Pesquisa desenvolvida pelo Museu Goeldi em áreas não mineradas registrou 27 espécies de formigas, com duas espécies que podem ser novos registros para o Pará.

FOTO: Agência Museu Goeldi

Consideradas como bioindicadoras em programas de monitoramento ambiental e conhecidas por auxiliar no reflorestamento de solos pobres, as formigas são consideradas um dos grupos mais importantes para a conservação da biodiversidade.

Agência Museu Goeldi – Na Serra dos Carajás, no sudeste do Pará, existe um ecossistema de campos ferruginosos peculiar, chamado de cangas. Caracterizada pelas áreas abertas e de relevo acidentado, a região é conhecida por estar associada às principais jazidas de ferro do país, mas também conta com uma riqueza singular de fauna e flora e o conhecimento acerca das espécies locais tem sido ameaçado pela exploração mineral intensa. No meio dessa riqueza, encontram-se as formigas, consideradas um dos grupos mais informativos e de grande importância para o monitoramento e conservação da biodiversidade, foco da investigação de Gracilene da Costa de Melo. Vinculada ao Laboratório de Morfologia e Ecologia Funcional de Formigas (AntMor) do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), ela desenvolveu seu trabalho de iniciação científica, como estudante de Ciências Biológicas, em parceira com a empresa Vale do Rio Doce S.A..

O estudo de Gracilene, premiado durante o Seminário PIBIC 2019 do Museu Goeldi como o melhor da área de Ciências da Terra e Ecologia, analisou amostras de quatro locais ainda não minerados do município de Curionópolis, na Serra Leste de Carajás. Como resultado, foram registradas 27 espécies de formigas, sendo que duas (Pheidole pr. fowleri e P. pr. gibbata), se confirmadas, podem ser novos registros para o Pará.

Outras espécies coletadas também indicam alguns aspectos interessantes da região, como é o caso da presença abundante de Pheidole radoszkowskii, apontada como sinalizadora de impactos humanos leves. Do mesmo modo, em alguns locais, foi detectada a presença de Pfowleri, indicativo de áreas com boa qualidade ambiental.

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Área de Canga na Serra Leste dos Carajás (Curionópolis-PA), onde as formigas foram coletadas. Foto: Emília Albuquerque.

Além da contabilização das espécies, o estudo também visa o futuro. Como a pesquisa foi realizada em uma área ainda não impactada pela extração de minerais, os pesquisadores poderão, mais adiante, fazer uma comparação entre a riqueza de espécies no local antes e depois do processo antrópico (originado por ação humana).

O trabalho avaliou as formigas que vivem no solo e na vegetação. O solo apresentou duas vezes mais espécies que a vegetação e, ainda, descobriu-se formigas de espécies totalmente diferentes vivendo nesses dois estratos das áreas de canga. Isso significa que tanto o solo quanto a vegetação são importantes nas áreas de cangas para a preservação de organismos de tamanho pequeno, como as formigas e outros invertebrados.

“Este é o primeiro trabalho de formigas em áreas de cangas na Amazônia. Existiam coletas, mas apresentadas apenas na forma de relatórios e sem um tratamento taxonômico cuidadoso sobre as espécies coletadas. Fizemos um grande esforço para dar nome as espécies encontradas. Então, quando se trata de Amazônia, este é o primeiro trabalho e isso é muito importante”, destaca a bolsista.

A jovem Gracilene começou como estagiária voluntária em 2017 no Laboratório AntMor. Após um ano, ingressou no programa de iniciação científica, no qual permaneceu por 16 meses sob a orientação do pesquisador Rogério Rosa da Silva e coorientação dos pesquisadores Emilia Zoppas de Albuquerque (ASU/Smithsonian) e Rony Peterson Santos Almeida.

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Formigas do gênero Eciton, muito comuns em áreas de Floresta Amazônica. Foto: Rony Almeida.

