Evento “O Brasil no contexto das mudanças climáticas e de desastres ambientais” aconteceu no dia 4 de dezembro em São Paulo

Evento aconteceu no auditório da PRR3 Foto: Ascom/PRR3

Não bastassem as catástrofes naturais e outras decorrentes das mudanças climáticas, o país tem sido um triste cenário de sucessivos desastres, como o do rompimento de barragens de mineração em Mariana e Brumadinho, as queimadas na floresta amazônica e o derramamento de óleo no litoral nordestino, já atingindo o litoral norte do Rio de Janeiro. Em menos de um ano, o país assistiu a esses desastres em meio à falta de medidas de contingência, de controle de riscos e de medidas de precaução, que deveriam ter sido planejadas e implementadas. Assim, no dia 4 de dezembro reuniram-se membros do Ministério Público, do Poder Judiciário, de ONGs, professores universitários, juristas, gestores públicos e privados, estudantes e especialistas em um seminário que debateu sobre o Brasil no contexto das mudanças climáticas e de desastres ambientais. Consistentes abordagens e amplas discussões sobre a efetividade do direito ambiental e o estado da arte de medidas de compliance da gestão ambiental, controle de riscos, governança e efetivo monitoramento pelas instituições e pela sociedade contribuíram definitivamente para um profícuo evento. O vídeo com a íntegra do seminário está disponível na TV MPF. Confira ao final da matéria.

“Vivemos uma situação inédita, porque pela primeira vez na nossa história temos um presidente que é malignamente hostil à causa ambiental”, avaliou o diplomata e ex-ministro do Meio Ambiente Rubens Ricupero. Exemplo disso, segundo ele, são as reiteradas medidas de desmonte da estrutura do Ministério do Meio Ambiente. Para Ricupero, os Ministérios Públicos estaduais e o MPF têm, mais do que nunca, um papel decisivo para que a Constituição e as leis ambientais sejam respeitadas pelo Executivo. “A longo prazo, só podemos ter esperança de uma melhora substancial nessa área quando houver uma evolução no sistema político e na sociedade como um todo. Precisamos cada vez mais ampliar alianças”, concluiu.

O jurista e professor de direito ambiental Paulo Affonso Leme Machado falou sobre a efetividade do direito ambiental e os deveres constitucionais do Poder Público em relação ao meio ambiente. Ele criticou o Decreto nº 10.147, publicado em 2 de dezembro pela presidência da República, que incluiu os parques nacionais dos Lençóis Maranhenses (MA), de Jericoacoara (CE) e do Iguaçu (PR) no programa de desestatização e concessões do governo federal. Ele afirmou que uma ação como essa só poderia ser realizada com a autorização do Congresso Nacional. “O artigo 225 da Constituição determina que cabe ao Poder Público o dever de preservar o meio ambiente para as futuras gerações, por isso não é possível um ato monocrático como esse”.

Carlos Alberto Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), acredita que é preciso ter uma sinergia entre as atuações do Ministério Público, governos estaduais, parlamento, sociedade civil, imprensa e academia para combater os retrocessos ambientais que vêm ocorrendo no Brasil. No caso da Amazônia, o especialista alertou que se esse ritmo de desmatamento continuar, há o risco de que em 30 anos a floresta perca sua capacidade de sobrevivência em razão das mudanças climáticas. Para ele, é preciso que o governo tome medidas para punir os responsáveis. “É preciso penalizar, criar um mecanismo de controle que faça o degradador entender que ele tem uma responsabilidade, que desmatamento não é lucro”.

Soberania e meio ambiente – Professora na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Maristela Basso tratou em sua fala de soberania e meio ambiente. Muito evocada pelos políticos brasileiros, sobretudo quando as interrelações com outros países envolvem a floresta amazônica, a soberania não se trata de um supremo poder do Estado sobre seu território, explicou a professora. “O arquétipo de soberania que ainda está na cabeça de nossos políticos já foi há muito superado”, comentou Maristela. Segundo ela, as limitações são advindas do direito internacional, das convenções e tratados que estabelecem regras a serem seguidas por todos os países signatários.

A professora também falou sobre responsabilidades por dano ambiental transfronteiriço, elencando os princípios norteadores da cooperação internacional em matéria ambiental, como o princípio do usuário-pagador, que determina que os custos da utilização de determinado recurso da natureza devem ser incumbência de quem o usufruiu, não ficando a cargo da sociedade ou do Poder Público.

Derramamento de óleo – Mais do que apenas limpar as praias do litoral brasileiro, retirando as manchas de óleo que chegam à costa, é preciso considerar os efeitos biológicos futuros que esse acidente causará. É a avaliação da professora Yara Schaeffer Novelli, do Instituto de Oceanografia da USP. Ela citou o caso do rompimento do oleoduto da Petrobras em 1983, quando três mil toneladas de óleo vazaram no litoral de São Paulo. “Fazemos o monitoramento da região e 37 anos depois ainda encontramos resquícios do óleo”, contou. A professora afirma que muitas lições foram aprendidas nesse episódio, que levaram à construção de medidas legais para responsabilização, além de um passo a passo do que fazer em casos de derramamento de óleo no ambiente marinho. No entanto, nenhuma ação substantiva foi tomada pelo governo federal até agora, ela disse. “Esse material foi construído com base nas experiências vividas durante todos esses anos. Temos um Plano Nacional de Contingência que, no entanto, não foi acionado até agora”, destacou.

Projeto Conexão Água – A procuradora regional da República Sandra Kishi, coordenadora do evento, destacou que o controle de riscos não pode ceder espaço a sucessivas gestões de crises e de danos, que evidenciam falta de planejamento e de monitoramento. Comentou também sobre o projeto Conexão Água do Ministério Público Federal, que tem como objetivo propagar a sinergia de governança colaborativa com a formação de redes sobre temas da ordem do dia, nas quais representantes dos diversos setores da sociedade civil, do governo, das ONGs, do setor privado e da academia se articulem em iniciativas proativas, visando à melhoria do acesso à água de qualidade no Brasil e da gestão integrada participativa e transparente da água com a do meio ambiente para a efetiva sustentabilidade, considerando importantes indicadores da saúde, de território, do clima, tecnologia, proteção da biodiversidade, transparência e participação da sociedade. Durante o evento, foi também lançada oficialmente a campanha Biomonitorando as Águas. 

O coordenador-geral de Auditoria da área de desenvolvimento regional e meio ambiente da Controladoria Geral da União (CGU), Marlos Moreira dos Santos, comentou sobre o convênio firmado este ano entre a CGU e o Conexão Água em junho deste ano, que prevê o compartilhamento de informações entre os órgãos para incentivar boas práticas na preservação dos recursos hídricos. O intuito da parceria é fomentar a transparência pública, além de uma gestão mais eficiente.

O seminário “O Brasil no contexto das mudanças climáticas e de desastres ambientais – aspectos jurídicos, econômicos, sociais e ecológicos” foi realizado pelo Projeto Conexão Água, patrocinado pela 4ª Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MP, em parceria com a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (ABRAMPA), o Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (PROAM), a Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU) e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Assessoria de Comunicação Social