Publicação elaborada pelo Instituto Mamirauá em parceria com a Universidade Federal do Amazonas e a Universidade de Harvard aponta que lockdown imediato seria a forma mais eficiente de conter o contágio
Um grupo de pesquisadores do Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) na Amazônia, divulgou hoje (12) um estudo avaliando o efeito da medida de distanciamento social sobre a disseminação da COVID-19 nos municípios da Amazônia Central, região conhecida como Médio Solimões. O trabalho também estima a probabilidade de moradores das áreas rurais entrarem em contato com pessoas infectadas durante as visitas que fazem às sedes municipais para acessar serviços e comprar alimentos. O documento contou com colaboradores da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.
Os resultados do estudo são de extrema importância para o estado do Amazonas, onde o sistema de saúde pública já colapsou e onde não existem leitos com respiradores e de UTI para o atendimento de novos casos mais graves de COVID-19. No sábado (9), mesmo dia em que o estudo foi publicado, o estado bateu recorde de novos casos da doença, registrando mais de 1,1 mil novos infectados em um único dia. O sistema público de saúde opera hoje com quase 90% dos leitos ocupados.
Para os pesquisadores, atrasar a chegada da doença por meio do distanciamento, dando tempo para que uma infraestrutura adequada de saúde seja instalada, é uma das medidas mais importantes e deve ser priorizada como estratégia para reduzir o número de mortes por COVID-19 no Amazonas, especialmente nas pequenas cidades do interior do estado.
No Brasil, a expectativa é de que a maior parte das mortes decorrentes da COVID-19 ocorra em cidades e estados mais populosos, principalmente no Sudeste. No entanto, a região amazônica, apesar de menor densidade populacional, tem características únicas que tornam seus habitantes extremamente vulneráveis. Um quarto deles vive em comunidades rurais e territórios indígenas afastados dos centros urbanos, com baixos índices de desenvolvimento humano e sem acesso à serviços básicos.
Segundo os pesquisadores, apesar de consideradas isoladas, as comunidades tradicionais e indígenas da Amazônia estão intensamente conectadas às áreas urbanas através da extensa rede hidrográfica da região, mantendo vínculos econômicos e de acesso a serviços públicos e privados essenciais. O fluxo intenso entre as localidades rurais e as sedes municipais aliado à falta de infraestrutura de saúde básica adequada tornam as populações da Amazônia extremamente suscetíveis à COVID-19.
Apesar do empenho de algumas prefeituras, sustentar medidas de distanciamento social tem sido um desafio, devido principalmente à vulnerabilidade socioeconômica da maior parte da população.
“Para muitas dessas pessoas o sustento financeiro vem do trabalho diário e medidas de distanciamento social desacompanhadas de proteção social podem levá-las a situação de fome e privação de outros benefícios materiais de necessidade básica” afirma o documento. Em geral, a principal razão que tem levado os moradores das áreas rurais às cidades sede durante a pandemia é a necessidade de comprar itens da cesta básica.
A baixa efetividade de medidas de distanciamento social e o rápido contágio se tornam ainda mais preocupantes devido à frequência com que as comunidades ribeirinhas visitam as cidades – em média 2,8 vezes por semana na região da Amazônia Central. Segundo o estudo, cada pessoa permanece cerca de 6 dias na cidade.
Resultados
As análises mostraram que o distanciamento social reduziu a velocidade do contágio em todos os municípios contemplados no estudo, retardando o pico de contaminação em aproximadamente quatro semanas no cenário com 50% de isolamento, e entre 12 e 17 semanas no cenário com 70%. Os resultados também mostraram que o pico de contaminação acontece mais cedo em cidades menos densamente povoadas e cerca de três semanas mais tarde nas duas cidades mais populosas.
Sobre a disseminação da COVID-19 nas localidades rurais, o estudo indicou que a redução do número de visitas aos municípios sede e do tempo de permanência durante cada visita, além da interrupção do fluxo durante as cinco semanas com maior probabilidade de contágio têm impacto marcante sobre a velocidade de chegada da COVID-19 nas localidades rurais.
Lockdown
Mesmo com todas as medidas que vem sendo adotadas pelos municípios, inclusive o bloqueio parcial em algumas cidades, as aglomerações continuam frequentes. No centro, os pontos de aglomeração estão especialmente relacionados a pontos de distribuição do auxílio emergencial do governo e de abastecimento.
Segundo os pesquisadores, esse cenário indica a necessidade de que as autoridades de cada município implementem o bloqueio total (lockdown), além das três medidas que o estudo mostrou serem eficazes em atrasar a chegada da doença às localidades rurais: redução no número de visitas que cada pessoa faz a um centro urbano, redução do tempo de permanência durante cada visita e evitar qualquer ida às sedes municipais durante as cinco semanas com maior número de pessoas infectadas.
O estudo destaca ainda que todas as medidas restritivas precisam ser acompanhadas por uma ampla campanha de conscientização e ações de assistência à população rural e às famílias mais carentes das sedes municipais para garantir acesso a itens básicos para sua sobrevivência.
Mariana Bertelli, assessora de comunicação, [email protected]
PUBLICADO EM: INSTITUTO MAMIRAUÁ
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