Indígenas que vivem no Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, região com maior número de grupos isolados e de recente contato do mundo, afirmam que foram contaminados por covid-19 por meio de agentes de saúde do governo. Ao menos 20 indígenas da região já contraíram a doença, segundo informações de terça-feira, 9, do governo do Amazonas.

“Suspeita-se que seja através dos profissionais da saúde ou funcionários do DSEI (Distrito Sanitário Especial Indígena), como aconteceu com nossos parentes da região do Solimões”, afirma a União dos povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), em nota divulgada no domingo, 7, que também pede “socorro” e “pronta resposta” a autoridades para o atendimento da população indígena.

A região é a segunda maior terra indígena demarcada do Brasil, atrás da Yanomami, e faz fronteira com o Peru. A suspeita dos indígenas é reforçada pelo analista pericial em antropologia do Ministério Público Federal Walter Coutinho Jr., em informações enviadas à Procuradoria Geral da República (PGR). “Há fortes evidências de que a doença possa ser (ou já tenha sido) introduzida entre os povos indígenas do DSEI Vale do Javari – assim como ocorreu, de fato, no DSEI Alto Rio Solimões – pelos profissionais de saúde e/ou funcionários do próprio Distrito Sanitário”, escreveu ele na última sexta-feira, 5.

Além da covid-19, a região enfrenta alta de casos da malária. A Univaja aponta falta de barreira sanitária e locais de quarentena na região, além da escassez de testes para diagnóstico e medicamentos.

A aceleração da covid-19 preocupa lideranças indígenas e autoridades. Em 19 de maio, a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) alertou sobre o impacto “desproporcional” da pandemia em povos indígenas e mulheres nas Américas. Naquela data, segundo o Ministério da Saúde, havia 489 casos acumulados entre indígenas no Brasil e 25 mortos. Em 9 de junho, o número de casos subiu a 2.328 e 85 morreram pelo vírus.

Lideranças indígenas e o MPF apontam, ainda, falta de transparência na divulgação de dados sobre a covid-19 entre moradores da terra indígena e profissionais de saúde não indígenas. A suposta falta de informações faz circular boatos, entre pessoas que acompanham as discussões, de que mais de uma dezena de profissionais testou positivo recentemente para a doença e, antes, esteve no Vale do Javari.

Procurado, o Ministério da Saúde não informou sobre quantos agentes de saúde que estiveram no local estão infectados. A pasta apenas confirmou, em 4 de junho, que quatro agentes de saúde testaram positivo, mas que não sabiam como haviam sido infectados.

Após denúncias dos indígenas, o MPF fez recomendações no Último domingo, 7, à Secretaria Especial de Sade Indígena, do Ministério da Saúde, à  Fundação  Nacional do Índio (Funai), ao governo do Amazonas e à  Prefeitura de Tabatinga.

Procuradores. Procuradores recomendam compra urgente de insumos para tratamento da covid-19, além da instalação de locais adequados de quarentena para profissionais de saúde e indígenas contaminados ou com sintomas do vírus.

A recomendação costuma ser a etapa anterior à  apresentação de uma ação judicial, caso o problema não se resolva. O MPF aponta ainda “continuo desaparelhamento da Funai”, inclusive no Vale do Javari.

Mateus Vargas, O Estado de S.Paulo

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