Agricultura na várzea da Amazônia Central – potencialidades e vulnerabilidades. Este foi o tema de debates do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (Geea) do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC) durante a sua 64ª reunião realizada na última quinta-feira (28), no auditório da diretoria do Instituto. A apresentação do tema esteve a cargo do doutor Henrique dos Santos Pereira, amazonense, agrônomo, ecólogo, pesquisador e professor titular da Universidade Federal do Amazonas (Ufam).

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Veja o resumo

O palestrante fez um apanhado geral sobre a formação do conhecimento sobre a agricultura de várzea, abordando os primeiros estudos e os principais projetos de pesquisa desenvolvidos sobre esse tema. De modo sucinto, foram considerados o estado da arte sobre a agricultura na várzea, a problemática jurídica sobre uso e posse da terra, o declínio dos cultivos, especialmente de juta e malva e as adaptações das populações ribeirinhas às mudanças climáticas.

Quanto aos primeiros estudos, foram citadas algumas particularidades da obra “a água e o homem na várzea do Careiro”, de Hilgard O´Reilly Sternbert; os vários trabalhos de Harald Sioli, do Instituto Max-Planck de Liminologia de Plön, Alemanha, e que trabalhou por muitos anos no Inpa, tendo aqui deixado como seu substituto, o Dr. Wolfgang Junk, criador e primeiro coordenador do Programa de Pós-Graduação em Biologia de Água Doce e Pesca Interior (PPG-Badpi) deste Instituto.

Além desses estudos pioneiros, o palestrante citou alguns projetos relevantes desenvolvidos na várzea, alguns dos quais ele esteve envolvido, como o Studies on Human Impact on Forests and Floodplains in the Tropics (SHIFT), entre 1992-2005; o PPG7 – Projeto Dinâmica das Interações Bio-Ecológicas e Pulso de Inundações em Áreas Alagáveis, entre 1998 e 2001. Encerrando o ciclo de grandes projetos fez referências ao Provárzea, conduzido pelo MMA/Ibama, com forte vinculação com a pesca e os recursos pesqueiros; nessa sessão, destacou as principais descobertas e modelos ecológicos oriundos de cada um desses projetos, especialmente quanto aos aspectos da geomorfologia e dos ciclos de inundação.

Quanto ao ciclo de inundações, o palestrante mostrou uma série de resultados da pesquisa desenvolvida por ele e colaboradores junto a várias comunidades da várzea do Careiro e da Marchantaria, demonstrando o alto grau da capacidade adaptativa do ribeirinho às alterações ambientais decorrentes das mudanças climáticas e também das alterações das leis e do estilo de governança.

A partir de dados do IBGE, coletados ao longo dos últimos 44 anos, o palestrante apresentou as variações na produção de juta e malva, duas das principais culturas desenvolvidas na várzea amazônica entre meados da década de 1970 e 1980. Nesse período, eram produzidas entre 10.000 a 40.000 toneladas/ano, mas as culturas sofreram drástica decaída a partir de 1986, chegando a praticamente nula a partir de 1996 para a juta e apenas cerca de 2.500 toneladas para a malva, sua substituta, a partir de 2016. Identificou os fatores socioeconômicos e políticos que poderiam explicar o declínio da agroindústria de fibras naturais no Amazonas, e indicou os principais resultados de suas pesquisas sobre a economia do setor e dos ensaios experimentais para o desenvolvimento de sistema de produção de sementes de Malva na terra-firme.

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De quem é a várzea?

Discorrendo sobre a pergunta por ele mesmo formulada: – de quem é a várzea?, Henrique frisou que diferentemente da regularização fundiária em terra firme, a várzea possui peculiaridades ecológicas e sociais que obrigam um trabalho diferenciado no reconhecimento das posses e territórios. Como resultado do projeto Provárzea ele destacou a influência que o projeto teve na reformulação das políticas públicas dos órgãos de regularização fundiária que passaram a adotar novos entendimentos que permitiram remover os entraves burocráticos e jurídicos para o reconhecimento da posse de áreas de várzeas pelos agricultores tradicionais.

