Em jornal da Sociedade Britânica de Ecologia, cientistas de diversas instituições de pesquisa, como o Museu Goeldi, indicam que o desmatamento e a degradação florestal na região amazônica podem custar mais caro do que se calcula atualmente. Estudos considerando a relação entre fauna e flora são fundamentais para melhorar práticas de conservação e restauração.
Nova pesquisa constata que a perturbação da floresta tropical vai além de perda de espécies e inclui um aumento na proporção de plantas dispersas por animais, impactando nas funções do ecossistema. Os resultados estão descritos no artigo “A large-scale assessment of plant dispersal mode and seed traits across human-modified Amazonian forests”, publicado pelo Jornal da Sociedade Britânica de Ecologia, Journal of Ecology. O artigo tem, como primeiro autor, Joseph Hawes, da Anglia Ruskin University, ecólogo que, à época do estudo, cursava pós-doutorado no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) – Biodiversidade e Uso da Terra na Amazônia, liderado por Ima Vieira, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e uma das coautoras.
O estudo analisou regiões na Amazônia brasileira com diferentes níveis de perturbação, como áreas com exploração madeireira e queimada. Os pesquisadores descobriram que a ação humana não só reduziu a diversidade geral de árvores, como também aumentou a proporção de árvores com sementes dispersas pelos animais, em oposição a outros mecanismos, como a dispersão pelo vento.
A perturbação também levou a uma mudança significativa em direção a espécies de sementes pequenas, com maior probabilidade de serem dispersadas por animais menores, como pássaros e morcegos. Não está claro se essas sementes menores podem alimentar animais que consomem frutos grandes e que se especializaram em plantas de sementes grandes.
Os pesquisadores observaram efeitos semelhantes entre florestas primárias e florestas secundárias. As florestas secundárias mais antigas tinham plantas funcionalmente semelhantes às florestas primárias mais perturbadas.
Joseph Hawes aponta que “estudos anteriores em florestas tropicais perturbadas mostram que comunidades de plantas são mais propensas a ter espécies com sementes dispersas pelo vento e outros mecanismos abióticos, em vez de animais frugívoros. Porém, nosso estudo constatou que a perturbação levou a comunidades de árvores nas quais uma proporção maior de espécies e indivíduos depende da dispersão animal”.
Provavelmente, existem várias razões para essa mudança. Incêndios florestais e exploração seletiva afetam desproporcionalmente certas espécies de árvores, o que pode influenciar os padrões de dispersão. A caça também pode reduzir a dispersão de sementes por grandes pássaros e mamíferos, deixando animais menores dispersarem sementes menores.
“Essas descobertas significam que a função do ecossistema pode ser fortemente afetada, mesmo que a riqueza de espécies seja mantida próxima dos níveis pré-perturbação”, conclui Joseph Hawes.
Para Ima Vieira, o artigo demonstra “que o desmatamento e a degradação florestal na região amazônica podem ter um custo real maior que o custo considerado até agora e entender a funcionalidade ecossistêmica é importante para melhorar as práticas de conservação e restauração nessa região. Devido à mudança nas características das sementes em relação às interações mutualísticas com os animais, precisamos considerar a fauna em projetos de restauração. No entanto, hoje existe uma abordagem focada na vegetação em projetos de restauração ecológica. Se queremos um ecossistema restaurado rico em biodiversidade, é importante considerar esse aspecto negligenciado em projetos de restauração. No Brasil, foram propostas metas ambiciosas de restauração: 12 milhões de hectares até 2030”.
O cientista Jos Barlow, da Universidade Federal de Lavras, no Brasil, e da Universidade de Lancaster, no Reino Unido, que, durante o estudo, era pesquisador visitante do Museu Goeldi, ressalta que “o trabalho foi financiado por uma subvenção do conselho de pesquisa brasileiro a professores visitantes”, diz ele, destacando o valor “das colaborações científicas de longo prazo para orientar o manejo de florestas na Amazônia”.
Desequilíbrios – As florestas tropicais são de fundamental importância para a biodiversidade global, a regulação do clima e os meios de subsistência humanos, mas estão cada vez mais ameaçadas pelos impactos da ação humana. Atualmente, 80% das paisagens de florestas tropicais existem em um estado modificado, como floresta primária degradada ou floresta secundária em recuperação.
“A pressão da expansão agropecuária é alta na Amazônia oriental, mas essa pressão não é uniforme e algumas áreas são mais afetadas do que outras. Este também é o caso de pressões como as de plantações de árvores, extração seletiva de madeira e incêndios”, pondera Hawes.
Os traços funcionais das espécies são componentes importantes de um ecossistema e podem apoiar processos ecológicos estratégicos, mesmo quando a riqueza de espécies é reduzida. Em comparação com outras características das plantas, como área foliar e densidade da madeira, as características reprodutivas são relativamente pouco estudadas, apesar de sua relevância nas relações mutualistas e o papel no recrutamento de novas árvores.
Neste estudo, os pesquisadores analisaram 230 parcelas florestais em duas regiões da Amazônia Oriental Brasileira. As parcelas cobriram um gradiente florestal desde floresta primária sem perturbações até florestas queimadas ou exploradas ou ainda queimadas e exploradas. No total, foram registradas 26.533 árvores vivas de 846 espécies arbóreas.
A partir de elementos fornecidos por herbários e pela literatura especializada, os cientistas compilaram informações sobre o número de frutos e características das sementes, como tamanho, tipo, forma e método de dispersão para cada espécie. Os pesquisadores não consideraram outros fatores que podem influenciar o recrutamento de uma planta bem-sucedida. Isso foi limitado por uma escassez de informações sobre o que constitui a dispersão eficaz de sementes por diferentes espécies animais.
A expectativa é dar continuidade ao estudo. “Uma das próximas etapas para entender os impactos ecológicos a longo prazo dos distúrbios humanos nas florestas tropicais é criar um banco de dados abrangente para as características das plantas, incluindo medidas como o tamanho das sementes que foram incluídas em nosso estudo. Contribuímos com nossos dados para o banco de informações chamado TRY – Plant Trait Database, um esforço de pesquisa global para compilar e fornecer acesso livre e aberto aos dados de características da planta”, indica Hawes.
FONTE: Agência Museu Goeldi – Notícias
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