Espécie conhecida como ‘onça d’água’ ocorre em diversos biomas brasileiros e é considerada em perigo.
O período de seca na Amazônia, quando a água dos rios baixa drasticamente, significa também o período de reprodução para algumas espécies. Nessa época, as ariranhas têm o hábito de deixar seus filhotes em uma toca e sair para cuidar de seu território. É nesse momento que o contato com os seres humanos passa a ser um perigo para os pequenos.
“As pessoas locais acham que o filhote foi abandonado e acabam levando para casa. Isso é uma das preocupações para as espécies e para a conservação da ariranha”, alerta André Coelho, pesquisador do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto Mamirauá, organização social fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).
André foi um dos responsáveis por resgatar um filhote de ariranha (Pteronura brasiliensis) que estava sendo cuidado por um pescador morador de uma comunidade da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, no estado do Amazonas. O filhote era um macho de aproximadamente 2 meses de idade que pesava dois quilos e media cerca de 60 cm de comprimento total.
Ele estava em boas condições de saúde, mas desenvolveu um prolapso retal (quando o reto fica para fora do organismo). Não foi diagnosticada a causa, mas uma das suspeitas é esforço excessivo já que, para defecar, os filhotes de ariranha necessitam do estímulo da mãe.
A ariranha foi transportada para Tefé, onde foi atendida por veterinários que realizaram um procedimento cirúrgico no animal. Depois da recuperação, foi transportada para o zoológico do Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS), em Manaus, onde precisou passar por nova cirurgia.
Delicado, o procedimento pôs o filhote sob observação e cuidados intensos. Os especialistas afirmaram que, caso sobrevivesse às primeiras 72 horas, o filhote estaria a salvo. Passaria por exames para, em seguida, ser encaminhado ao Aquário de São Paulo.
“Só que aí o problema foi outro”, conta o pesquisador, que é bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Após mais de 50 horas passado o procedimento, o filhote morreu por pneumonia tromboembólica. “Já realizamos outros resgates no passado onde os filhotes morreram por problemas no pulmão, também. Uma das causas pode ter sido a forma como ele mamou, afobado”, diz André. A pneumonia pode ter sido, também, decorrente de uma infecção generalizada causada pelo prolapso retal, que não foi tratado imediatamente.
O pesquisador alerta para o risco da remoção animais de seus locais de origem para serem criados como animais domésticos. “Um filhote é muito delicado. Tirando esses animais da natureza é muito provável que eles não resistam. Pelo que a gente soube, foram dois filhotes retirados da toca e um deles morreu no dia seguinte. ”
Riscos na Amazônia Central
Além da retirada e comercialização ilegal como animal de estimação, a ariranha, que no Brasil ocorre em áreas de Mata Atlântica, Cerrado, Pantanal e Amazônia, é considerada em perigo principalmente por alterações no habitat causadas pela degradação dos rios e das matas ciliares.
No passado, a espécie também já sofreu grande pressão de caça para venda da pele, utilizada na fabricação de vestimentas e acessórios à época.
Na região do Médio Solimões, Amazônia Central, principal área de atuação do Instituto Mamirauá, a espécie beirou a extinção local após intenso período de caça.
“Já conversei com alguns moradores da região do Lago Amanã, por exemplo, que nunca haviam visto ariranhas quando criança, mas sabiam que existiam porque os pais deles eram caçadores naquela época. Só foram ver o animal após os 30 anos de idade”, afirma André. O Lago Amanã está localizado na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã, mesma unidade de conservação onde foi resgatado o filhote.
Com proibição da caça em 1969 e a criação da reserva na década de 1990, a população da ariranha voltou a crescer e, a partir dos anos 2000, as lontras gigantes passaram a ser vistas novamente com maior frequência.
Em 2004, o Instituto Mamirauá começou a realizar o monitoramento da espécie com contagem dos animais, quando os pesquisadores identificavam animal por animal nos igarapés para, assim, estimar a quantidade e o tamanho dos grupos.
Por falta de recursos, as contagens não são mais realizadas, mas relatos de comunitários e dos próprios pesquisadores atestam o crescimento dos grupos de ariranhas. “Elas começaram a aparecer em áreas onde há poucos anos não eram avistadas”, diz.
Com a reocupação da área, a preocupação é que a ariranha volte a ser alvo da caça. Dessa vez, por conflitos com a atividade pesqueira. “Muitos dos comunitários afirmam que as ariranhas causam prejuízo porque espantam peixe, atacam as malhadeiras”, diz André, ao salientar que a espécie é, em realidade, um indicador ambiental – ou seja, a presença da ariranha é resultado de grande disponibilidade de recursos no local.
O cientista defende que o turismo de observação, a exemplo de iniciativas do tipo em prol da conservação de espécies ameaçadas, pode ser uma saída: ajuda a conservar a espécie ao proporcionar aos moradores locais um complemento em fonte de renda.
Conhecida como ‘onça d’água’, a ariranha é a maior lontra do mundo. “É um representante da megafauna do nosso continente, como a onça-pintada e a capivara. Além de ser uma espécie carismática por seu comportamento social – vivem em grupos, são animais unidos. ”
Modelagem de distribuição para conservação
O objetivo do trabalho de André é construir modelos de distribuição da ariranha no bioma amazônico – isto é identificar as condições onde a espécie melhor se adapta no bioma para, em seguida, detectar as áreas com essas características em toda a bacia.
No método, são levados em consideração fatores bióticos e abióticos como clima, vegetação, tipo de solo e água.
Assim, é possível criar mapas a partir de registros de ocorrência e prever onde a ariranha pode ocorrer em locais onde ainda não se tem dados da espécie no bioma, o que também pode ajudar na implementação de políticas públicas. “A modelagem de distribuição serve como ferramenta para escolher áreas prioritárias para conservação de espécies em risco”, explica o especialista.
Texto: Júlia de Freitas e Bernardo Oliveira
FONTE: INSTITUTO MAMIRAUÁ
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