Em nota pública, Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais alerta para o risco de incitação a práticas racistas e violência contra minorias

Ilustração mostra a palavra "indígena" em branco, aplicada sobre fundo verde.

Arte: Secom PGR

A Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do Ministério Público Federal (6CCR/MPF) divulgou nesta segunda-feira (2) nota pública em que manifesta preocupação com a banalização de atos de ataque às instituições democráticas e ao Estado de direito. Para a Câmara, casos como a recente investida de um deputado estadual contra o controle de acesso à Rodovia BR-174, que corta a Terra Indígena Waimiri Atroari, situada entre Roraima e no Amazonas, podem “incitar graves conflitos sociais, práticas racistas e violência contra minorias, depredação do patrimônio público da União, promovendo insegurança jurídica”. O texto afirma que essas situações exigem a devida apuração legal e a responsabilização dos autores, o que já está sendo providenciado no caso do ataque à Terra Indígena Waimiri Atroari.

A corrente que controla o acesso à rodovia foi cortada pelo deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) na última sexta (28), com o uso de uma motosserra e ajuda de terceiros. A 6CCR afirma que “é inaceitável que autoridades públicas se arvorem a fazer justiça com as próprias mãos, suplantando as instituições e o foro adequados para tratar controvérsias dessa natureza, desrespeitando as leis e a Constituição da República”.

O documento lembra que a corrente foi instalada pelo próprio Exército, com o objetivo de proteger os indígenas e a vida silvestre na área. O controle seletivo de acesso à rodovia ocorre apenas à noite, sendo permitida a passagem de ambulâncias, ônibus de linha interestadual e caminhões com cargas perecíveis em qualquer horário. A nota lembra que o povo indígena quase foi dizimado durante a construção da BR-174 e que a questão do acesso está em discussão em processo judicial, ainda sem decisão definitiva.

Atuação – A atuação do MPF no caso foi imediata. Logo após as notícias do ataque, o MPF em Roraima pediu providências à Justiça Federal. A liminar concedida na própria sexta determinou à União e à Fundação Nacional do Índio (Funai) a recolocação imediata das correntes de controle de tráfego na BR-174, na entrada da Terra Indígena Waimiri Atroari, no local em que foram destruídas. A Justiça obrigou a União e a Funai a adotar as medidas necessárias para impedir atentados aos serviços de controle territorial no trecho que intercepta a terra indígena, incluindo a área dos postos de vigilância e das correntes.

A decisão determinou também que seja destacada equipe de servidores, Policiais Federais, Policiais Rodoviários Federais ou agentes militares aptos a assegurar a manutenção da ordem e impedir a prática de novos atos de usurpação das competências da Justiça no que diz respeito à permanência das correntes, pelo período que se mostrar necessário, conforme solicitado pelo MPF. Além dessa providências, o Núcleo Criminal do MPF em Roraima analisa o caso, para determinar as providências penais cabíveis. No Amazonas, o MPF expediu ofícios à Presidência e à Superintendência da Funai e à Polícia Federal para garantir a segurança dos indígenas.

Leia a íntegra da nota pública:

NOTA PÚBLICA

A 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF manifesta séria preocupação contra a arbitrariedade perpetrada pelo deputado estadual Jeferson Alves (PTB-RR) na Terra Indígena Waimiri Atroari, conforme fato notório amplamente noticiado pela imprensa.

O parlamentar estadual, com as próprias mãos, em concurso com terceiros, derrubou na manhã do dia 28/2 o controle de acesso noturno à BR-174 dentro da Terra Indígena Waimiri Atroari. Durante a construção dessa estrada, nas décadas de 1960 e 1970, o povo Kinja, que ora habita essa Terra Indígena, foi quase exterminado por conflitos e doenças decorrentes da obra. O controle de tráfego foi estabelecido, à época, pelo próprio Exército, 6º Batalhão de Engenharia e Construção (BEC), responsável pela construção da estrada, com o objetivo de preservar a integridade dos indígenas e da vida silvestre na área.

A controvérsia sobre o controle de tráfego na rodovia está sendo tratado pelo Judiciário (Processo nº 2004.42.00.001036-7/RR), ainda sem decisão definitiva, motivo pelo qual foi proferida decisão liminar, solicitada pela Procuradoria da República em Roraima, reestabelecendo o controle na BR 174, com a garantia da ordem por forças policiais.

É inaceitável que autoridades públicas se arvorem a fazer justiça com as próprias mãos, suplantando as instituições e o foro adequados para tratar controvérsias dessa natureza, desrespeitando as leis e a Constituição da República. É intolerável a banalização de tais atos de ataque às instituições democráticas e ao Estado de direito, em atropelo ao decoro das autoridades públicas e com potencial de incitar graves conflitos sociais, práticas racistas e violência contra minorias, depredação do patrimônio público da União, promovendo insegurança jurídica, motivos a requererem a devida apuração legal e a responsabilização dos autores, o que já está sendo providenciado por este Parquet no cumprimento de sua missão constitucional.

6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF – Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais

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