União deve adotar imediatamente medidas para suspender o Decreto nº 10.084/2019 e restabelecer os efeitos da legislação anterior, de 2009, que restringe as áreas para cultivo da cana-de-açúcar.
A Justiça Federal no Amazonas atendeu ao pedido do Ministério Público Federal (MPF) em ação civil pública e concedeu decisão liminar que proibiu o financiamento com recursos públicos do cultivo de cana-de-açúcar na Amazônia. A limitação das áreas destinadas à atividade havia sido revogada pelo Decreto nº 10.084/2019, assinado pelo presidente Jair Bolsonaro, sem apresentar qualquer motivação técnica para a medida.
De acordo com a decisão liminar, a União deve adotar imediatamente as providências para que a legislação anterior, o Decreto nº 6.961/2009, tenha seus efeitos restabelecidos quanto a definição de zonas para o cultivo da cana-de-açúcar. A União deve comunicar sobre a decisão os órgãos ambientais licenciadores federal, estaduais e municipais (da Amazônia Legal), para que não sejam autorizadas ou licenciadas atividades de plantio de cana-de-açúcar na região.
A ação civil pública foi ajuizada em dezembro de 2019 por procuradores da República integrantes da Força-Tarefa Amazônia (FT Amazônia), acompanhada de estudos científicos divulgados pela Revista Science, uma das publicações de maior impacto científico do mundo. No documento, foram apontadas evidências científicas de possíveis danos ambientais irreversíveis provocados pela cultura da cana na Amazônia sobre a biodiversidade e os serviços prestados por ela, com impactos sobre o abastecimento de água e a agricultura em várias regiões do país.
Desastres ambientais – A decisão judicial destacou as consequências de alcance global que os desastres ambientais podem provocar, citando a disseminação de pragas e vírus, como o novo coronavírus, que gerou a pandemia da covid-19. “A ciência aponta que o vírus responsável pela pandemia atual tem como primeiro portador os morcegos e hospedeiro natural um mamífero silvestre que vive principalmente na Ásia, chamado pangolim. O descontrole entre ambas as espécies – colocadas inclusive como alimentos da espécie humana – gerou o contato do homem com o novo coronavírus e impactou a civilização humana atual, gerando mortes em massa, prejuízos econômicos e sociais sem precedentes”, afirma trecho da decisão.
A não apresentação de estudos científicos, por parte do governo, para justificar a liberação das áreas da Amazônia para o cultivo da cana-de-açúcar também foi um dos pontos abordados na decisão da Justiça Federal. “Dessa forma, liberar os biomas Amazônia, Pantanal e Bacia do Alto Paraguai, terras indígenas e áreas de proteção ambiental sem qualquer estudo científico de viabilidade é apostar na certeza de novos desastres e pragas ambientais, sujeitando povos a genocídios ou massacres imprevisíveis”, ressalta a decisão.
Danos extrapolam a Amazônia – Estudo técnico que embasou o Decreto nº 6.961/2009 apontou que o Brasil possuía, naquele período, cerca de 63,48 milhões de hectares de áreas aptas à expansão do cultivo. Desse total, 18 milhões de hectares foram considerados de alto potencial produtivo, apontando que não era preciso incorporar áreas novas e com cobertura nativa ao processo produtivo.
Segundo o MPF, estudos científicos apontam que a revogação dos limites para o cultivo da cana-de-açúcar teriam, como efeito colateral, o aumento do desmatamento na região, além de apresentar ameaças à biodiversidade e florestas adjacentes, considerando que as ‘pastagens naturais’ da Amazônia – locais destinados ao plantio de cana – correspondem a ecossistemas de grande diversidade biológica, abrigando espécies raras ou ameaçadas de extinção.
A diminuição de serviços ambientais essenciais para a agricultura e para o abastecimento de água do Sul e Sudeste do país também é um dos riscos apontados na ação com base em evidências científicas, já que a Amazônia é responsável pelo transporte do vapor de água que gera chuvas sobre as áreas agricultáveis, por meio do fenômeno conhecido como ‘rios voadores’ que promovem a regulação climática para área com maior população e produção agrícola da América do Sul.
Além da suspensão dos efeitos do Decreto nº 10.084/2019, para a retomada da vigência da legislação de 2009 relativa ao zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar, o MPF pediu também a condenação da União, ao final da apuração, ao ressarcimento dos danos materiais eventualmente causados ao meio ambiente, ou a implementar medidas compensatórias correspondentes ao dano ambiental causado, além do pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor mínimo de R$ 1 milhão.
Da decisão liminar, cabe recurso. O pedido relativo ao ressarcimento ou compensação dos danos causados deve ser analisado pela Justiça Federal ao final da tramitação do processo.
A ação segue tramitando na 7ª Vara Federal no Amazonas, sob o nº 1016202-09.2019.4.01.3200.
Força-Tarefa Amazônia – A ação civil pública que busca a suspensão do Decreto 10.084/2019 foi proposta por procuradores da República que atuam no Amazonas e integram a Força-Tarefa Amazônia (FT Amazônia), criada em agosto do ano passado, com o objetivo de atuar no combate à mineração ilegal, ao desmatamento, à grilagem de terras públicas e à violência agrária. Formada por procuradores da República lotados em estados da Amazônia Legal, a força-tarefa decorre de demandas da sociedade civil, expressas no Fórum Diálogo Amazonas, presidido pelo MPF no Amazonas com o apoio dos procuradores da região.
O processo judicial é resultado das investigações promovidas pelo MPF em inquérito civil instaurado para apurar a licitude da liberação do plantio de cana-de-açúcar na Amazônia, diante de possíveis danos ambientais derivados da atividade e da não adoção de medidas para sua mitigação.
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