Com esse entendimento do caráter público e “inusucapível” da várzea, passaram a ser adotadas distintas formas de legitimação do apossamento das populações tradicionais, como a reserva extrativista (RESEX), reserva de desenvolvimento sustentável (RDS), projeto de assentamento agroextrativista (PAE) e propriedades quilombolas. Como exemplo, foram citados os assentamentos das ilhas do Solimões no município de Iranduba, todos eles analisados pelos projetos de pesquisa mencionados.

Considerando a várzea em termos legais, o palestrante comentou as diretrizes da Lei 4.771, de 1965, que considerava como área de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural, situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja de trinta metros para os cursos d’água com menos de dez metros de largura. Questionando se a APP pode incidir em terreno de várzea, ele aponta uma interpretação distinta da referida lei, lembrando que a APP deve ser medida “ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal, ou seja, essa faixa do terreno inicia-se depois do ponto onde termina a enchente média dos rios ou de qualquer curso d’água; portanto, várzea e APP ocupariam espaços distintos.

O palestrante também comentou a interpretação da lei 12.651, de 2012, segundo a qual, parte da várzea passaria a poder ser considerada área de preservação permanente. Porém, indicou que a nova lei florestal trouxe excepcionalidades para os casos das áreas ocupadas por agricultores familiares, ressaltando que apenas várzea baixa poderia ser destinada à agricultura de ciclo curto e que, no entanto, a lei não excetua a várzea alta que, portanto, pode vir ser considerada como APP. Indicou um possível conflito pois a várzea alta é destinada à moradia, cultura perenes, pastagem e criação de animais.

Mudanças Climáticas

Quanto às mudanças climáticas, o palestrante citou vários dados produzidos pelo grupo de pesquisas Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Alagáveis (Grupo Maua/ Inpa), e também dados de sua própria autoria, os quais revelam surpreendentes estratégias adaptativas da população ribeirinha às variações do clima e também das políticas públicas; citou como exemplo, a mudança de horário de trabalho ao sol, havendo atualmente uma tendência para começar mais cedo e terminar mais tarde.

Henrique também destacou alguns dos resultados de pesquisas conduzidas por ele e seus alunos sobre os dados científicos e a percepção do caboclo às mudanças climáticas e ambientais, mostrando que  há uma forte e positiva correlação entre eles; talvez mais que ninguém, o caboclo que vive no interior é uma das principais vítimas das mudanças climáticas, ou seja, ele vem sentindo na própria pele os efeitos nefastos do aumento da temperatura e sobre os estragos que isso acarreta sobre suas condições de vida e trabalho e também sobre o ambiente em que vive, inclusive com a mortandade massiva de árvores nativas e cultivadas, abandono de cultivos tradicionais, devido a secas e enchentes extremas que se tornaram mais intensas e frequentes neste início de século.

O palestrante concluiu chamando a atenção sobre os impactos negativos das mudanças climáticas na várzea, na Amazônia em geral e especialmente na vida do ribeirinho, mas deixou uma semente de otimismo; ele destaca que “apesar dos impactos negativos dos eventos climáticos extremos – ou melhor, em resposta a esses impactos – as comunidades ribeirinhas estão sendo capazes de perceber as mudanças no ambiente e desenvolver soluções e adaptações para continuarem morando e produzindo nas várzeas dos rios amazônicos”.

Ao final da palestra, o secretário-executivo do Geea, pesquisador Geraldo Mendes ressaltou ter sido essa a última reunião de 2019 e passou às mãos do palestrante um Certificado e a coleção impressa do Cadernos de Debates. A coleção completa encontra-se disponível na página eletrônica do Inpa, no item publicações.

Da Redação – Geea

Fotos: Wérica Lima

FONTE: INPA

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