz Felipe, grande parte da área em que elas foram coletadas foi alagada com a construção da UHE Belo Monte. Por conta da lei, no entanto, dois desses sítios geológicos e paleontológicos foram preservados.

O material coletado na Região do Xingu pela empresa especializada fica sob a guarda do Museu Goeldi.

Acredito que, de modo geral, faltam mais investigações e coletas fossilíferas em toda região amazônica, já que a bacia demonstra um grande potencial, mas pouco explorado e estudado. São poucos também os registros quando comparamos com a Bacia do Parnaíba e a Bacia do Paraná, onde há muitos registros fósseis porque lá houveram muito mais expedições e as rochas estão mais expostas, o que facilita o desenvolvimento de pesquisas”, contextualiza o paleontólogo.

Texto: Brenda Taketa

Imagens: Luiz Felipe Corrêa

PUBLICADO EM:    MUSEU GOELDI