A suspeita é de que a disseminação da pandemia de coronavírus tenha acontecido por garimpeiros que invadem a Terra Indígena, em Roraima.

O povo Yanomami quer a expulsão dos garimpeiros (Foto: Bruno Kelly)

O Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Yanomami, ligado ao Ministério da Saúde, informou na noite desta terça-feira (7), que um segundo teste realizado em um adolescente da etnia Yanomami, de 15 anos, deu positivo para o novo coronavírus, em Roraima.

Lideranças indígenas acreditam que a invasão de garimpeiros possa ser o vetor de transmissão da doença na Terra Indígena Yanomami. No território, localizado entre os estados de Roraima e Amazonas, vive uma população 26.789 pessoas.

“Diante desse resultado, a equipe do Dsei Yanomami vem realizando as medidas protocoladas e as recomendações do que determina o Ministério da Saúde e a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) ”, anunciou um comunicado do órgão federal. O jovem está em tratamento na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista.

Com a confirmação do teste positivo no jovem Yanomami, aumentou para cinco o número de indígenas da Amazônia infectados com a doença. Em Santo Antônio do Içá, no Amazonas, quatro indígenas do povo Kokama estão no isolamento devido à contaminação do novo coronavírus.

Segundo o Instituto Sociambiental (ISA), dois indígenas já morreram infectados pela doença: uma mulher da etnia Borari, de 87 anos, de Alter do Chão, em Santarém (PA); e um homem do povo Mura, de 55 anos, do município de Itacoatiara, no Amazonas. Como eles viviam em cidades e, por isso são classificados como indígenas não aldeados, os dois não foram atendidos pela Sesai.

Atendimento precário

No colo da mãe, criança yanomami com problema pulmonar por causa das queimadas (Foto: Prevfogo/Ibama-RR)

A suspeita de Covid-19 no adolescente Yanomami foi anunciada na sexta-feira (03 de abril) quando ele foi internado no Hospital Geral de Roraima (HGR), em Boa Vista, com sintomas de gripe. O Dsei informou que o quadro de saúde do jovem era de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG). O exame realizado com as amostras das secreções (garganta e nariz) do adolescente teve resultado negativo para Covid-19. A suspeita continuou a ser investigada. O adolescente permaneceu internado na UTI.

A situação da saúde do jovem Yanomami levou pânico aos povos indígenas de Roraima. Ele mora na região do polo base Uraricoera, no município de Alto Alegre, dentro da Terra Indígena Yanomami, área de grande fluxo de garimpeiros – estima-se que 20 mil estejam dentro do território explorando ilegalmente ouro e outros minérios.

Gerson Xiriana, presidente da Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima, um dos subgrupos Yanomami, disse que o clima na aldeia é de medo sobre “esse coronavírus”, principalmente por causa da invasão de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami. “Vamos nos proteger com nossos pajés, eles vão defender as aldeias”, disse.

A notícia do primeiro caso de Covid-19 entre indígenas Yanomami repercutiu nas redes sociais. O antropólogo francês Bruce Albert disse que o jovem vive em uma aldeia “da região do rio Uraricoera área de garimpo”. Ele também destacou que o adolescente não foi atendido pelo sistema de saúde quando sentiu os primeiros sintomas da gripe.

“Estava (o jovem) perambulando entre Casai leste e HG de RR desde 19/3 com sintomas respiratórios característicos e prescrição de antibióticos. Conviveu com muita gente desde então”, disse o antropólogo e etnógrafo Bruce Albert, amigo do líder e xamã Davi Kopenawa desde os anos 70 e ambos parceiros na autoria do livro “A queda do céu”.

Junior Simões, também da Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima, repercutiu na rede social de Bruce Albert a situação do jovem Yanomami. “Vale ressaltar que este paciente esteve na comunidade Uraricoera antes de ser removido; e somente foi removido após a comunidade ameaçar a equipe, logo o Dsei removeu, porém, levou a equipe de saúde da comunidade deixando o posto fechado. Logo nenhum protocolo foi seguido de imediato como preconiza o MS. Várias comunidades podem estar infectadas com este vírus após esse caso confirmado”, afirmou.

No dia 19 de março, a Hutukara Associação Yanomami (Hay), dirigida pelo líder Davi Kopenawa Yanomami, alertou que a invasão de garimpeiros, que já impacta a saúde e o meio ambiente, é um perigo para a disseminação da pandemia de coronavírus no território.

“Tem muitos caminhos pelos rios, pelo ar e pela terra que os garimpeiros abriram na Terra Indígena Yanomami. Isso é uma grande ameaça à nossa saúde. Eles têm barcos, helicópteros e aviões, e assim invadem nossas terras sem nossa autorização, trazendo doenças e destruição à terra-floresta. As autoridades precisam tomar medidas urgentes para impedir essa circulação ilegal”, disse o comunicado da Hutukara.

