Para Augusto Aras, terras tradicionalmente ocupadas por indígenas são patrimônio da União; após demarcação, não há direito à indenização

Arte retangular sobre foto de uma parede de oca, casa de indígenas. Está escrito a palavra indígenas na cor amarela.

Em memorial enviado aos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, opinou de forma contrária ao pagamento de indenização milionária a particulares que ostentavam títulos de terras indígenas demarcadas em 2003. A manifestação foi no agravo regimental (recurso) contra decisão do presidente do STF, Dias Toffoli, que deferiu o pedido de Suspensão de Liminar (SL) 610 requerido pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) para que  a União fosse desobrigada de pagar imediatamente R$ 34,9 milhões em indenizações.

No recurso, Aras sustenta que a decisão de instâncias inferiores – que determinaram a indenização a particulares – é juridicamente duvidosa, uma vez que, sendo cumprida, a União terá indenizado particulares que perderam a posse sobre um bem federal. No memorial, o PGR requer que seja desprovido o agravo regimental contra a decisão de Toffoli. O tema está na pauta da sessão virtual do STF, da próxima sexta-feira (15).

Para o PGR, as terras tradicionalmente ocupadas por indígenas constituem o acervo patrimonial da União e, após a demarcação, não ensejam direito à indenização. “Sabe-se que, mesmo após o processo administrativo de demarcação, as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios constituem patrimônio da União, reservando-se aos índios a posse permanente e o usufruto das riquezas do solo, rios e lagos”, pontua.

De acordo com a manifestação, a Portaria 1.128, do Ministério da Justiça, que demarcou a Reserva Indígena Ibirama La-Klãnõ, foi expedida em 2003, data anterior ao trânsito em julgado da ação expropriatória, e teve a legalidade reconhecia pelo STF, no julgamento da Ação Civil Originária 1.110/SC. “A consequência da demarcação é a nulidade e a extinção de eventuais títulos de domínio ostentados por particulares não índios”, assevera o procurador-geral.

Pandemia – Augusto Aras destaca no memorial o impacto econômico da medida no momento em que o país enfrenta a pandemia da covid-19, que diariamente mata centenas de pessoas. Ele aponta que a quantidade de leitos de terapia intensiva e de respiradores mecânicos não está à altura da demanda iminente de pacientes, o que tem levado o sistema de saúde, em  parte dos estados, ao colapso. “Em outras regiões do país, o percentual de leitos de UTI ocupados já atingiu o percentual de quase 90%”, frisa. O PGR destaca o investimento de R$ 163,6 milhões do governo federal, ao longo de 90 dias, para um reforço de 1.456 leitos de UTI.

Nesse contexto, cita o Decreto Legislativo 6/2020, por meio do qual o Congresso Nacional reconheceu a situação de calamidade pública, e a promulgação da Emenda à Constituição 106/2020, que instituiu o regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para o enfrentamento da calamidade pública. Além disso, o PGR destaca a queda da arrecadação tributária decorrente das medidas de restrição social impostas para achatar a curva de contágio, como as previstas na Lei 13.979/2020: isolamento, quarentena, restrições ao comércio, entre outras.

Para o procurador-geral, os casos difíceis hão de ser solucionados projetando-se as consequências de cada interpretação alternativa. “No caso vertente, o eventual provimento do agravo regimental terá consequências nefastas à economia. Contudo, cabe ao Judiciário buscar os melhores resultados para o futuro, mormente durante uma pandemia”, sustenta.

Entenda o caso – Em 1986, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ajuizou ação de desapropriação em face de particulares, pleiteando o reconhecimento do domínio da União em relação às terras da sociedade empresária agravante. Em 2003, ainda durante o curso da ação judicial expropriatória, foi expedida a Portaria 1.128/2003, pelo Ministério da Justiça, que reconheceu a área litigiosa como Reserva Indígena Ibirama La-Klãnõ. Em outubro de 2009, a ação de desapropriação proposta pelo Incra transitou em julgado. O título executivo originou sete processos judiciais, cada qual gerando a liquidação de indenização para pessoas distintas, ou seja, de maneira individualizada. A União foi condenada ao pagamento de indenização aos réus mediante a imediata emissão de Títulos da Dívida Agrária (TDAs), no valor de R$ 34,9 milhões.

O Incra apresentou pedido de suspensão de execução à 3ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Santa Catarina e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) , que negaram o pedido. A autarquia ajuizou, então,  perante o STF uma suspensão liminar contra o pedido de urgência na concessão da medida, o que foi acolhido pelo presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, decisão que é o objeto do agravo regimental em análise.

Íntegra do memorial

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