Instituições do Poder Público devem adequar cronograma de pagamento e possibilitar acesso aos benefícios nas aldeias e comunidades, além de garantir distribuição de alimentos a esses povos, defende ação do MPF

Fundo opaco de uma imagem aérea da floresta amazônica e à frente os dizeres "Indígenas e Comunidades Tradicionais" em letras brancas.

Arte: Ascom MPF/AM

O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação civil pública, com pedido de liminar, para que a União, Caixa Econômica Federal, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Fundação Nacional do Índio (Funai) adotem medidas emergenciais em favor de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais (extrativistas e ribeirinhos) do estado do Amazonas para facilitar o acesso a benefícios sociais e previdenciários concedidos pelo governo federal, incluindo o auxílio emergencial, e garantir segurança alimentar a esses grupos para evitar que se desloquem às sedes dos municípios, enquanto vigoram as medidas de isolamento social em decorrência da pandemia de covid-19.

De acordo com a ação civil pública, a União, a Conab e a Funai devem apresentar, no prazo de cinco dias, cronograma para fornecimento de alimentos, com datas específicas de entrega nas aldeias indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais de todo o estado do Amazonas, por meio de ação de distribuição de alimentos, até 15 de junho ou até cinco dias após o comando, caso a decisão judicial seja proferida após esta data. Em relação a esse primeiro pedido, o MPF requer especial atenção às localidades de difícil acesso e ressalta que devem ser utilizados todos os meios de transporte cabíveis, além do apoio logístico do Exército brasileiro.

O MPF também pede à Justiça que obrigue União e Caixa Econômica a prorrogarem prazo para saque das parcelas do auxílio emergencial, previsto na Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020, enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia ou por mais seis meses. A União, por meio do Ministério da Cidadania, e a Caixa Econômica Federal devem, ainda, adequar o aplicativo Caixa Tem, destinado ao acesso ao auxílio emergencial, no prazo de cinco dias, de modo a possibilitar o cadastro e acesso ao referido auxílio exclusivamente via internet, sem necessidade de confirmação por SMS ou meio telefônico.

Outra demanda da ação judicial apresentada pelo MPF, direcionada à União, ao INSS e à Caixa Econômica, é o acesso integral, no prazo de 20 dias, ao auxílio emergencial e a benefícios sociais e previdenciários em geral (cadastro, saque e/ou transferência) a todos os povos indígenas, quilombolas e tradicionais do estado do Amazonas, para que esse público não se desloque aos centros urbanos municipais, possibilitando o isolamento e o distanciamento sociais nas aldeias e comunidades. A prorrogação do prazo pelo INSS, por mais 90 dias além do prazo já previsto, para saque dos valores de benefícios previdenciários, em especial do salário-maternidade e pensão por morte, também foi pedida à Justiça pelo MPF.

No prazo de cinco dias, União e Funai ainda deverão adequar material informativo já existente sobre o auxílio emergencial para os indígenas e outros Grupos Populacionais Tradicionais Específicos (GPTE), especialmente os que residem em locais distantes dos centros urbanos ou de difícil acesso. Essa adequação deverá atender a critérios especificados na ação, como a inserção de orientações sobre os principais obstáculos que essas famílias podem enfrentar para acessar o auxílio emergencial, as recomendações sanitárias para evitar a contaminação pelo novo coronavírus, já informando o cronograma de distribuição das cestas básicas, bem como as medidas adotadas para possibilitar o acesso aos benefícios nas aldeias e comunidades.

Além de todos os pedidos liminares, o MPF requer, ao final do processo, a condenação dos réus a adequar as políticas públicas referentes aos benefícios sociais, emergenciais e previdenciários à realidade, cultura e tradições dos povos indígenas, quilombolas e tradicionais, por meio de ampla consulta, nos termos da Convenção 169, Organização Internacional do Trabalho (OIT), bem como a adoção de medidas para garantir a segurança alimentar e nutricional desses grupos.

Falta de atendimento diferenciado – Na ação civil pública, o MPF destaca que as políticas públicas de benefícios sociais e previdenciários do governo federal estão obrigando indígenas e povos tradicionais a romper o isolamento social recomendado pelo governo federal, por conta da falta de adequação à sua realidade e contexto social, cultural e logístico.