Em Roraima, até esta terça-feira (6), o Ministério da Saúde confirmou 49 pessoas infectadas por coronavírus e uma morte. Os casos se concentram em Boa Vista, com 42 confirmações, Alta Alegre (1), Cantá (3), Bonfim (3), município que faz fronteira com a Guiana. A Sesai ainda não incluiu na plataforma de dados a confirmação do caso no jovem Yanomami.  

Morte de motorista da Casai

Manifestação em 2019 contra mudanças da diretoria do DSEI em Roraima (Foto: Yolanda Mêne/Amazônia Real)

A primeira morte por Covid-19 no estado foi a de Edil Castro Miranda, de 61 anos, motorista da Casa do Índio (Casa do Índio), administrada pela Sesai. Edil cumpria a quarentena domiciliar, mas em 28 de março deu entrada no Hospital Geral de Roraima (HGR) tendo como sintomas de febre, tosse e dificuldade para respirar. Foi encaminhado para a Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), onde foi diagnosticado com o novo coronavírus. O idoso também era diabético e hipertenso.

Isolado, Edil recebeu ventilação mecânica e foi medicado com cloroquina e azitromicina, alguns dos remédios sugeridos pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para tratar o vírus. Mas na tarde da sexta-feira (3 de abril) ele foi a óbito.

Em outras terras indígenas, como a Raposa Serra do Sol, os povos estão cumprindo as regras de isolamento social. O coordenador-geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR), Enock Taurepang, tem circulado por várias comunidades e verificou muitas sinalizações de proibição de acesso, porém viu poucos guardas.

“As pessoas estão cada vez mais se conscientizando e os grupos de vigilância estão se fortalecendo e se adaptando a todo cuidado, fazendo alternância de turnos (entre 4 e 5 por turno) para evitar aglomerações”, explicou Enock. A orientação é que eles trabalhem de acordo com os decretos municipais. “Há pessoas que não entendem, acham que essas proibições são só para estimular brigas”, diz.

Algumas comunidades estão vendo de maneira positiva essa vigilância, segundo Enock Taurepang. As dificuldades de acesso, além de inibirem a entrada do vírus, têm reduzido crimes, como garimpo, venda de drogas e bebidas alcóolicas e roubo de animais.

“Temos tentado ficar o máximo dentro das nossas comunidades. Quando precisamos sair, para comprar algo na sede dos municípios ou em Boa Vista, nos sentimos um pouco impotentes, pois sabemos que os casos têm crescido de forma surpreendente. As comunidades ficaram assustadas principalmente com o primeiro óbito em Roraima. Mas temos nos resguardado ao máximo”, disse o coordenador.

O CIR, que representa 242 comunidades, suspendeu por tempo indeterminado as viagens nacionais e internacionais de todos os membros da instituição e recomendou ainda que as lideranças evitem visitas dentro de suas terras. Para indígenas recém-chegados de viagens para áreas de transmissão do coronavírus e com sintomas, a orientação é que procurem atendimento médico antes de regressarem às aldeias. Os eventos do Movimento Indígena, incluindo o Acampamento Terra Livre Roraima 2020, foram adiados.

A agência Amazônia Real procurou a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e o Dsei Yanomami para repercutir o primeiro caso de Covid-19 em indígena Yanomami, mas não obteve resposta sobre as ações que serão tomadas a partir de agora. O órgão não informou de quem o menino contraiu a doença.

No dia 17 de março, a Sesai tornou público na internet o “Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo novo Coronavírus (Covid-19) em povos indígenas”. A série de 12 documentos distribuídos pela Sesai orienta quais procedimentos devem ser adotados na prevenção e no tratamento de indígenas infectados com coronavírus. Para agilizar os procedimentos, foi pedida a dispensa de licitação para a aquisição de máscaras cirúrgicas descartáveis; álcool em gel 70%; máscara N95 (classe PFF-2); luvas, aventais e toucas descartáveis; óculos de proteção individual; sabão líquido e papel toalha. Cada Dsei deve informar sobre outros insumos que venham a precisar.

A Sesai também anunciou o envio de 6.000 testes rápidos para Covid-19 para os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis) no país. O órgão, que é o responsável por planejar, coordenar, supervisionar, monitorar e avaliar a implementação da Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, observados os princípios e as diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), atende a uma população de mais de 800 mil indígenas aldeados. Na Amazônia Legal, 25 Dseis atendem a uma população de 433.363 pessoas.

Destruição causada pelo garimpo ilegal no Rio Uraricoera, Terra Indígena Yanomami, dezembro de 2015 (Foto: Guilherme Gnipper | FUNAI)


Por Nayra Wladimila e Kátia Brasil, da Amazônia Real

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PUBLICADO POR; AMAZÔNIA REAL     AMAZONIA.ORG.BR