Profissionais da saúde indígena trabalham sem os equipamentos necessários da prevenção como luvas, máscaras e aventais, denuncia sindicato.
A Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, já registra casos do novo coronavírus em indígenas que estão em tratamento, por outras doenças, dentro da Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai) de Manaus, capital do Amazonas. Na Casai Leste e em dois Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), em Roraima, também há registros da doença: são 9 casos confirmados de Covid-19 em profissionais da saúde não indígenas e em um indígena Yanomami. Os funcionários trabalham – muitos sem equipamentos de proteção – nas unidades desses dois estados da Amazônia Ocidental.
As Casais estão localizadas nas sedes de municípios de referência dos Dseis. Elas oferecem cuidados de saúde como alojamento e alimentação para pacientes e acompanhantes, marcação de consultas, exames e internações hospitalares, diz a Sesai.
A Sesai disse à Amazônia Real que, em Boa Vista, capital de Roraima, são 9 funcionários do órgão testados positivos por Covid-19. Na Casai Leste são 2 motoristas, 1 enfermeiro e 1 colaborador. No Dsei Leste, 1 coordenador e 1 assistente administrativo estão com a doença. Na Casai Yanomami, 1 farmacêutico teve o exame confirmado para o novo coronavírus. O Dsei Yanomami confirmou dois casos, entre eles, 1 assessor indígena testou positivo. Ele é da etnia Yanomami.
Na Casai Manaus, que fica na zona rural da capital, a Sesai confirmou à reportagem que há pacientes indígenas infectados pela Covid-19 e que o vírus contaminou os acompanhantes e profissionais de saúde, mas não divulgou o número de pessoas testadas e nem suas etnias.
Em entrevista à Amazônia Real por telefone, o indígena Milton Makxi, de 48 anos, relatou a situação de um surto de coronavírus dentro da Casai Manaus. Ele é da etnia Hixkaryana, da Terra Indígena Nhamundá-Mapuera, que fica na divisa do Amazonas com o Pará.
“Pegamos a doença aqui mesmo, não viemos com ela. Tem mais ou menos de oito a dez pessoas com a doença”, assegura Milton Makxi, que afirmou ter sentido todos os sintomas da doença, embora apenas um parente seu, da mesma etnia, tenha sido submetido ao teste, resultando em positivo.
Milton é paciente na Casai Manaus desde o mês de março, quando foi transferido de sua comunidade para fazer um tratamento neurológico após sofrer um AVC (acidente vascular cerebral). “Estamos nos recuperando, graças a Deus. Estamos bem guardados, de quarentena. Todos estão empenhados para que a situação não se agrave. A equipe da Casai está trabalhando incansavelmente”, disse ele sobre seu estado de saúde e dos outros indígenas.
No Boletim Epidemiológico que a Sesai informa diariamente a situação do coronavírus em indígenas considerados “aldeados” (oriundos de terras indígenas) e, que são atendidos pelos Dseis, não é possível saber se foram contabilizados esses novos casos de povos infectadas pela Covid-19 nas Casais e quais são suas etnias.
Foi no Dsei Alto Solimões a primeira notificação de caso do novo coronavírus em indígena no Brasil. Da etnia Kokama, uma agente indígena de saúde foi infectada por um médico do distrito. Mais três Kokama, familiares da agente, testaram positivo para Covid-19, além de 15 profissionais da saúde. Todo estão curados.
Também no Amazonas, a Sesai registrou três mortes de indígenas: um ancião do povo Tikuna, uma mulher Kokama e um tuxaua Sateré-Mawé. Na ocasião, a suspeita é que o ancião e a mulher foram infectados pelo vírus em hospitais públicos. Os acompanhantes deles ficaram no isolamento dentro da Casai Manaus.
No Dsei Yanomami, em Roraima, a Sesai registrou um caso confirmado do novo coronavírus e uma vítima, que foi o jovem Yanomami de 15 anos que morreu em 9 de abril. Durante o tratamento do adolescente, os pais dele ficaram no isolamento dentro da Casai Yanomami.
Antes da morte do jovem, um funcionário não indígena da Casai Leste morreu por consequências da Covid-19. O motorista Edil Costa Miranda, 61 anos, foi o primeiro caso da doença no estado de Roraima. Ele apresentou os sintomas de febre, tosse, falta de ar e faleceu na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Geral de Roraima, no dia 3 de abril.
