Decisão determina publicação de carta do povo indígena nos sites do Planalto e dos ministérios em 30 dias, dentre outras medidas, em razão dos discursos considerados em desacordo com a Constituição
Atendendo a pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal do Amazonas determinou à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai), em caráter liminar, que assegurem ao povo indígena Waimiri-Atroari direito de resposta aos discursos discriminatórios proferidos em perfis do governo brasileiro por autoridades públicas. O direito de resposta deve ser garantido por meio da publicação de carta do povo Waimiri-Atroari nos sítios eletrônicos do Planalto e dos ministérios, em ícone da página inicial, pelo prazo de 30 dias.
A decisão também determina que os réus elaborem plano de combate ao discurso de ódio contra povos indígenas no âmbito do Estado e na sociedade brasileira, com indicação de cronograma de reuniões com o movimento indígena e entidades indigenistas, a ser apresentado no prazo de 60 dias, observando o que prevê o artigo 6º da Convenção nº 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais.
Conforme a Justiça Federal, União e Funai também deverão indicar às autoridades públicas, nos termos da Convenção Contra todas as formas de Discriminação Racial, ratificada pelo Brasil e promulgada pelo Decreto n.º 65.810, de 8 de dezembro de 1969, que não incitem ou encorajem a discriminação racial, por meio de circular e manifestação pública dos ministérios e Presidência da República, no prazo de 20 dias.
A multa diária, em caso de descumprimento, foi fixada em R$ 1 mil.
Discriminatório e inconstitucional – A ação civil pública que resultou na decisão liminar foi ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) no Amazonas em razão dos constantes discursos desumanizantes e discriminatórios proferidos por autoridades do atual governo federal contra os modos de vida dos povos indígenas. Falas frequentes do presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) e de ministros se referem aos povos como “pré-históricos”, dizem que vivem em “zoológicos”, que atrapalham o progresso da nação e são manipulados por estrangeiros.
A ação enumera discursos do presidente da República, Jair Bolsonaro, do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves e da presidência da Funai que “menosprezam” os modos de vida indígenas, com alta carga preconceituosa e discriminatória e grande potencial de estimular violências que, incontidas, podem culminar em processos genocidas, como já ocorreu antes na história do Brasil.
Ao acolher os pedidos de liminar do MPF, a decisão ressalta que “a inserção dos povos indígenas na cultura predominante no Brasil é, na verdade, um fator de grave discriminação” e que esse tipo de pensamento “pressupõe que o povo indígena estaria em um estágio evolutivo inferior em relação ao não-índio”. A Justiça Federal concluiu que os discursos das autoridades são “dissonantes dos objetivos e das obrigações assumidas pela República Federativa do Brasil a nível internacional e também apresentam-se em desacordo com a Constituição Federal”.
“Esse pensamento é discriminatório e desconsidera a riqueza cultural, religiosa e social dos povos indígenas, além do vasto conhecimento que possuem quanto ao uso terapêutico dos recursos florestais. Não é o desenvolvimento de tecnologias ou de grandes construções que torna uma cultura mais evoluída que outra, tendo em vista que existem vários aspectos de historicidade que deixam de ser considerados quando se utiliza esse critério único”, reforça trecho da decisão.
Danos reais a partir dos discursos de ódio – Para os procuradores da República que assinam a ação, essas manifestações já trouxeram danos concretos aos indígenas, no caso dos Waimiri-Atroari, que sofreram agressão em seu território por parte de um deputado estadual de Roraima, Jeferson Alves (PTB), no final de fevereiro.
O parlamentar, munido de uma motosserra e de um alicate corta-vergalhão e acompanhado de assessores, se dirigiu ao limite da Terra Indígena Waimiri-Atroari, entre os estados do Amazonas e Roraima, no dia 28 de fevereiro, e cortou as correntes que controlam o tráfego de carros na BR-174, que atravessa o território. Indígenas que faziam a vigilância no local foram trancados em uma guarita, enquanto o deputado gravava toda a ação. Ao final do vídeo, dedicou a agressão ao presidente da República.
“O episódio mostra como o discurso parcial e contrário aos povos indígenas, associado a políticas enviesadas e à falta de preocupação com os ritos e procedimentos legais, favorecem um discurso de ódio e práticas violentas contra os grupos étnicos ou contra os seus territórios”, afirma o MPF na ação.
Entre os pedidos finais da ação, o MPF requer que o governo brasileiro seja condenado fazer um pedido de desculpas público dentro da terra indígena e a financiar uma cartilha contando a história do povo Waimiri-Atroari. O processo segue tramitando na 3ª Vara Federal do Amazonas, sob o número 1004416-31.2020.4.01.3200.
Assessoria de Comunicação
Procuradoria da República no Amazonas – MPF: Justiça garante direito de resposta ao povo Waimiri-Atroari por discursos discriminatórios do governo brasileiro — Procuradoria da República no Amazonas