Também foi recomendada a revisão dos limites da reserva localizada no maior polo da mineração ilegal país

Imagem retangular tendo ao fundo a foto de uma caneta sobre documento escrito. Em primeiro plano, o texto Recomendação e a logo do MPF

Arte: Ascom MPF/PA sobre foto de Michal Jarmoluk/Pixabay.com

O Ministério Público Federal (MPF) enviou ofício à Agência Nacional de Mineração (ANM) nesta sexta-feira (20) com recomendação para que a agência tome uma série de medidas de combate à concentração ilegal de requerimentos de Permissões de Lavra Garimpeira (PLGs). Também foi recomendada a revisão dos limites da Reserva Garimpeira do Tapajós, no sudoeste do Pará, o maior polo da mineração ilegal no país.

Segundo o MPF, a má gestão das PLGs pela ANM tem causado impactos diretos ao patrimônio público e social, ao meio ambiente e a outros interesses da sociedade. Em relação à Reserva Garimpeira do Tapajós, o MPF destaca que atualmente quem explora a região é, em geral, a mineração empresarial ilegal, e não garimpeiros artesanais, para quem a reserva foi criada, em 1983. Além disso, unidades de conservação instituídas posteriormente foram sobrepostas à reserva.

Assim que notificada, a ANM terá 30 dias para apresentar resposta. Se a resposta não for apresentada, ou se for considerada insatisfatória, o MPF pode tomar outras providências extrajudiciais ou judiciais. As recomendações são instrumentos do Ministério Público que servem para alertar agentes públicos sobre a necessidade de providências para resolver uma situação irregular ou que possa levar a alguma irregularidade.

Abuso de direito – As PLGs são procedimentos simplificados para a emissão de licenças para garimpos, tendo em vista que a atividade garimpeira é historicamente caracterizada por ser um trabalho de baixo impacto ambiental realizado de forma artesanal por pessoas pobres. No entanto, como a apresentação de requerimento para a obtenção de PLG dá direito de prioridade na exploração minerária da área, e como não há uma atividade efetivamente regulatória por parte da ANM, o resultado é a proliferação indiscriminada e especulativa de requerimentos de PLGs, alerta o MPF.

Para o órgão, essa proliferação é “uma prática sistemática e escancarada que visa à reserva de mercado e que configura manifesto abuso de direito, em específico do direito de prioridade”. Como exemplos desse abuso, o MPF cita na recomendação os números relativos às dez pessoas que mais concentram requerimentos de PLGs no Pará. A maior quantidade está em nome de Ruy Barbosa de Mendonça, com 285 requerimentos, e a décima pessoa com maior concentração de requerimentos de PLGs no Pará, Ruth Lima Fernandes, possui 148 requerimentos.

Essa concentração para especulação tem deixado à vontade exclusiva da iniciativa privada a afetação de novas áreas para a exploração mineral, tem estimulado a pressão pela recategorização de unidades de conservação e a conversão predatória de terras indígenas e de áreas de floresta para atividades minerárias, critica o MPF. No ano passado e este ano, o MPF ajuizou ações em todas as unidades da Justiça Federal no Pará com pedidos de cancelamento desses títulos em 52 Terras Indígenas (TIs) no estado.

Prejuízos socioambientais – A lei determina que os trabalhos de extração mineral devem começar dentro de 90 dias, contados da publicação do título no Diário Oficial da União, e não podem ser suspensos por mais que 120 dias. Ao estabelecer esses prazos, a legislação pretende justamente fazer com que o título minerário seja utilizado conforme sua função social, e não como capital especulativo, registra o MPF.

Mas a ANM permite que os requerimentos de PLGs fiquem pendentes de análise por tempo indeterminado. Essa demora bloqueia a possibilidade de outras pessoas apresentarem novos requerimentos, favorece especuladores e prejudica aqueles que realmente têm perfil de garimpeiros. Outro fator que contribui para a especulação é que, nas regiões garimpeiras, os requerimentos de PLGs são negociados por meio de contratos de arrendamento ou de procuração, de acordo com estimativas sobre a quantidade de minério a ser garimpada no local.

Outra violação às leis é relativa à área explorada e ao tipo de exploração. A legislação estabelece um limite máximo de 50 hectares, pois não é possível que uma só pessoa consiga explorar uma área maior que essa de modo artesanal. Ao concentrar requerimentos de PLGs, os especuladores desobedecem esse limite legal e, para conseguir explorar a área, atuam como mineradoras empresariais, por meio do emprego de maquinário pesado, como pás carregadeiras, escavadeiras hidráulicas, caminhões e dragas. Os garimpeiros, que dependem de seu trabalho para sobreviver, perdem o espaço para aqueles que legalmente não podem ser definidos como garimpeiros.

