A Comissão de Meio Ambiente (CMA) ouviu nesta quinta-feira (20) opiniões de produtores, índios, ambientalistas e trabalhadores rurais sobre o projeto que cria a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA). Ela institui pagamento, monetário ou não, para ações que ajudem a conservar áreas de preservação.
Serviços ambientais são atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos ecossistemas, um complexo formado por plantas, animais, micro-organismos e minerais que interagem entre si para formar um ambiente específico.
O texto do projeto de lei (PL 5.028/2019), do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), agora avaliado na CMA foi aprovado na Câmara em setembro. Ele trata da conservação e recuperação da vegetação nativa, da vida silvestre e do ambiente natural em áreas rurais, de matas e florestas situadas em áreas urbanas e dos recursos hídricos, principalmente nas bacias hidrográficas com cobertura vegetal crítica.
— A novidade não é que as pessoas vão prestar serviços para preservar o meio ambiente. Isso elas já fazem. A novidade é que agora isso pode vir a ser reconhecido — esclareceu Ronaldo de Lima Ramos, da Confederação dos Trabalhadores Agricultores Familiares (Contag).
Ele pediu um olhar especial para a destruição de recursos causada pela produção de organismos geneticamente modificados — especialmente na cultura do milho — e pela mineração.
Representante do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Ivanildo Brilhante, reconheceu que o serviço ambiental não deveria, em tese, ser comercializado, mas apoiou a proposta mostrando que “a sociedade não está preparada para conservar e valorizar, e acaba que o dinheiro vira o parâmetro de reconhecimento”.
Brilhante também criticou o fato de o dinheiro de multas e sanções por danos ambientais entrar em outras contas e não ser revertido diretamente à área danificada.
Agronegócio
Nelson Ananias Filho, coordenador de sustentabilidade da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), sugeriu que, na análise do fator gerador do PSA, sejam levados em conta conservação e restauração de vegetação nativa e boas práticas produtivas.
Ananias afirmou que a agricultura brasileira continua líder em sustentabilidade, vem cumprindo as exigências do Código Florestal e indo até além do que prevê a lei em termos de preservação.
Ele lembrou que há cerca de sete anos, quando estava sendo discutido o Código Florestal (Lei 12.651, de 2012), tratou-se bastante de PSA para garantir a recuperação ambiental, mas isso, segundo ele, nunca dependeu da lei, já que a produção não sobreviveria. Como exemplo, citou a exigência do Código Florestal para a recuperação das nascentes.
— A recuperação é feita não só porque manda o Código, mas porque é preciso repor a água que usamos para irrigar, caso contrário a próxima irrigação não vai existir.
Nelson Ananias sugeriu ampliar as áreas passíveis de PSA para Áreas de Proteção Permanente (APP), reservas legais e áreas de uso restrito. Ele disse que o Brasil tem 66,3% do território em áreas protegidas, preservadas e conservadas em vegetação nativa. Isso soma mais de 563 milhões de hectares, segundo dados da Embrapa. Nelson destacou que isso precisa ficar claro e ser reconhecido no mercado internacional.
— Nós não queremos cobrar mais pelo nosso produto porque nós preservamos nossa área e investimos em tecnologia para verticalizar o uso da terra, formando uma poupança agrícola. O que queremos é que nos seja dada preferência, o reconhecimento de que o Brasil produz preservando.
Prioridades
Pelo texto que já foi aprovado na Câmara e hoje aguarda votação na CMA do Senado, a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais será gerida pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) e vai disciplinar a atuação do poder público, das organizações da sociedade civil e de agentes privados em relação aos serviços ambientais, de forma a manter, recuperar e melhorar ecossistemas em todo o território nacional.
Serão priorizados os serviços oferecidos por comunidades tradicionais, povos indígenas e agricultores familiares. O representante dos índios na audiência pública foi Elcio Machineri, da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.