A coordenadora-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Nara Baré, disse à agência Amazônia Real que as Casas de Apoio a Saúde Indígena (Casais) podem estar se transformando em vetores de transmissão da doença entre indígenas. Ela destacou que a falta de estrutura, de equipamentos e do pouco número de funcionários para atender às populações indígenas nos Dseis refletem diretamente nas Casais.
“A Casai aqui em Manaus está em colapso também. Estão sem material de proteção individual, não estão fazendo a barreira epidemiológica adequada e não sabemos como está o processo de quarentena para que esses indígenas retornem”, afirmou.
Nara Baré afirmou que é preciso que o Dsei Manaus tenha diálogo com as organizações para que as informações sejam passadas adequadamente aos indígenas. Ela contou ainda que Coiab iria reunir-se com o Ministério Público Federal (MPF) para discutir o assunto da Covid-19 na Casai Manaus.
Em meio ao aumento do número de casos de Covid-19, o Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Privado de Serviço de Saúde do Estado de Roraima denunciou ainda em março a falta de itens básicos como máscaras e luvas para os trabalhadores da saúde indígena.
“É sabido que é necessário tomar certas precauções para o vírus não se propagar tanto, porém o Dsei Leste que é o responsável por mandar profissionais da área de saúde para prestar serviços em área indígena não está disponibilizando EPIs ( Equipamento de Proteção Individual ) aos profissionais, nem para sua proteção individual, nem para segurança na execução de seu trabalho”, diz trecho do ofício, frisando que também faltam “materiais em geral, como luvas, gorros, aventais descartáveis, máscaras”, entre outros equipamentos.
Casos sobem para 84 no país
No Brasil, segundo a Sesai, há 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis). A estrutura de atendimento conta com unidades básicas de saúde indígenas, polos bases e as Casas de Apoio a Saúde Indígena (Casai). São mais de 800 mil indígenas atendidos por essa estrutura.
Nesta sexta-feira (24), o boletim da Sesai mostrou um grande salto no número de indígenas infectados pela doença no Brasil, chegando agora a 84 casos confirmados. Destes, 80 são no Amazonas: 42 são registrados pelo Dsei Alto Solimões (que abrange municípios como Tabatinga, Benjamin Constant, Santo Antônio do Içá e Amaturá, e etnias como Tikuna e Kokama); 17 registrados pelo Dsei Parintins (municípios de Parintins, Nhamundá, Barreirinha e Maués e etnias como Sateré-Mawé e Hixkaryana); 2 no Dsei Médio Purus (Lábrea e Tapauá); e 19 no Dsei Manaus (que abrange 19 municípios, tais como Autazes, Careiro, Urucurá, Borba e Itacoatiara, e etnias como Mura e Munduruku).
Na ordenação da gestão, o Dsei Manaus também recebe indígenas encaminhados por outros Dseis do Amazonas para atendimentos de média e alta complexidade, e que são abrigados na Casai Manaus.
Segundo a Sesai, a Casai Leste, em Boa Vista, atende a uma população de 51.174 indígenas de 14 etnias distintas e 310 aldeias. Os povos são Macuxi, Sapara, Wai-wai, Wapichana, Ingarikó e Taurepang, também assistidos pelo Dsei Leste. Já o Dsei Yanomami atende 26.785 pessoas de 366 aldeias das etnias Yanomami, Sanumã, Ye’kuana e Ninan.
O que diz a Sesai?
Atualmente, há 95 pacientes e 85 acompanhantes na Casai Manaus, segundo a Sesai, em nota enviada à Amazônia Real. Destes, 50 pacientes já tiveram alta após tratamento de outras doenças, mas não puderam retornar às aldeias devido ao bloqueio dos municípios. Na nota, a Sesai não informou o número de indígenas testados por Covid-19.
“Para atender a esses indígenas, o Dsei Manaus articulou junto ao município, estrutura completa para abrigar os pacientes de alta que ainda não puderam retornar aos municípios de origem”, diz nota da Sesai enviada à reportagem.
A Sesai diz ainda que não há registros de outros casos de Covid-19 em Casais da região Norte. O órgão informou ainda que, como parte do Plano de Contingência dos Dseis, os pacientes que recebem alta e seus acompanhantes passam por quarentena de 14 dias e fazem testes rápidos para o novo coronavírus antes de retornarem às aldeias.
