Os estudos apresentados pelo palestrante Jochen Schöngart apontam que os períodos de cheia e vazante estão cada vez mais extremos e têm impacto preocupante nos ecossistemas de áreas alagáveis e na economia das populações locais.
Igapós da Amazônia: este foi o tema de debates na 64ª reunião do Grupo de Estudos Estratégicos Amazônicos (Geea), realizada na última quinta-feira (31), no auditório da diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa/MCTIC). O palestrante foi o pesquisador do Instituto Jochen Schöngart, doutor e livre docente em Ciências Florestais pela Universidade de Freiburg, com diploma averbado pela Universidade de São Paulo, e integrante do Grupo de Pesquisa do Inpa Ecologia, Monitoramento e Uso Sustentável de Áreas Úmidas (Peld/Maua).
Veja o Resumo
Jochen Schöngart iniciou a palestra com uma afirmação conclusiva e em seguida com uma questão que confronta a ciência moderna, ambas com grande significado bioecológico. A afirmação é que a variabilidade sazonal, interanual e interdecadal do ciclo hidrológico na Amazônia acarreta grandes impactos nos ecossistemas de áreas alagáveis e nas atividades econômicas das populações ribeirinhas. A questão é como o ciclo hidrológico da maior hidrobacia do mundo poderá responder e interagir com as mudanças do clima em escala global em curso. A partir desse ponto, o palestrante passou a discorrer sobre duas temáticas distintas, mas complementares: os pulsos de inundação e as características peculiares dos igapós da Amazônia.
Baseado em dados coletados ao longo de dezenas de anos, Jochen mostrou que está havendo uma intensificação do regime hidrológico na Amazônia, principalmente quanto às cheias; ou seja, os pulsos de cheias estão mais intensos e extremos. Esses dados mostram que o ciclo hidrológico resultou num aumento de aproximadamente 1,50 m na amplitude nos últimos 30 anos, ao passo que a média anual do nível da água aumentou 1 m durante os últimos 113 anos. Por outro lado, a frequência de cheias extremas (>29,0 m) aumentou cinco vezes, enquanto a frequência de secas severas (<15,8 m) não mostrou uma tendência significativa de aumento.
O palestrante apresentou um mapa bastante didático, mostrando a classificação dos principais rios na Amazônia baseada em características morfológicas e hidroquímicas da água e no qual se destacam os de água branca, oriundos das cordilheiras dos Andes e formadores de várzeas e os rios de água clara e preta, oriundos dos velhos planaltos das Guianas e do Brasil Central, sendo esses últimos os verdadeiros formadores dos igapós.
Pulsos de inundação
De acordo com Jochen, os igapós abrangem uma área de aproximadamente 140.000 km² e estão condicionados a pulso de inundação monomodal e com altas amplitudes anuais; além disso, eles são pobres em macronutrientes: com exceção do nitrogênio, os igapós apresentam teores de potássio, fósforo, cálcio e magnésio muito abaixo do apresentado pelos solos da várzea. Além disso, os igapós apresentam alto conteúdo húmico, baixo pH, tem geomorfologia relativamente estável e nele ocorrem cerca de 600 espécies arbóreas tolerante à inundação. Apesar do número elevado de espécies, tais plantas se caracterizam por estoques de biomassa reduzidos, bem como reduzidas taxas de crescimento em diâmetro quando comparados às várzeas.
Adaptação das plantas
Um dos aspectos mais instigantes dos igapós é a adaptação desenvolvida pelas plantas para suportar longo período de inundação, o qual pode chegar a cerca de 10 meses por ano na média. Tais adaptações são de natureza morfológica e fisiológica, sendo as mais notáveis o desenvolvimento de raízes adventícias, lenticelas hipertrofiadas e aerênquima entre as células, os quais favorecem as trocas gasosas. Algumas espécies apresentam um metabolismo anaeróbico na raiz, o qual se desenvolve a partir de hexoses que se transforma em piruvato, este em acetaldeido e este em etanol. Segundo o palestrante, este mecanismo é uma das mais importantes adaptações à inundação, pois fornece energia para a raiz, evita a acumulação de substâncias fitotóxicas, aumenta a eficiência do metabolismo de carbono por meio de reciclagem.
Outra característica facilmente observável no igapó é a estratificação arbórea ao longo do gradiente do terreno, refletindo o nível de adaptações que estas árvores desenvolveram durante épocas evolutivas. Pois as plantas dos terrenos mais baixos passam muito mais tempo na água que aquelas que vivem em terrenos mais altos, mas que todas apresentam adaptações desenvolvidas. A fenologia reprodutiva também está em sincronia com a flutuação da água; nesse caso, o período de frutificação geralmente coincide com a cheia, permitindo a distribuição de sementes pela água e também por peixes e outros vertebrados. Ainda de acordo com essa adaptação, o período de germinação é bem mais acentuado no período de vazante, quando os solos começam a ficar expostos; em alguns casos, as sementes começam germinar ainda quando estão na água.
Outro exemplo interessante de adaptação das plantas típicas de igapó é o elevado peso dos seus frutos, quando comparado ao peso das plantas de várzea. A hipótese para tal fato é que os solos do igapó são relativamente mais pobres que os solos de várzea e por isso a planta precisa investir muito mais energia para assegurar sua viabilidade de germinação e crescimento inicial. Experimentos em laboratório também confirmam essa hipótese ao mostrar que o incremento da biomassa de plântulas durante as primeiras cinco semanas é muito maior na várzea que no igapó. De igual modo, a análise de anéis de crescimento do tronco de algumas árvores comuns a igapós e várzeas mostra que esses são bem maiores nas várzeas, indicando que há muito mais nutrientes disponíveis e que o crescimento é bem mais rápido.
Atividades de baixo impacto
Considerando que as florestas de igapó são ecossistemas oligotróficos, com dinâmica lenta, aliada a uma grande vulnerabilidade à ação humana, notadamente o desmatamento e o fogo; considerando ainda que o igapó apresenta baixa produção biológica e, por outro lado, elevado grau de endemismo de plantas e animais, o palestrante recomenda que esse tipo de ambiente deva ser excluído de manejos florestais para servir unicamente ao turismo, à pesca ornamental e esportiva e a outras atividades de baixo impacto. Nesse contexto, os planos de construção de hidrelétricas nesse tipo de ambiente devem ser completamente descartados, uma vez que provocam fortes impactos negativos, a começar pela morte de árvores, mesmo aquelas bem adaptadas às enchentes.
Macacarecuia
Ao final, Jochen teceu várias considerações sobre a macacarecuia ou cuieira (Eschweilera tenuifolia), uma árvore símbolo do igapó e que normalmente passa cerca de dez meses por ano inundada, mas que necessita de um a dois meses em terreno seco para executar suas atividades fisiológicas, sob pena de morrer, como ocorreu com as populações dessa árvore no Rio Uatumã, abaixo da barragem da UHE Balbina onde o nível mínimo do rio ficou elevado após da operação da barragem por muito tempo, e assim ultrapassando a capacidade de adaptações e resiliência destas populações resultando em massiva mortalidade.
Outra característica notável dessa árvore é seu crescimento muito lento e grande longevidade, podendo chegar a cerca de mil anos. Somente por esse último atributo, essa árvore é merecedora de todo cuidado e até certa reverência, pois expressa de modo exemplar a grandiosidade da natureza e a responsabilidade que o homem deve ter perante ela, como ser inteligente, dotado de tecnologias sofisticadas e que podem ser usadas para o bem ou para o mal.
Da Redação – Geea
Fotos: Wérica Lima
FONTE: INPA
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