Ele contou que na terra onde vive, próxima à fronteira com o Peru, planta-se arroz, feijão, milho e cria-se gado, mas 97% da terra está, segundo ele, intacta devido às práticas de manejo florestal executadas pela comunidade de cerca de 1,5 mil índios.
— O Brasil só conseguiu honrar os compromissos de níveis de desmatamento por causa da proteção às terras indígenas. O pagamento dos serviços ambientais é uma forma de fortalecer a cultura indígena.
Lucratividade
A ambientalista Ângela Kouczak, diretora da Coalizão Pró-Unidades de Conservação, defendeu a cobrança de pagamentos ambientais como forma de equacionar o uso dos recursos naturais de maneira equilibrada.
— Temos um imenso potencial que não está nem perto de ser explorado. Essa política proposta no projeto pode promover esse ordenamento. PSA já é uma realidade, ele já está acontecendo país afora.
Ela deu exemplos de como já existem proprietários de terras que recebem um valor para não plantar soja nem criar gado, ou outros que ganham para proteger as nascentes. Também destacou o trabalho de fundações ligadas a empresas privadas — como do grupo O Boticário — que paga pela preservação ambiental de nascentes.
Citando o livro Quanto vale o verde: a importância econômica das unidades de conservação brasileiras, de Eduardo Yong e Rodrigo Medeiros, Ângela Kouczak explicou que 24% da água que abastece as cidades brasileiras vêm das unidades de conservação. Além disso, calcula-se que 34 mil toneladas de peixes podem ser retiradas das unidades de conservação de uso sustentável.
— A retirada de madeira de manejo florestal de unidades de conservação de uso sustentável pode render, em 30 anos, R$ 20 bilhões e em carbono, dentro delas, são R$ 130 bilhões em potencial de arrecadação.
De acordo com Ângela, no momento em que o Brasil tem sido questionado internacionalmente sobre sua postura ambiental é “preciso encarar a política de PSA como um resgaste, porque pode ajudar a forma como nos colocamos perante o mundo como sociedade”.
— Essa é uma agenda comum ao setor do agronegócio e da proteção da biodiversidade. Além disso, o PSA traz mais proteção para as unidades de conservação. O desafio é saber de onde vem o recurso para pagar.
Pagamento
O projeto determina ainda a criação do Cadastro Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais e do Programa Federal de Pagamento por Serviços Ambientais. O pagamento ao prestador do serviço poderá ser feito em dinheiro, em melhorias sociais para as comunidades, em compensação vinculada à redução de emissões por desmatamento e degradação, por comodato (uma modalidade de empréstimo) ou em cota de reserva ambiental.
Para o financiamento do programa, a União poderá captar recursos de pessoas físicas, empresas e de agências multilaterais e bilaterais de cooperação internacional, preferencialmente sob a forma de doações.
O Poder Executivo também poderá conceder incentivos tributários para incentivar a sustentabilidade ambiental em padrões de produção e em gestão dos recursos naturais e para fomentar a recuperação de áreas degradadas.
Outra forma de benefício é a concessão de créditos com juros diferenciados para a produção de mudas de espécies nativas, a recuperação de áreas degradadas e a restauração de ecossistemas em áreas prioritárias para a conservação, em áreas de preservação permanente (APPs) e em reserva legal em bacias hidrográficas consideradas críticas.
Outros encontros
O mediador da audiência pública foi o presidente da CMA, senador Fabiano Contarato (Rede-ES). Ele explicou que esta foi a primeira de uma série de três sobre o PL 5.028/2019, relatado por ele.
Contarato, ao abrir a reunião, leu uma nota de repúdio contrária às declarações do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o valor do dólar e a impossibilidade de empregadas domésticas visitarem o complexo de parques temáticos Disney, em Orlando (EUA).
O senador também criticou as declarações do presidente Jair Bolsonaro contra a jornalista da Folha de S.Paulo Patrícia Campos Mello.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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