Além de desrespeitar o fato de que as PLGs são direcionadas a garimpeiros tradicionais e não a mineradores industriais, a concentração de requerimentos de PLGs também frauda o licenciamento ambiental. Para a exploração empresarial, de larga escala, a legislação exige pesquisa mineral e licenciamento ambiental completo. A falta de pesquisa prévia sobre os projetos impede o país de saber como e quanto do seu ouro está sendo extraído e quais os resultados financeiros e os impactos socioambientais da atividade.

O descontrole do Brasil sobre o quanto suas jazidas de ouro produzem é mais uma brecha para fraudes em uma cadeia econômica rica em oportunidades para o crime. Como o país não sabe o potencial produtivo de uma jazida explorada sem pesquisa prévia, os criminosos podem registrar essa lavra legalizada como sendo a origem do ouro extraído ilegalmente em qualquer outra área.

Reserva Garimpeira do Tapajós – Sobre a Reserva Garimpeira do Tapajós, o MPF registra na recomendação que a unidade foi criada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) em 1983 com o objetivo de evitar conflitos entre mineradores, garimpeiros, faiscadores ou catadores, e que, na portaria de criação da reserva, a atividade do garimpeiro foi tratada como tradicional e digna de proteção. O artigo 70 do decreto-lei 227, de 1967, então vigente, conceituava a garimpagem como o trabalho individual de quem utilize instrumentos rudimentares, aparelhos manuais ou máquinas simples e portáveis.

Com a instituição do regime de PLG pela lei 7.805, de 1989, a ANM considerou revogado o artigo 70 do decreto-lei 227/1967, e passou a considerar garimpeiro qualquer detentor de PLG, ainda que altamente capitalizado e que utilize máquinas pesadas, relata o MPF. Tendo em vista essa compreensão da ANM em relação ao conceito de garimpeiro, o MPF entende que não se justifica mais a proteção conferida pela portaria 882 do MME ao criar a Reserva Garimpeira do Tapajós.

O MPF também lembra que houve a edição de atos normativos de criação unidades de conservação sobrepostas à Reserva Garimpeira do Tapajós, e que a superveniência desses espaços protegidos teve o efeito de revogar, ainda que parcialmente, a Portaria MME 882, impondo a necessidade de revisão da portaria.

Medidas recomendadas pelo MPF à ANM

• Que a ANM indefira, no prazo de 30 dias, todos os requerimentos de PLGs feitos por pessoa que já seja titular de PLG;

• Que sejam indeferidos, dentro de 30 dias, todos os requerimentos de PLGs feitos por pessoa que, embora não seja titular de PLG, tenha vários requerimentos em trâmite, mantendo-se apenas o mais antigo;

• Que a agência instaure, no prazo de 60 dias, procedimentos administrativos para promover o cancelamento de PLGs nos casos em que os beneficiários sejam titulares de mais de um título, comunicando-se o MPF sobre o andamento dos respectivos procedimentos;

• Que seja emitida imediatamente decisão nos requerimentos de PLG que se encontram em trâmite na ANM há mais de 30 dias;

• Que a agência emita decisão nos novos requerimentos de PLG dentro do prazo de 30 dias;

• Que a ANM faça constar expressamente, nos protocolos de requerimento de PLG que, enquanto não deferidos, não se tratam de títulos minerários, mas de requerimentos precários, não negociáveis e que não autorizam a exploração mineral;

• Que a agência rejeite automaticamente todos os requerimentos de PLGs incidentes em terras indígenas e unidades de conservação;

• Enquanto não implementada a rejeição automática descrita no item anterior, a ANM deve fazer constar expressamente, nos protocolos de requerimento de PLG, quando incidentes em terras indígenas e unidades de conservação, que a área requerida é vedada à exploração mineral;

• Que a ANM insira nos sistemas informatizados da agência, especialmente no Sistema de Informações Geográficas da Mineração (Sigmine), dados de fácil acesso aos usuários e ao público em geral que apontem, por meio de informações georreferenciadas e de mapas digitais, as áreas vedadas à exploração mineral, tais como terras indígenas e unidades de conservação;

• Que a agência mantenha bloqueadas as áreas cujos requerimentos de PLGs foram indeferidos/cancelados nos moldes acima, até que se faça um prévio estudo de viabilidade socioambiental, inclusive com realização de consultas públicas;

• No exercício da regulação das atividades para o aproveitamento dos recursos minerais no país, que a agência estabeleça critérios para favorecer a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros, conforme dispõe o artigo 174, parágrafo 3º, da Constituição da República.

• Que a ANM elabore, no prazo de 60 dias, estudo técnico que revise os limites da Reserva Garimpeira do Tapajós. O estudo deve utilizar informações georreferenciadas e mapas digitais, levar em conta as unidades de conservação criadas posteriormente e incidentes sobre a reserva. O estudo também deve considerar o uso contumaz de máquinas pesadas nos garimpos, e deve ser encaminhado ao MME, para que o ministério possa editar novo ato normativo adequado à legislação ambiental ou mesmo reavaliar politicamente a manutenção da reserva.

Íntegra da recomendação

Ministério Público Federal no Pará
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