A medida foi proibir a circulação de pessoas entre comunidades e a cidade para prevenir a disseminação da Covid-19
Rio Branco (AC) – Com o registro de casos de coronavírus entre indígenas do Acre, o cacique da aldeia Nova Esperança, Biraci Brasil Yawanawá resolveu fazer um “lockdown” (bloqueio total) da floresta e proibiu, até o final de maio, a circulação dos mais de 370 moradores entre a comunidade e a cidade de Tarauacá, que fica distante a mais de 400 quilômetros de Rio Branco. Outra medida da liderança foi fechar com troncos de árvores o acesso de embarcações à aldeia pelo Rio Gregório e a outra margem do manancial, que é afluente do rio Juruá.
O único acesso de Tarauacá à aldeia Nova Esperança é por via fluvial. A viagem pode levar de cinco a oito horas se for realizada em voadeira com motor de popa. A medida do bloqueio atingiu a Aldeia Sagrado.
A decisão pelo “lockdown” ocorreu após a Prefeitura de Tarauacá confirmar oito casos de coronavírus entre não indígenas. Antes, o cacique Biraci Brasil Yawanawá já tinha cancelado eventos de canto, dança e cerimônias de cura e a presença de visitantes não indígenas na aldeia, que fica dentro da Terra Indígena Rio Gregório.
“Vendo essa situação que está acontecendo não teve outro jeito. Nós estamos correndo muito risco e se isso chegar a acontecer aos nossos povos pode virar um colapso, um massacre total”, disse o cacique Biraci.
Até o dia 16 de maio, Tarauacá registrava 34 casos confirmados de Covid-19. O estado do Acre tem 2.234 notificações da doença e 67 mortes, segundo o boletim do Ministério da Saúde divulgado nesta segunda-feira (18).
Casos de Covid-19 entre indígenas
Entre indígenas, o primeiro caso de Covid-19 foi notificado em 8 de maio no Acre. Um estudante da etnia Huni Kuin, de 25 anos, testou para coronavírus, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre). Mas a Federação do Povo Huni Kuin do Acre afirma que registrou mais um caso de coronavírus em um técnico de enfermagem, que é também da mesma etnia.
O boletim oficial da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, não consta notificações para casos de coronavírus entre indígenas no Acre. O estado conta com um Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei), o Alto Juruá, responsável pelo atendimento de 18.208 pessoas de 14 etnias, que vivem em 162 aldeias.
Segundo o presidente da Federação do Povo Huni Kuin do Acre, Ninawa Inu Huni Kuin, o jovem indígena infectado por coronavírus é natural do município de Santa Rosa do Purus, mas faz curso técnico de enfermagem em Rio Branco. Por este fato, a Sesai não incluiu o caso no boletim epidemiológico.
“Com essa pandemia, ele voltou para o município de Santa Rosa do Purus. Ele estava com sintomas suspeitos, fez o teste e deu positivo. O jovem está em isolamento social, acompanhando ela equipe de saúde e não está com sintomas sérios. Está sendo o mapeamento das pessoas que tiveram contato com ele para as orientações necessárias”, disse a liderança.
Ninawa afirmou que o técnico de enfermagem, que testou para Covid-19, trabalha na Casa de Saúde Indígena (Casai) de Rio Branco. A liderança disse que o profissional chegou a ficar internado em uma unidade de saúde da capital.
“Ele é Huni Kuin, liderança indígena e tesoureiro da federação. Ele passou doze dias internado e teve alta há três dias. Agora, ele está em isolamento e sendo acompanhado pela equipe de saúde e se recupera bem”, disse o presidente da Federação do Povo Huni Kuin do Acre.
A reportagem procurou a coordenação do Dsei Alto Juruá para solicitar esclarecimentos dos casos de Covid-19 entre esse povo, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
No Brasil, até esta segunda-feira (18) a Sesai registrou 402 casos confirmados de novo coronavírus entre indígenas aldeados e 23 mortes. De acordo com o boletim, 151 indígenas com Covid-19 estão “com infecção ativa, que ainda não completou 14 dias em isolamento domiciliar, a contar da data de início dos sintomas, ou, em caso de internação hospitalar, que ainda não recebeu alta médica”. A secretaria não informa na estatística as etnias desses povos.