Relatos de lideranças indígenas e registros em fotos registradas em diversos municípios, como Benjamin Constant, Tabatinga, Humaitá e Parintins, confirmam a ocorrência das migrações e das consequentes aglomerações. “O povo não pegou o coronavírus na comunidade. Eles vão para a cidade fazer compras e ir ao banco, e assim acabam se infectando e carregando o vírus de volta para a aldeia. Já estamos falando que são os R$ 600 da morte. As agências e lotéricas ficam superlotadas, com pessoas sem máscara muito próximas umas das outras”, contou Eladio Kokama Curico, liderança no Alto Solimões.

Dados da Fundação de Vigilância em Saúde no Estado do Amazonas reforçam a preocupação com a disseminação do novo coronavírus ao apontarem aumento abrupto no número de casos de covid-19, exatamente nos períodos posteriores às maiores aglomerações nas agências das Caixa Econômica Federal e loterias, em razão da busca do auxílio emergencial. Na ação, o MPF ainda alerta que os pagamentos da segunda parcela do auxílio emergencial entre 18 e 29 de maio, conforme as datas divulgadas pelo Ministério da Cidadania, coincidem, em parte, com o calendário de pagamento do programa Bolsa Família.

Outra questão destacada pelo MPF é a falta de estrutura dos serviços de saúde e serviços públicos em geral no interior do Amazonas, considerado muito menos preparado para atender a população em relação à capital. O MPF defende que, diante desse cenário, é fundamental garantir segurança alimentar e adequação e garantia do acesso aos benefícios sociais e previdenciários nas aldeias e comunidades por meio das medidas requisitadas na ação judicial para que os povos indígenas, quilombolas e tradicionais permaneçam cumprindo as medidas de isolamento social.

Vulnerabilidade – O MPF ressalta que, historicamente, os povos indígenas sempre estiveram mais vulneráveis biologicamente a viroses, em especial a infecções respiratórias e que os altos índices de mortalidade causados pelas doenças transmissíveis contribuíram de forma significativa na redução do número de indígenas que vivem no território brasileiro. Dados da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) ainda apontam que as doenças do aparelho respiratório são a principal causa de mortalidade infantil na população indígena.

A necessidade de segurança alimentar também foi relatada ao MPF durante reuniões virtuais e em cartas recebidas pelo órgão enfatizando anseios em razão do isolamento social e falta de alimentos suficientes para o sustento das comunidades indígenas. “A comunidade tem seu peixe, sua farinha, mas nem tudo o chão dá”, afirmou o representante do Conselho Nacional dos Seringueiros.

Conforme o MPF, os efeitos da pandemia somam-se às circunstâncias históricas que colocam esses grupos sempre próximos à linha da pobreza. “Com a pandemia covid-19, os pedidos de doação de alimentos, medicamentos e outros insumos básicos se multiplicam todos os dias nos jornais e redes sociais, revelando a urgência dessas medidas, geralmente atendidas por doações de pessoas físicas e organizações não governamentais, as quais preenchem uma lacuna que compete ao Estado brasileiro”, argumenta o órgão na ação civil pública.

Decisão favorável – Ao defender a garantia das medidas solicitadas na ação, o MPF destaca a decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que acolheu recurso do órgão e determinou medidas diferenciadas para a concessão do auxílio emergencial aos povos indígenas da região do Alto e Médio Rio Negro, como forma de evitar a transmissão do coronavírus entre os indígenas. A prorrogação do prazo para saque do benefício e adequação do aplicativo da Caixa Econômica Federal destinado à concessão do auxílio estão entre as medidas determinadas pela Justiça.

“Tais posicionamentos conferem aos comandos constitucionais de proteção às comunidades tradicionais interpretação que busca a garantia dos direitos sociais, à saúde e à igualdade material dessas minorias, com a máxima efetividade possível”, afirma o MPF em trecho da ação.

Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Amazonas
(92) 2129-4700
[email protected]
facebook.com/mpfamazonas
twitter.com/mpf_am