Análise feita pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF demonstra que direito originário sobre as terras tradicionalmente ocupadas independe de marco temporal
O Ministério Público Federal (MPF) divulgou nessa quarta-feira (13) nota técnica em que reafirma a inconstitucionalidade da tese do marco temporal, que condiciona a demarcação de territórios indígenas à ocupação do local na época da promulgação da Constituição de 1988 ou à comprovação de que a população foi removida da área à força, sob resistência persistente – o chamado “esbulho renitente”. Elaborado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), o documento demonstra que a tese afronta expressamente a Constituição Federal, que assegura o direito originário das populações indígenas às terras que tradicionalmente ocupam.
A nota técnica apresenta uma análise dos aspectos jurídicos da tese em debate no Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário 1.017.365, com repercussão geral reconhecida (Tema 1031). Nela, a 6CCR salienta que o art. 231 da Constituição reconheceu o direito dos indígenas à posse das terras tradicionalmente ocupadas por eles como uma norma jurídica primária e preexistente, sem a definição de “marcos” subsequentes. Além disso, aponta que a CF relacionou a posse indígena à tradicionalidade, ou seja, aos hábitos, usos e costumes dessas populações.
Sob essa perspectiva, a 6CCR afirma que Constituição Federal aproximou o conceito de terra indígena à noção de identidade coletiva, de modo que a “tradicionalidade” não se relaciona a um marco no tempo. Assim, defende que o Estatuto Indígena seja interpretado de modo independente do ordenamento jurídico civil, priorizando uma abordagem antropológica sobre a tradicionalidade das terras indígenas.
De acordo com a nota técnica, “é preciso despir-se dos conceitos ordinários do Direito Civil e dispor-se ao desafio proposto pelo Constituinte de 1988, qual seja, interpretar a fruição da propriedade imobiliária da União e a posse indígena à luz dos paradigmas multiculturais decorrentes dos diferentes usos e costumes indígenas”.
Patrimônio público – O MPF lembra ainda que a Constituição de 1988 reconheceu os territórios indígenas como parte da propriedade imobiliária da União. “Dessa forma, o Constituinte atribuiu à União obrigação de proteger, fiscalizar e fazer respeitar as terras tradicionalmente ocupadas pelos indígenas, bem como todos os seus bens, inclusive os imateriais, o direito à organização social, costumes, crenças e tradições de cada povo”, destaca o documento.
Com base na análise apresentada, a 6CCR defende que a tese do marco temporal seja definitivamente refutada pelo Supremo Tribunal Federal, por expressa afronta ao art. 231 e seus parágrafos da Constituição da República e sua incompatibilidade com o conceito de posse tradicional adotado por ela.
Esta é a segunda nota técnica sobre o tema elaborado pela 6CCR. Em 2018, o órgão se posicionou contrariamente ao Parecer Normativo 001/2017 da Advocacia Geral da União, que estabelecia a adoção da tese do marco temporal por toda administração pública federal.
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