Primeira morte entre indígenas no Pará ocorreu na vila, mas o caso não foi incluído nos boletins do sistema por se tratar de área urbana

Foto de penas coloridas de um cocar. A palavra indígenas escrito em branco

Arte: Secom/PGR

Mesmo com cerca de 36% dos indígenas do Brasil residindo em áreas urbanas, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) se recusa a atender povos e famílias residindo fora de terras indígenas e, durante a pandemia do novo coronavírus, também se nega a contabilizar os casos de covid-19 na população indígena urbana. A recusa já provoca distorções, como no caso da primeira morte de indígena no estado do Pará pela doença. A anciã da etnia Borari que morreu em 19 de março em Alter do Chão, vila de Santarém, no oeste do estado, não entrou até hoje nas estatísticas oficiais. O Ministério Público Federal (MPF) tenta reverter essa deturpação dos dados, através de recomendação à Sesai.

Na recomendação enviada semana passada, o MPF requisitou que a secretaria “contabilize, em seus dados e boletins oficiais, os dados epidemiológicos relativos à covid-19 entre os indígenas de Alter do Chão, devendo inserir já no próximo Boletim Epidemiológico – “Doença por Coronavírus (COVID-19) em populações indígenas” o óbito e os casos suspeitos que estão sendo acompanhados nesta região”. O boletim é emitido semanalmente pela Sesai e ainda não incluiu os casos da vila, nem suspeitos, nem confirmados.

O sumiço dos dados de Alter do Chão do boletim oficial sobre o avanço da epidemia entre os indígenas representa, no entendimento do MPF, desobediência a uma sentença da Justiça Federal que obrigou a Sesai e o Distrito Sanitário Especial a atenderem todos os indígenas da região, independente de residirem em áreas urbanas ou aldeias. O atendimento já está sendo realizado, desde 2018, mas a recusa em contabilizar os casos de covid-19 viola o direito dos indígenas, até porque a área, apesar do contexto urbano, é também uma terra indígena em processo de demarcação.

Para o MPF, “a circunstância de os indígenas estarem em contexto urbano não elide a necessidade de serem atendidos por uma política pública de saúde de caráter diferenciado, seja no âmbito da atenção primária ou na atenção de média/alta complexidade” e “a negativa de atendimento aos indígenas em contexto urbano representa racismo institucional”. A prática da Sesai de diferenciar moradores de centros urbanos e de terras indígenas acaba colocando em risco os indígenas que vivem em aldeias, porque ignora a existência de um fluxo constante entre as cidades e os territórios, que faz parte das dinâmicas socioculturais dos povos.

Negar atendimento aos indígenas que moram nas cidades, sustenta o MPF, “representa enfraquecimento das políticas sanitárias de prevenção à disseminação de covid-19 nas terras indígenas”. A omissão dos dados nos boletins epidemiológicos mascara as informações sobre o avanço da doença entre os povos, o que vai prejudicar o diagnóstico, o planejamento e a formatação de políticas públicas.

“O fiel registro de óbitos de indígenas pela covid-19 é fundamental para que sistematização de dados epidemiológicos confiáveis, de modo a se identificar com exatidão os seus impactos entre esses povos, bem como para que se estabeleça sistema eficaz de vigilância, prevenção e controle”, diz a recomendação do MPF, lembrando também que as particularidades imunológicas e epidemiológicas dos povos indígenas os tornam mais suscetíveis ao novo coronavírus, com risco concreto de genocídio. “Viroses respiratórias foram vetores do genocídio indígena em diversos momentos da história do país, com dezenas de casos de genocídios provocados por epidemias registrados em documentos oficiais”.

A Sesai tem até amanhã (5 de maio) para cumprir a recomendação.

Veja a íntegra do documento

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