Comunidades impactadas pelas obras reivindicam indenizações e cumprimento de condicionantes desde que as obras foram iniciadas durante a ditadura militar, em 1974
Passados quarenta anos do início das obras da hidrelétrica de Tucuruí (PA), ainda existem milhares de atingidos aguardando indenizações, compensações e condicionantes nunca cumpridas pela Eletronorte, empresa responsável pela operação da usina. Mais uma vez, as comunidades impactadas pela hidrelétrica se reuniram para reclamar seus direitos, em audiência pública promovida pelo Ministério Público Federal (MPF) com a presença de representantes da empresa, do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), encarregado dos impactos das eclusas e da hidrovia no rio Tocantins, obras ligadas ao complexo de Tucuruí. A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do estado, órgão licenciador, foi convidada mas não enviou representante.
Lamentando a ausência de representante da secretaria, os procuradores da República Eliabe Soares e Nicole Campos alertaram os presentes de que isso não impedirá a Semas de ser cobrada pelas demandas do licenciamento ambiental da usina de Tucuruí e das obras no rio Tocantins. O ginásio municipal da cidade ficou lotado com mais de mil pessoas, muitos idosos, que ainda acreditam na garantia dos direitos gerados pelos impactos na região. São condicionantes relacionadas à saúde, saneamento básico e educação, mas também indenizações de terras que foram alagadas ou de onde as pessoas foram retiradas para obras de desenvolvimento, ao longo das últimas quatro décadas.
“O governo federal tem um débito muito grande com a jusante e a montante da barragem”, disse uma das presentes, em referência às comunidades que moram abaixo e acima da usina hidrelétrica, atingidas de diferentes formas pelo empreendimento. Os moradores à jusante (abaixo) não tiveram terras inundadas, mas sofreram severos impactos ambientais pela mortandade de peixes e consequente redução drástica dos estoques pesqueiros dos quais tiravam o sustento; à montante, houve o alagamento de mais de 2,5 mil quilômetros quadrados de terras e florestas, com efeitos na qualidade da água, nos peixes e no deslocamento compulsório de milhares de pessoas.
Cláudia Neves foi uma das 38 pessoas que se manifestou na audiência, cada um representando uma ou mais comunidades atingidas. “Não queremos mais que as autoridades fiquem só na escuta. Queremos que as soluções saiam do papel. Vamos ficar até quando só na escuta? Todos já sabem os problemas, temos mortos, temos expropriados, todos somos impactados e não queremos mais ser apenas escutados, queremos as soluções”, disse. Outros atingidos representavam comunidades ribeirinhas e quilombolas que nunca foram consultadas sobre as consecutivas obras na região. Após a primeira fase da construção da usina, inaugurada em 1984, houve obras de duplicação da capacidade de geração energética, de aumento da área alagada, para construção da eclusas para navegação no rio e, por fim, estão sendo iniciadas as obras de derrocamento do pedral do Lourenço, para a criação de uma hidrovia no Tocantins.
“Nós estamos esperando o desenvolvimento que nos prometeram”, frisou Juvenal Rodrigues de Souza, que perdeu as terras logo nas primeiras obras e disse que até hoje não recebeu uma casa para morar. Além da perda de terras e moradia, um problema grave provocado pelos projetos de desenvolvimento é a perda de fontes de renda, com o alagamento de açaizais, castanhais, cupuaçuzais e a redução de estoques pesqueiros. Após todas as perdas, hoje os moradores do Pará pagam a uma das tarifas de energia elétrica mais caras do país, tema que foi muito lembrado na audiência pública. “A Eletronorte comeu o filé e jogou o osso para nós”, disse Ismael Rodrigues Siqueira. Alguns atingidos reivindicam redução nas contas de luz, como compensação para os impactos que até hoje a região sofre.
Compareceram também na audiência muitos filhos de pessoas que sofreram deslocamento compulsório para dar lugar à usina e morreram sem receber a indenização do governo brasileiro. “Meus pais foram expropriados com promessas de dias melhores e morreram sem ter a indenização”, contou Abraão Coutinho. Muitas das famílias que sofreram deslocamento compulsório, bem como os atingidos à jusante, que perderam fontes de renda e sofreram impactos ambientais, brigam na justiça até hoje para receber valores justos de indenização e compensação.
Foram relatados também diversos impactos à saúde dos moradores da região, que podem ou não ter relação com as obras de desenvolvimento e com os impactos sobre a qualidade da água. Como foi construída durante a ditadura militar, antes das proteções ambientais garantidas pela Constituição de 1988, a usina de Tucuruí alagou milhares de quilômetros de florestas e a matéria orgânica submersa provoca sérios riscos à saúde, podendo tornar a água inservível ao consumo humano e provocar mortandade da fauna aquática.
A representante da Eletronorte, Sílvia Ramos, expôs dados que mostram avanços no desenvolvimento humano na região nos últimos 40 anos e lembrou que a usina de Tucuruí gera receitas consideráveis para os municípios atingidos e para o estado do Pará, na forma de royalties, mas admitiu a existência do passivo e disse que há todo interesse da empresa em solucionar todas as pendências antes do processo de privatização proposto pelo governo federal. O representante do Dnit, David Bessa, responsável pelos impactos causados pelas eclusas de Tucuruí, prometeu que o órgão vai apresentar proposta de compensação para todos os impactos.
O promotor de justiça José Ilton Moreira Júnior, do MPPA, lamentou a ausência da Semas e disse que o órgão que representa vai continuar cobrando as soluções para os atingidos. Todas as manifestações colhidas na audiência pública integrarão as investigações em curso no MPF sobre o passivo socioambiental da usina hidrelétrica de Tucuruí e os procuradores da República Eliabe Soares e Nicole Campos também garantiram que a Semas será chamada para dar respostas concretas às demandas da população.
A audiência pública foi integralmente gravada em vídeo e será disponibilizada ao público no canal do MPF/PA no YouTube.
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