Engenheiras do ecossistema  Pequenas, discretas e sistemáticas, atualmente são conhecidas em todo o mundo mais de 14 mil espécies de formigas. Sua organização elevada as colocou no seleto grupo de animais eussociais, caracterizados por três fundamentos: a vivência em colônias com sobreposição de gerações, o cuidado cooperativo com a prole e a divisão de tarefas. Contudo, esses insetos escondem bem mais do que suas características sociais. Por trás de seu diminuto tamanho, encontram-se seres consideravelmente informativos e de grande importância para o monitoramento e conservação da biodiversidade. “As formigas conseguem colonizar ecossistemas energeticamente pobres, onde algumas espécies podem revolver o solo e dispersarem sementes. Nos locais onde não haviam árvores, elas conseguem levar sementes e, com o solo preparado, uma planta pode nascer”, explica Gracilene.

Outra atividade interessante desempenhada pelos membros da família Formicidae é o enriquecimento dentro do solo. “As formigas vão até a vegetação, cortam folhas e levam ao formigueiro. Elas não comem as folhas diretamente, somente as levam para a colônia para que fungos possam crescer sobre esse material vegetal”, explica a estudante. Com essa interação, esses insetos contribuem para a adubação e recomposição de nutrientes da terra e ainda na seleção de plantas no ambiente.

Por outro lado, esses pequenos animais fazem o combate e prevenção de pragas em plantações agindo no controle de populações de outros artrópodes. Em ambientes naturais, é comum ver associações de formigas com plantas onde ambas são beneficiadas: as formigas ganham alimento e moradia e as plantas, proteção contra herbívoros.

Contudo, um dos aspectos mais destacados e buscados por estudiosos da mirmecofauna é a sua eficácia como indicador de áreas degradadas. De acordo com Gracilene, a capacidade desses insetos de indicar áreas antrópicas – que já sofreram alterações pelo homem – ressalta ainda mais a importância em estudá-los.

Segundo alguns estudos, assim como há espécies flexíveis, com capacidade para colonizar ambientes terrestres com recursos alimentares escassos e condições ambientais severas, há também formigas que não conseguem se manter em solos degradados. Com isso, é possível notar se o espaço já sofreu ou não graves alterações, como as causadas pela extração de minério.

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Autora da pesquisa organiza e identifica espécies de formigas coletadas nas áreas de Canga da Serra Leste dos Carajás, Curionópolis (PA). Foto: Débora Campana.

É de fundamental importância entender quem são e como estão distribuídas as espécies de formigas em solo e vegetação em áreas de cangas. Esses ambientes apresentam escassez no conhecimento sobre biodiversidade, algo prioritário quando pensamos em fazer uso da terra. “Uma vez que não se conhece o que vive ali, corremos risco de perder espécies que poderiam ser novas, bem como registros que ajudam a entender sua distribuição “, complementa Gracilene. Ela também acrescenta a possibilidade de ameaças de extinção local de uma espécie.

PIBIC e PIBITI – São programas fomentados pelo CNPq/MCTIC para estimular a iniciação científica e tecnológica de alunos de graduação. Na edição 2019, 91 estudantes universitários de diversos cursos no Pará foram beneficiados com as bolsas de financiamento no Museu Goeldi, sendo 87 pelo PIBIC e quatro pelo PIBITIDoze deles foram premiados com o primeiro, segundo e terceiros lugares de cada uma das quatro áreas do conhecimento. Gracilene Melo ficou em primeiro lugar na área das Ciências da Terra e Ecologia.

O PIBIC tem como objetivo despertar vocações científicas e incentivar talentos potenciais, possibilitar o domínio do método científico e desenvolver o pensar e a criatividade do jovem universitário para a pesquisa na Amazônia, contribuindo de forma decisiva para otimizar o ingresso dos alunos na pós-graduação. Por sua vez, o PIBIT estimula os jovens do ensino superior nas atividades, metodologias, conhecimentos e práticas próprias ao desenvolvimento tecnológico e processos de inovação.

Texto: Karolina Pavão

PUBLICADO EM:     MUSEU GOELDI