Sobre a denúncia de falta de materiais, o Dsei Leste de Boa Vista informou que possui 420 testes rápidos de Covid-19, mas que não há EPIs suficientes para todos os 456 Agentes Indígenas de Saúde (AIS). “Por isso os 34 polos-base estão sendo priorizados”, disse em nota.
Já o coordenador do Dsei Yanomami, Francisco Dias, disse que em razão da notificação de dois novos casos de Covid-19 entre colaboradores “estão sendo tomadas medidas de prevenção como isolamento domiciliar de contatos e sintomáticos respiratórios, além de uso de EPI”.
Com relação à divulgação dos casos de novo coronavírus em funcionários indígenas e não indígenas, o Dsei Leste disse que “só está autorizado a notificar em boletim os indígenas de abrangência do Dsei”. Isto é, os aldeados.
“Nossos colaboradores estão entrando nas notificações do município de Boa Vista. Uma vez que o contágio ocorreu fora da aldeia”, detalhou a assessoria do Dsei Leste, acrescentando que “não podemos confirmar casos de colaboradores como registro oficial”, acrescentou.
À reportagem, o MPF disse que, de acordo com informações repassadas pela Casa de Saúde Indígena (Casai) de Manaus, dois espaços foram reservados para o isolamento de indígenas acometidos pela covid-19.
“Um dos espaços funciona dentro da própria Casai. Outro local que está sendo utilizando para o isolamento, cedido pelo Município de Manaus, é a Escola Municipal Carlos Santos, situada ao lado da Casai, na rodovia AM-010. A Casai também informou que há profissionais de saúde e indígenas contaminados, mas estão sendo tomadas medidas preventivas para evitar a propagação do vírus”.
De quarentena na Casai Manaus
A Casai Manaus é a maior unidade do Amazonas e recebe pacientes e acompanhantes vindos de diferentes áreas do estado e que precisam de atendimento de saúde de média e alta complexidade.
Milton Makxi contou à Amazônia Real que quando chegou de sua comunidade a Manaus, em março passado, teve uma consulta com um neurologista. Depois iria para uma outra consulta, mas esta foi cancelada por causa da pandemia na capital do Amazonas. Ele contou à reportagem que começou a sentir os sintomas da doença há mais de uma semana.
Desde então, o indígena Hixkaryana aguarda o fim da quarentena na Casai Manaus, localizada na rodovia AM-010 (Manaus-Itacoatiara). Está acompanhado de outro Hixkaryana, que chegou a ser internado no Hospital Delphina Aziz, unidade de referência para o tratamento da doença, e que já teve alta. Os dois e um indígena da etnia Sateré-Mawé estão isolados no mesmo alojamento da Casai, com sintomas da doença, segundo Milton.
“Fiquei com muita dor no peito e no corpo, falta de ar, febre alta, dor de cabeça. Mas fiz tratamento na Casai mesmo. O médico nos atendeu aqui. Estamos sendo bem cuidados. O exame foi feito só no outro Hixkaryana, que deu positivo, mas eu também estava com a síndrome”, disse Milton Makxi.
Segundo ele, havia outro indígena Hixkaryana na Casai Manaus com a covid-19. Ele já retornou, mas está em quarentena na Casai localizada em Parintins, no Baixo Rio Amazonas, na área de cobertura do Dsei Parintins.
À Amazônia Real, Guilherme Hixkaryana, também da TI Nhamundá-Mapuera, disse que se trata de um parente que estava em Manaus acompanhando a esposa para tratamento e que acabou sendo infectado na capital.
“Esse parente foi com a esposa. Ela teve consulta no Hospital 28 de Agosto, onde o coronavírus está circulando. Ele acha que contraiu lá. A esposa dele teve alta e eles foram removidos para Parintins de helicóptero. Quando chegou, sentiu febre, dor de cabeça e foi internado. Foi feito um primeiro teste e deu negativo. Mas o segundo foi para o Lacen, em Manaus, e deu positivo. Ele continua em Parintins, se recuperando. Não voltou para a aldeia”, disse Guilherme.
Mesmo quando a quarentena finalizar, Makxi não sabe quando irá retornar à sua aldeia, na Terra Indígena Nhamundá-Mapuera. O transporte via fluvial e rodoviário no Amazonas está suspenso até 30 de abril pelo decreto assinado pelo governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC).
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