Especialistas do Museu Goeldi alteram rotinas de trabalho para enfrentar a pandemia e mobilizam diversas redes de contato para auxiliar populações vulneráveis na Amazônia com as quais desenvolvem trabalhos de investigação e extensão.

Museu Goeldi

 

Agência Museu Goeldi – A pandemia causada pelo SARS-CoV-2, o novo coronavírus, tem exigido da população uma sensibilidade extra nas atividades cotidianas e profissionais. Desde o instante que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara o surto uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional no dia 30 de janeiro de 2020, sendo seguida pelo Ministério da Saúde, no Brasil, em 3 de fevereiro , os calendários regionais começaram a ser alterados, tornando mais prementes as vulnerabilidades de cada grupo social. Na Amazônia, especialistas do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) têm se dedicado a apoiar tanto comunidades indígenas e tradicionais quanto populações urbanas, com as quais estabeleceram laços de confiança e parceria ao longo de jornadas científicas. Nessa reportagem abordamos alguns exemplos desse trabalho de escuta e de ação.

Campanha Marajó Vivo – Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) alerta que as regiōes amazônicas com os menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), que inclui o acesso precário à água tratada, ao tratamento de esgoto e à eletricidade, são as mais vulneráveis em relação à ampla propagação do novo coronavírus. Oito dos 16 municípios na região do Marajó, situada ao norte do Pará, estão entre os 50 com menor IDH no país: Breves, Curralinho, Afuá, Anajás, Portel, Bagre, Chaves e Melgaço.

Diante desse cenário, o Museu Goeldi, o Museu do Marajó, a Prelazia do Marajó, a Diocese de Ponta de Pedras, a Irmandade do Glorioso São Sebastião, a Fundação pela Inclusão do Marajó, o Observatório de Direitos Humanos e Justiça Social do Marajó, vinculado à Universidade Federal do Pará (UFPA), e o Instituto Iacitata Amazônia Viva uniram-se na Campanha Marajó Vivo – uma rede de solidariedade para ajudar os mais vulneráveis no combate ao coronavírus na maior ilha fluviomarinha do mundo.

“A pandemia trouxe à tona os grandes problemas enfrentados pela população amazônica. E é esta situação cada vez mais preocupante que nos assusta com o avanço da COVID-19 na região Norte, onde a tragédia se anuncia em grandes proporções”, escreveu em artigo a pesquisadora Ima Célia Guimarães Vieira, ex-diretora do Museu Goeldi e uma das coordenadoras da Campanha.

Vieira explica que a Campanha atua em três eixos: a divulgação de informações, a realização de atividades e a coleta de doações. A ideia é apoiar o combate à propagação do vírus, orientar e acompanhar as políticas públicas emergenciais, e também ações que auxiliem o sustento das famílias que vivem na região.

O primeiro eixo envolve tanto prestar informações úteis à população, como o reforço ao distanciamento social e ao uso de máscaras, quanto sistematizar diariamente, por meio de uma agência de notícias, os números de infectados e óbitos divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde e pelas prefeituras municipais. Entre outros objetivos, essas iniciativas ajudarão a monitorar a expansão da doença, assim como as ações de enfrentamento na região do Marajó.

O segundo eixo inclui o recolhimento de demandas feitas por agentes de saúde e pela sociedade civil, a fim de encaminhá-las aos gestores governamentais. Por meio do diálogo com médicos, pesquisadores e gestores, a proposta é organizar planos de ações emergenciais e de longo prazo, que possam orientar a execução de políticas públicas durante a pandemia. Como exemplo, encaminhar ao governador Helder Barbalho o pedido de implantação de um hospital de campanha na parte oriental do Marajó, que foi enviado pelos bispos da Prelazia do Marajó e da Diocese de Ponta de Pedras.

Por último, a campanha pretende arrecadar alimentos, produtos de higiene e materiais para a confecção de máscaras. Na prática, todas as pessoas que quiserem ajudar poderão levar as doações aos locais definidos nos próprios municípios ou agendando a busca dos produtos pelos números (91) 99989-6061, (91) 98821-6263 e (91) 98254-0882.

Comunidades tradicionais – A manutenção no território e o acesso a informações fundamentais para o combate à COVID-19 por populações tradicionais, indígenas e quilombolas, entre outras, são duas questões que preocupam os pesquisadores do Museu Goeldi na área de Ciências Humanas.

“Para as populações tradicionais, a preocupação maior é a sua manutenção no território, porque vivem de produtos extrativistas ou das suas colheitas enquanto estão abastecendo pequenos mercados, mercados locais e até regionais. Então, a maior preocupação é estarem desassistidas de acompanhamento, de informação. Eu tenho mantido contato com algumas lideranças e alguns grupos, realmente há uma carência de informação sobre o que significa exatamente palavras como lockdown”, aponta Regina Oliveira, especialista em Ecologia Humana.

Ela conta que o acompanhamento a alguns grupos tem sido feito por pesquisadores e estudantes de pós-graduação, que detectaram que ainda faltam para comunidades informações básicas, a exemplo dos métodos de higienização dos espaços e objetos, os produtos de limpeza mais acessíveis, como a água sanitária, e as suas formas de uso.

Além disso, diante das pressões de grupos externos sobre diversos territórios indígenas e quilombolas durante a pandemia, a pesquisadora destaca a importância de um programa de auxílio emergencial específico para essas populações, assim como o apoio da sociedade por meio de financiamentos coletivos e campanhas de doações nas redes sociais.

“É necessário que a sociedade entenda a importância da manutenção dos povos em seus territórios, saiba quais são as atividades que esses grupos sociais exercem que nos permite hoje ter biodiversidade garantida, ou uma medicação específica, ou uma pesquisa mais avançada a partir dos conhecimentos gerados pelas populações tradicionais”, ressalta.

Belém – Ao instalar nos anos 80 do século passado seu Campus de Pesquisa no bairro da Terra Firme, um dos seis bairros populares que circundam a bacia do Tucunduba na capital paraense, o Museu Goeldi iniciou com a comunidade do bairro uma ampla parceria que rendeu experiências diversas e muitos frutos. Um dos resultados do longo intercâmbio é o Ponto de Memória da Terra Firme, que se tornou espaço generoso para o prosseguimento da relação entre educadores da instituição e jovens dedicados à sua capacitação profissional. Minicursos e oficinas, até então desenvolvidos presencialmente, passaram a ser ofertados de forma online desde o mês de abril , “como incentivo a que continuem seu processo de aprendizagem, ainda que de forma simplificada, mas respeitando a quarentena”, resume a educadora e orientadora do projeto, Helena Quadros, do Serviço de Educação do Museu Goeldi.

Aulas e materiais didáticos, com especial colaboração de pesquisadores da Coordenação de Botânica, são disponibilizados gratuitamente aos alunos que já haviam cumprido as atividades nos meses de fevereiro e março. O calendário segue até junho, com oficinas de jardinagem aquática e aquarismo e os minicursos de educação ambiental aplicada à pesca e de medidas para qualidade do pescado, tendo como intermediário o perfil @circuloverd, da rede social Instagram, a de maior alcance junto a este público. “Mais de 300 pessoas seguem a página e interagem com os conteúdos. Há pessoas da comunidade, professores, alunos das escolas do bairro e alunos universitários das federais e estaduais do Pará. É uma oportunidade para o futuro empreendedor, para quando terminar este momento tão delicado”, define.

Texto: Brenda Taketa e Erika Morhy

PUBLICADO EM;    MUSEU GOELDI