A Floresta amazônica brasileira e os povos indígenas que vivem nela estão sob uma variedade de ameaças, variando de rodovias, hidroelétricas, mineração, pecuária e agricultura [1].

Aproximadamente 80% da Floresta amazônica do Brasil ainda está de pé [2], mas novas ameaças estão surgindo. Uma das principais ameaças é a abertura de estradas, que causam desmatamento, atraem garimpeiros e colonos de todos os tipos e, consequentemente, desrespeitam os povos tradicionais e a diversidade ecológica da região [1].

De acordo com as promessas da campanha nas eleições presidenciais de 2018, os políticos estão pressionando para acelerar uma proposta de reconstrução da rodovia BR-319, abandonada há muito tempo, que ligaria Manaus na Amazônia Central relativamente imperturbada ao estado de Rondônia, no notório “Arco do desmatamento”.

O “Arco do desmatamento” é uma área ao longo das margens sul e leste da região Amazônica brasileira que, além do desmatamento, tem o maior número de conflitos de terra e assassinatos de ativistas ambientais [3]. A reconstrução da rodovia aumentaria bastante as taxas de desmatamento em todas as áreas já conectadas por estradas a Manaus, estendendo-se para o norte até a fronteira com a Venezuela [4]. A BR-319 também aumentaria bastante o desmatamento por causa de suas estradas laterais planejadas, dando aos desmatadores acesso à vasta área de floresta tropical na parte oeste do estado do Amazonas – muito além da rota rodoviária [5].

A construção de estradas na Amazônia tem um papel crítico na condução do aumento demográfico da região. Por exemplo, estima-se que as duas primeiras estradas principais (Belém-Brasília e Brasília-Acre) aumentaram em cinco vezes a população da Amazônia brasileira entre 1950 e 1960, pondo em movimento o rápido crescimento que continuou nas décadas seguintes ([3], p. 8). Os processos de abertura de estradas e aumento demográfico por meio da migração são responsáveis pelo desmatamento, extração de madeira, incêndios florestais, grilagem de terras e surtos de malária, entre outros impactos [7-10].

Um estudo de impacto ambiental foi elaborado para a BR-319, mas ainda não foi aprovado. A aprovação, segundo as políticas brasileiras atuais, exige consulta às comunidades indígenas localizadas a 40 km de ambos os lados da rodovia ([11]: Anexo II, [12]). Contudo, como ocorreu com outras rodovias, os impactos das estradas geralmente se estendem muito além dos 40 km. A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), assinada pelo Brasil em 1991 e ratificada em 2002, exige a consulta dos povos indígenas quando esses povos seriam direta ou indiretamente impactados pelos projetos de desenvolvimento propostos. Os termos da Convenção 169 da OIT foram convertidos em lei brasileira em 2004 [13]. Também são necessárias consultas pela Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas da Organização das Nações Unidas [14], que o Brasil assinou, mas ainda não ratificou. Aqui identificamos comunidades indígenas na área afetada pela reconstrução proposta da Rodovia BR-319. Todos os dados utilizados neste artigo são públicos e estão disponíveis nas fontes citadas.[15]

Notas

1] Fearnside, P. M., 2017a. Deforestation of the Brazilian Amazon. In: H. Shugart (ed.) Oxford Research Encyclopedia of Environmental Science. (Oxford University Press, New York).

[2] MapBiomas, 2019. Cobertura e Uso do Solo, 2019. Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), São Paulo, SP. Disponível em:

[3] Becker, B. K., 2001. Síntese do processo de ocupação da Amazônia – Lições do passado e desafios do presente. p. 5-28 In: V. Fleischresser (ed.) Causas e Dinâmicas do Desmatamento na Amazônia, Ministério do Meio Ambiente (MMA), Brasilia, DF. 436 p.

[4] Ferrante, L., Fearnside, P. M., 2019. Brazil’s new president and “ruralists” threaten Amazonia’s environment, traditional peoples and the global climate. Environmental Conservation 46(4): 261-263.

[5] Barni, P. E., Fearnside, P. M., Graça, P. M. L. A., 2015. Simulating deforestation and carbon loss in Amazonia: Impacts in Brazil’s Roraima state from reconstructing Highway BR-319 (Manaus-Porto Velho). Environmental Management 55(2): 259-278.

[6] Fearnside, P. M., Graça, P. M. L. A., 2006. BR-319: Brazil’s Manaus-Porto Velho Highway and the potential impact of linking the arc of deforestation to central Amazonia. Environmental Management 38(5): 705-716.

[7] Sawyer, D., 1989. Población, desarollo y medio ambiente en la región amazónica brasileña: el papel de las políticas oficiales. p. 43-50. In: C. Reboratti. (ed.). Poblacion y Ambiente en America Latina. 1 ed. Grupo Editor Latinoamericano S.R.L, Buenos Aires, Argentina. 180 p.

[8] Sawyer, D., 2001. Evolução demográfica, qualidade de vida e desmatamento na Amazônia. p. 73-90 In: V. Fleischresser (ed.) Causas e Dinâmicas do Desmatamento na Amazônia. Ministério do Meio Ambiente (MMA), Brasilia, DF. 436 p.

[9] Laurance, W. F., Albernaz, A. K. M., Schroth, G., Fearnside P. M., Bergen, S., Venticinque, E. M., da Costa, C.,2002. Predictors of deforestation in the Brazilian Amazon. Journal of Biogeography 29: 737-748.

[10] Fearnside, P. M., 2003. A Floresta Amazônica nas Mudanças Globais. Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), Manaus, Amazonas. 134 p.

[11] MMA (Ministério do Meio Ambiente), 2011. Portaria Interministerial Nº 419, de 26 de outubro de 2011. Diário Oficial da União, 28 de outubro de 2011 (nº 208, Seção 1, p. 81).

[12] MMA (Ministério do Meio Ambiente), 2015. Portaria Interministerial Nº 60, de 24 de março de 2015. Diário Oficial da União, 25 de março de 2015 (nº 57, Seção 1, p. 71).

[13] PR (Presidência da Republica), 2004. Decreto No 5.051, de 19 de abril de 2004. PR, Brasilia, DF.

[14] United Nations, 2006. United Nations Declaration of the Rights of Indigenous Peoples. United Nations, New York, E.U.A. 28 p.

[15] Esta série de textos é traduzida de: Ferrante, L.; M. Gomes & P.M. Fearnside. 2020. Amazonian indigenous peoples are threatened by Brazil’s Highway BR-319. Land Use Policy. art. 104598

A imagem deste artigo mostra desmatamento no entorno da BR-319 (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)

Por: | 27/05/2020 às 22:42

Lucas Ferrante, Mércio Pereira Gomes e Philip Martin Fearnside 

Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 500 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.

VER MAIS EM : 

BR-319 ameaça povos indígenas 1: – Resumo da série  https://amazoniareal.com.br/br-319-ameaca-povos-indigenas-1-resumo-da-serie/

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