Órgãos responsáveis não fiscalizam, e coordenador da Funai chegou a apoiar manifestações de grupos de garimpeiros ilegais, registra a ação

Máquina de garimpo devastando TI Cinza. Marcos Amend/Greenpeace

Máquina de garimpo devastando TI Cinza. Marcos Amend/Greenpeace

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação nesta terça-feira (16) pedindo que os órgãos responsáveis voltem a ser obrigados a combater a mineração ilegal em terras indígenas do sudoeste do Pará.

Em decorrência de ação ajuizada pelo MPF na Justiça Federal em 2018, houve acordo para a realização de fiscalização, mas as instituições se limitaram a realizar uma única operação, e de lá pra cá a situação só piorou, alertam procuradores da República.

Em 2019 foi desmatada área equivalente a 2 mil mil campos de futebol na Terra Indígena (TI) Munduruku, registra pesquisa citada pelo MPF. Além dessa TI, a ação pede fiscalização urgente na TI Sai Cinza.

O garimpo ilegal está avançando rumo as áreas mais próximas às aldeias, o que potencializa os riscos de contaminação dos indígenas por doenças, sobretudo pela covid-19 nesta pandemia, aponta o MPF.

Por isso, a intensificação do garimpo ilegal é não só um problema ambiental, mas, sobretudo, de saúde pública, destacam os autores da ação. Dez indígenas Munduruku já morreram por causa do novo coronavírus.

Incentivo ao crime – Segundo os membros do MPF, a garimpagem ilegal é incentivada pela omissão das entidades e órgãos do Estado na proteção das terras indígenas e pela tolerância com crimes como os de usurpação, lavagem de capitais e associação criminosa.

As ilegalidades chegam a contar com o apoio de servidor público, que deveria combatê-las, denuncia o MPF. Em 20 de maio, véspera de um protesto contra a etapa em Itaituba da Operação Verde Brasil 2, de fiscalização ambiental, o coordenador regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) no município incentivou indígenas a se manifestarem pela legalização da mineração em terras indígenas.

José Arthur Macedo Leal disse que aquele era “o momento certo e oportuno de os indígenas discutirem uma política voltada para a legalização da garimpagem na TI”, registrou áudio vazado nas redes sociais e anexado à ação pelo MPF.

Apesar de a maior parte dos Munduruku ser contra o garimpo nas TIs, e de várias vezes ter tentado expulsar os garimpeiros ilegais, agora esses indígenas estão amedrontados e silenciados, e algumas lideranças tiveram que ser incluídas em programas de proteção a direitos humanos, relata o MPF.

Terra sem lei – O medo e o silêncio dos indígenas contrários ao garimpo ilegal são resultado de uma série de ameaças, como as feitas por indígenas favoráveis à mineração, que postam fotos nas redes sociais ostentando armas e munições, informa a ação.

O descaso dos órgãos responsáveis contribui com o aumento da tensão na área, alerta o MPF. “Esse menosprezo, é hoje sabido, decorre do lobby criminoso de determinados garimpeiros ilegais, da sua promiscuidade com a coordenação local da Funai e, no campo político, da proibição pela cúpula do governo federal à autuação de garimpeiros ilegais e da destruição do maquinário empregado em garimpo”, critica.

Esses fatores levaram a “um estado de coisas totalmente ilegal e inconstitucional, em que, sem a menor desfaçatez, determinados grupos arrogam-se a manifestar publicamente a contrariedade à legítima atuação fiscalizatória do Estado”, aponta o MPF.

Como exemplos, a ação cita o protesto em Itaituba contra a Operação Verde Brasil 2, cita áudio vazado em redes sociais em que uma liderança indígena pede suborno para assinar carta de repúdio à operação, e cita o retorno em peso de “hordas de garimpeiros brancos” às TIs após a operação ter sido realizada sem enfrentar os garimpos.

“Poucos criminosos bastante organizados se sentem à vontade não apenas para incorrer em crimes, como também para aliciar e buscar intervir politicamente nas decisões dos órgãos e entidades de proteção territorial e de prevenção e repressão aos ilícitos ambientais, inclusive para pautar a fiscalização oficial”, resume o MPF.

Detalhes dos pedidos – À Justiça Federal em Itaituba, o MPF pediu que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) seja obrigado a deflagrar fiscalizações emergenciais nas TIs no prazo de 30 dias, devendo inutilizar quaisquer máquinas e equipamentos empregados na exploração minerária ilegal, mesmo que estes equipamentos pertençam a indígenas ou tenham sido por alguns deles autorizados a operar.

Também foi pedido que seja ordenado que em 30 dias a União empregue e promova o engajamento de todas as forças e órgãos de segurança a ela vinculados ou com ela articulados, das esferas estadual e municipal, para debelar a mineração ilegal feita com maquinário pesado nas terras indígenas Munduruku, destruindo máquinas e equipamentos utilizados nos garimpos ilegais, se valendo de equipamentos, aeronaves e servidores, das forças civis e militares, da União e do Pará., e cientificando o Conselho Nacional da Amazônia Legal para que o órgão articule a implementação de políticas públicas em caráter emergencial.

A União, por meio da Polícia Federal (PF), deve ser obrigada, ainda, a instaurar emergencialmente inquéritos policiais ou a dar andamento prioritário aos eventualmente já instaurados para investigar crime de usurpação de minerais extraídos das TIs indicadas e outros crimes relacionados, e os inquéritos devem ser concluídos em seis meses, pede o MPF, que também solicitou que a PF seja obrigada a articular com as demais forças de segurança novas ações ostensivas para a desintrusão de mineradores ilegais dentro das terras dos Munduruku, no prazo de 30 dias.

Em relação à Funai, os procuradores da República pedem que a Justiça Federal ordene à fundação a instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD) dentro de 30 dias, para apurar a responsabilidade do coordenador regional em Itaituba, José Arthur Macedo Leal, “que, com seu comportamento excessivamente promíscuo com determinados indígenas aliciados pela mineração ilegal, incentivou a aglomeração de pessoas em manifestações em plena pandemia de covid-19 e, de modo parcial, posicionou- se favoravelmente à legalização da mineração ilegal na terra indígena Munduruku, negligenciando os interesses da maioria do povo Munduruku que não coaduna com a atividade”.

O MPF também pede que a Funai seja obrigada a veicular, em 30 dias, retratação pública, impessoal, e de caráter institucional, com alcance nacional, regional e local, inclusive nas aldeias Munduruku nos municípios de Itaituba e Jacareacanga. A retratação deve  manifestar pedidos de desculpas aos Munduruku pelo posicionamento equivocado do coordenador regional da Funai, e esclarecer o posicionamento da instituição contrário à mineração ilegal e à violência em TIs.

Por fim, o MPF solicitou que a Justiça determine à Funai a elaboração, em 30 dias, de relatório técnico detalhado com mapeamento da expansão da mineração ilegal nas TIs e com a relação dos envolvidos na atividade, sejam eles indígenas ou não, compartilhando o resultado dos trabalhos com o MPF e PF.

Processo nº 1000962-53.2020.4.01.3908 – Justiça Federal em Itaituba (PA)

Íntegra da ação

Consulta processual: http://pje1g.trf1.jus.br/pje/ConsultaPublica

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