Empresa omitiu informação de que iria atuar com carga perigosa, entre diversas outras ilegalidades apontadas pelo MPF e MP/PA

Foto mostra terreno de terra batida às margens de lago. O terreno tem plataformas que entram alguns metros no lago.

Área preparada para a instalação do porto – Foto: Arquivo MPF – jun/2019

A Justiça Federal suspendeu nessa quinta-feira (21) as licenças expedidas pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) para a obra e para o armazenamento de combustíveis do terminal portuário de uso privado da empresa Atem’s Distribuidora de Petróleo no Lago do Maicá, em Santarém, no oeste do estado.

Entre as ilegalidades apontadas pelo Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do Estado do Pará (MP/PA), a decisão da Justiça Federal destacou os indícios de fraude no licenciamento, tendo em vista que a empresa omitiu que a carga transportada seria do tipo perigosa (petróleo e derivados), e submeteu o projeto a licenciamento para cargas não perigosas, com exigências ambientais menos rigorosas.

Além de suspender o licenciamento, a decisão proibiu a Semas de conceder licença para o empreendimento e impediu a Atem’s de dar continuidade às obras e restringir o acesso de pescadores às adjacências do empreendimento (Praia dos Ossos).

A empresa ficou obrigada a adotar medidas emergenciais para evitar o escoamento de sedimentos para o Rio Amazonas. Assim que a Atem’s for oficialmente notificada da decisão, terá 20 dias para apresentar relatório técnico dos possíveis impactos já ocorridos e das medidas adotadas.

“(…) considerando o vício [descumprimento de regras jurídicas] apontado no processo de licenciamento, o qual foi conduzido para que a atividade fosse de porto para cargas não perigosas, mesmo que o intento da empresa, como ela mesma manifestou, fosse para o manejo de derivados de petróleo, faz com que, com esteio no princípio da precaução, as licenças e, por conseguinte, a atividade de construção sejam, de pronto, suspensas e obstadas” registra a decisão.

“(…) os vícios demonstrados pelo MPF, ao menos nesta fase de cognição sumária [fase inicial do processo judicial], denotam a pecha de ilegalidade no processo de licenciamento, em potencial prejuízo ao Rio Amazonas, bem como às comunidades que dele dependeriam para a pesca”, complementa o texto.

Demais irregularidades – Entre as obrigações não atendidas no licenciamento, o MPF e o MP/PA apontam a necessidade de que, antes de emitir ou não qualquer autorização ao empreendimento, o órgão competente do governo realize consulta prévia, livre e informada aos indígenas, quilombolas e pescadores potencialmente afetados, seguindo o Protocolo de Consulta já elaborado por essas comunidades. A obrigação é estabelecida na legislação ambiental e na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Também é preciso, segundo o MP/PA e o MPF, que sejam confeccionados Estudo de Componente Indígena, Estudo de Componente Quilombola e avaliação de impactos sobre os pescadores artesanais. Esses trabalhos, que devem ser realizados por equipe multidisciplinar e ter como integrante antropólogo legalmente habilitado na Associação Brasileira de Antropologia, posteriormente devem ser analisados pela Fundação Nacional do Índio (Funai) e Fundação Cultural Palmares, nos termos da legislação e garantindo-se a participação dos grupos.

A ação inclui pedidos para que a Justiça Federal obrigue a elaboração de Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental, a serem analisados pelo órgão ambiental competente, e para que determine a realização de audiência pública com a sociedade civil, nos termos da legislação ambiental.

Obra vizinha a várias comunidades – A obra está próxima a diversos territórios tradicionalmente ocupados por quilombolas, indígenas e pescadores artesanais. As comunidades quilombolas Pérola do Maicá, Arapemã e Saracura, por exemplo, estão distantes apenas de 1,7 km a 8,2 km da construção, distância inferior à estipulada pela portaria interministerial 60/2015 para fins de presunção de impactos de empreendimentos portuários.

Além dessas três comunidades e das comunidades quilombolas de Maria Valentina e Bom Jardim – distantes entre 12,2 km e 14,4 km das obras –, estão em fase de estudos e delimitação os territórios da comunidade quilombola de Murumurutuba e do povo indígena Munduruku do Planalto Santareno, com grupo de trabalho instituído para essa finalidade por meio da Portaria 1.387 de 24 de outubro de 2018, da Funai

“(…) rapaz, esse lago aí representa tudo, de onde tiro o meu sustento, é uma riqueza pra todos nós, dá água, dá alimentação, tem árvore, a beleza… Tudo que Deus deixou neste mundo serve pra gente”, disse, referindo-se ao Lago do Maicá, um dos pescadores entrevistados para o estudo citado pelo MPF e pelo MP/PA Caracterização da Pesca e Percepção Ambiental de Pescadores de um Lago de Inundação no Baixo Amazonas: Perspectivas para o Manejo, de Elizabete de Matos Serrão, Tony Marcos Porto Braga, Yana Karine da Silva Coelho, Diego Patrick Fróes Campos, Luan Campos Imbiriba, Maria Aparecida de Lima Suzuki, Silvana Cristina Silva da Ponte e Diego Maia Zacardi.

Ações por fraude – Outras duas ações ajuizadas pelo MPF e pelo MP/PA este ano tratam da fraude no licenciamento relativa à omissão do verdadeiro grau de periculosidade da carga que a Atem’s pretendia manejar.

À Justiça Federal os membros do Ministério Público pediram que a empresa seja condenada a demolir as construções não autorizadas pela licença de instalação, e a pagar indenização por danos morais coletivos, por causa da fraude praticada.

À Justiça Estadual o MP/PA denunciou criminalmente a empresa, o sócio administrador Miqueias de Oliveira Atem, e o engenheiro ambiental Breno de Almeida Marques, por crimes previstos na Lei de Crimes Ambientais.

Processos 1001906-73.2020.4.01.3902 e 1003633-67.2020.4.01.3902 – 2ª Vara da Justiça Federal em Santarém (PA)

Íntegra da decisão

Consulta processual

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