Distrito de Saúde Indígena acatou recomendação do MPF no fim de semana em que dois Xikrin foram vitimados pelo novo coronavírus
O Ministério Público Federal (MPF) enviou recomendação ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Guamá-Tocantins para que dois indígenas moradores da terra indígena Xikrin do Cateté, mortos por complicações da covid-19 em Marabá no último fim de semana, pudessem ser enterrados dentro do território, atendendo o apelo dos parentes. O Dsei acatou a recomendação e os funerais foram feitos dentro do território indígena, seguindo as orientações de precaução para evitar o contágio.
O protocolo do Ministério da Saúde para funerais de vítimas do novo coronavírus prevê uma série de cuidados para evitar contaminação, mas não tratou das particularidades dos povos tradicionais e deixou de garantir o enterro de seus membros com base nos costumes e tradições próprios. Para o MPF, por meio do diálogo intercultural, é possível assegurar os funerais dentro das terras indígenas, respeitando os cuidados necessários para o manejo de corpos contaminados pelo novo coronavírus, o que ocorreu no caso dos Xikrin do Cateté.
Os dois Xikrin que morreram de covid-19, uma jovem e um senhor idoso, estavam hospitalizados em Marabá e, ao saber das mortes, as lideranças Xikrin pediram às autoridades que os corpos fossem levados para a terra indígena para os sepultamentos de acordo com os costumes do povo, mas o Dsei preferia aplicar o protocolo do Ministério da Saúde sem considerar o direito das comunidades indígenas a manterem suas tradições. A recomendação do MPF garantiu diálogo entre o Dsei e a comunidade que permitiu tanto os cuidados sanitários quanto o respeito às tradições do povo Xikrin.
O MPF explica, na recomendação, que “qualquer atitude estatal permeada por perspectivas homogeneizantes e pela ideia de assimilação” viola a pluralidade cultural e étnica que é protegida pela Constituição brasileira porque “colore, enriquece e engrandece a democracia inclusiva das sociedades modernas”. Dessa forma, “toda política pública e todos os atos estatais devem levar em consideração as tradições de tais povos, de maneira a salvaguardar seus costumes”.
Os princípios que norteiam a democracia brasileira não se modificam no contexto de enfrentamento da covid-19, e as políticas de saúde e sanitárias podem e devem coadunar medidas para impedir a propagação do vírus e a proteção dos usos e costumes dos povos culturalmente diferenciados que fazem parte da nação brasileira. “Tolher tais povos de tais atos tradicionais é uma maneira de violentá-los e de privá-los de sua forma de se despedir de seus entes queridos, configurando um verdadeiro ato assimilacionista, o que é vedado e rechaçado pela Constituição da República e pelas normas internacionais de Direitos Humanos”, diz a recomendação do MPF.
Ao recomendar o traslado dos Xikrin mortos no último fim de semana para suas respectivas aldeias, o MPF pediu que as cerimônias fossem orientadas pelo Dsei para evitar a disseminação do novo coronavírus, evitando-se as aglomerações, manter as urnas funerárias fechadas, disponibilizar máscaras, água, sabão, papel toalha e álcool em gel 70% para higienização das mãos durante todo os rituais funerários e evitar, especialmente, a presença de pessoas que pertençam ao grupo de risco para agravamento da covid-19. A recomendação diz que todas as medidas devem ser dialogadas com as famílias e com as lideranças das comunidades indígenas.
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