Parecer irregular da Fundação Palmares pode ser declarado nulo pela Justiça e licenciamento cancelado até a realização da consulta prévia, livre e informada a oito comunidades
Após protestos de comunidades e notas de repúdio de organizações da sociedade civil, o Ministério Público Federal (MPF) no Pará foi à Justiça para anular a licença prévia concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) a um linhão de transmissão de energia elétrica entre as cidades de Oriximiná, no Pará e Parintins, no Amazonas. A principal irregularidade na emissão da licença é a ausência de consulta a quatro comunidades quilombolas e quatro comunidades ribeirinhas que serão afetadas pelas obras. Para passar por cima dessas pessoas, a Fundação Cultural Palmares emitiu um parecer favorável ao linhão, dispensando sem nenhuma base legal a realização das consultas.
O documento da Fundação Palmares, uma declaração de anuência, aprovou estudos de impacto sobre os quilombolas e concordou com a emissão da licença prévia sem respeitar o direito de consulta, o que para o MPF foi uma forma de se utilizar do “atual e sensível momento de enfrentamento da pandemia de covid-19, para justificar a impossibilidade de manifestação dos comunitários inseridos na área de influência direta do empreendimento”.
Para o MPF, a anuência da Fundação Palmares para uma obra que vai afetar quilombolas sem nenhuma consulta é “inconcebível”. “Houve violação dos direitos dos quilombolas pela própria Fundação que tem sua gênese na promoção e preservação dos valores culturais, históricos, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”, diz a ação judicial iniciada essa semana em Santarém. Além de anular a licença prévia, o processo judicial pede a anulação do parecer emitido pelo presidente da Fundação, Sérgio Camargo.
O MPF também pede a condenação dos réus – Ibama, Fundação Palmares, Instituto de Colonização e Reforma Agrária e as empresas Celeo Redes Brasil SA, Parintins Amazonas SA e Elecnor Brasil Ltda – para que sejam proibidos de emitir novas licenças às empresas e de prosseguir entrando nas comunidades para realizar estudos ou reuniões. Uma das denúncias dos moradores das comunidades afetadas é que, sem fazer a consulta prévia e sem pedir sequer autorização, empregados envolvidos nas obras entraram diversos vezes nos territórios.
Quatro comunidades quilombolas – Maratubinha, Arapucu, Mondongo e Igarapé-Açu dos Lopes – e quatro comunidades ribeirinhas – Livramento, São Lázaro, Santa Cruz e Santíssima Trindade – inseridas em dois assentamentos do Incra. Nenhuma delas foi consultada. Para o MPF, a consulta não só é exigida pela legislação como deveria ter sido realizada antes da definição do traçado do linhão.
“A simples análise da magnitude e complexidade do empreendimento frente a ausência de consulta prévia, torna patente a violação e o descaso com o modo de vida das comunidades aqui tuteladas, que estão sob área de influência direta da linha de transmissão e mesmo com os possíveis e inúmeros impactos que poderão sofrer, conforme asseverado na reunião realizada no território quilombola Arapucu, não possuem informações claras sobre o empreendimento, pois os documentos disponibilizados possuem linguagem técnica de difícil compreensão, daí explica-se o fato de que a mera entrega de cópias de documentos não pode ser confundida com a realização da devida consulta prévia, livre e informada”, diz a ação do MPF.
Processo no. 1004830-57.2020.4.01.3902
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