Os saberes dos anciões
O cacique da aldeia Nova Esperança, Biraci Brasil Yawanawá diz que sua maior preocupação com a pandemia do novo coronavírus é com os anciãos da comunidade, já que eles fazem parte da categoria de risco.
“Os anciões são nossos guardiões dos saberes, das nossas medicinas e histórias. Para nós, povos Yawanawá, se perdemos nossos velhos, perdemos nosso maior tesouro. A única forma que encontramos de dizer para o mundo que estamos preocupados foi fechando o rio (Gregório) ”.
Biraci explicou que o “lockdown” é uma estratégia de prevenção da doença aos povos Yawanawá e que as comunidades estão cientes que sofrerão com falta de mantimentos, mas antes da decisão do bloqueio total de circulação dos indígenas, eles já tinham decidido plantar e aumentar a produção do roçado para evitar um possível desabastecimento.
“Vamos precisar fazer nossos roçados, agora mais do que nunca vamos precisar plantar muito para nossas aldeias. Pensamos em encontrar uma estratégia para depois trazer, de uma forma segura e organizada, esses alimentos para nossas aldeias. Mas enquanto estivermos nos sentindo ameaçados vamos manter fechado”, disse o cacique.
Ele conta ainda que apesar de não existir nenhum caso suspeito de coronavírus nas comunidades, os indígenas estão receosos, principalmente porque toda a assistência médica, remédios e unidades de saúde estão da cidade de Tarauacá. A liderança afirma que as comunidades não receberam apoio do Dsei do Alto Juruá.
A reportagem tentou falar com o órgão, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.
Quando questionado sobre as políticas públicas para os povos indígenas criadas pelo atual governo, o cacique Biraci Brasil Yawanawá é direto e lamenta a situação: “É só para dizer que existe. Há um descaso e fragilidade no cuidado com os povos indígenas. Vemos isso claramente”.
Os Yawanawá (yawa/queixada; nawa/gente) são um grupo pertencente à família lingüística pano que ocupa atualmente a T.I. Rio Gregório. Até 2014, segundo a Sesai, a população no Brasil era estimada em 813 pessoas. Povos dessa etnia vivem também em territórios da Bolívia e do Peru.
Ajuda da Funai não chegou
A reportagem entrou em contato com a Fundação Nacional do Índio (Funai) para obter informações de recursos repassados para o enfrentamento da pandemia do novo coronavírus nas comunidades indígenas do estado do Acre. Segundo órgão, até o momento foram distribuídas 300 cestas básicas. Outras 1.200 ainda serão distribuídas. Porém, essa ajuda ainda não chegou até as aldeias Sagrada e Nova Esperança, diz o cacique Biraci Yawanawá.
“Nós não recebemos nada da Funai. Entrei em contato com a Funai de Cruzeiro do Sul e pedi uma ajuda nesse período de isolamento social. Acho que somos um dos poucos dos povos indígenas que não temos recebido nenhum apoio do governo e nem ONGs. Tudo o que temos conseguido é com nosso próprios esforços e alianças que fizemos ao longo dos festivais Yawanawá”, afirma o líder da aldeia Nova Esperança.
A Funai, por sua vez destaca: “aproximadamente 3 mil cestas de alimentos estão sendo adquiridas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) para serem distribuídas nas próximas semanas no Estado. A logística de entrega será organizada e executada pela Funai”.
Também foi enviado, segundo a fundação, quase R$ 200 mil para as coordenações Regionais do Alto Purus e Juruá para realização de ações no contexto da Covid-19, como a compra emergencial de alimentos para áreas de extrema vulnerabilidade social. A Funai informou ainda que foram suspensas todas as autorizações de entrada em terras indígenas.
Por: Bruna Mello | 19/05/2020 às 01:45
PUBLICADO EM: AMAZÔNIA REAL
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