A Base de Proteção Etnoambiental (Bape) do rio Ituí-Itacoaí da Fundação Nacional do Índio (Funai), que fica dentro da Terra Indígena Vale do Javari, no oeste do Amazonas, fronteira com o Peru, foi novamente atacada a tiros na madrugada deste domingo (03) por caçadores e pescadores ilegais.
Segundo a liderança Manoel Chorimpa, do povo Marubo e membro da organização União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), este é o oitavo ataque em um ano ao território. Ele disse que a situação começou a se agravar no final de 2018, logo após a eleição do presidente Jair Bolsonaro (PSL).
“A Terra Indígena Vale do Javari está sem controle, perdendo a proteção. Os invasores não têm mais medo de serem flagrados. Eles entram porque sabem que a Funai está fragilizada neste governo, que o órgão não tem mais fiscalização, nem estrutura de proteção. Pode acontecer uma tragédia e vamos responsabilizar as autoridades por omissão”, disse Chorimpa à Amazônia Real neste domingo.
Os outros ataques contra a Base Ituí-Itacoaí foram no dia 22 de dezembro de 2018, 19 de julho, 21 de setembro e 31 de outubro.
Manoel Chorimpa relatou que por volta de duas da manhã deste domingo, os colaboradores indígenas (dos povos Marubo, Matís e Mayoruna) que fazem a vigilância avistaram a embarcação ilegal e acionarem a sirene de aviso. Em resposta, os invasores atiraram em direção à guarita da base. Os indígenas precisaram se refugiar para não serem atingidos pelas balas.
Segundo Chorimpa, as informações repassadas à Univaja, que tem sede no município de Atalaia do Norte, onde está localizada a TI Vale do Javari, ocorrem de extra-oficial à lideranças indígenas, porque a Funai não tem mais diálogo com eles.
A Terra Indígena Vale do Javari é segunda maior do país, atrás apenas da TI Yanomami. Ela tem uma extensão de 8,5 milhões de hectares e está localizada no Amazonas, na fronteira com o Peru.
Os povos contatados são Marubo, Matís, Mayoruna, Kanamari, Kulina e Tyohom Djapá (este de recente contato) e alguns grupos de Korubo. No território também vivem vários subgrupos isolados de etnias já contatadas. Esses subgrupos são conhecidos como “Flecheiros”. Eles transitam em todas as calhas de rios do Vale do Javari e não têm conhecimento de delimitação territorial, o que os deixa ainda mais desprotegidos.
O território possui quatro Bases de Proteção Etnoambiental: na confluência dos rios Ituí-Itacoaí, Jandiatuba, Curuçá e Quixito. Estes postos atuam no monitoramento e vigilância do território dos indígenas isolados.
Segundo Chorimpa, o ataque a tiros contra as bases da Funai na TI Vale do Javari são recorrentes nos últimos meses e têm deixado os poucos funcionários da Funai que atuam nestes postos e os colaboradores indígenas em circunstância extremamente vulnerável. Ele alerta que o maior risco é que, em um desses ataques, indígenas e servidores da Funai sejam feridos ou mortos.
“O receio que a gente tem é que qualquer dia desses vai ter morte aqui. A Funai é sabedora disso e não responde. Não estamos culpando a Coordenação Regional do Vale do Javari, mas a Funai de Brasília”, disse Chorimpa.
Segundo a liderança Marubo, a Base Ituí-Itacoaí é a mais atacada pelos invasores porque está em uma área farta de peixe, quelônios e animais de caça. Esta região da TI Vale do Javari também tem forte presença de indígenas em isolamento voluntário, como os Korubo, que não possuem anticorpos contra doenças da sociedade nacional.
Na região próxima da Base Ituí-Itacoaí também há outro grupo de indígenas Korubo que foi contatado este ano pela Funai e precisa de atendimento de saúde regularmente.
O ataque anterior ocorreu no último dia 31 à noite, com a mesma prática: tiros contra a guarita e tiros para o alto, para assustar os indígenas, disse Chorimpa.
Univaja faz alerta para tragédia iminente
Neste sábado (02), a Univaja divulgou uma nota alertando para a gravidade da situação e a ocorrência de uma “tragédia iminente”.
Na nota, a organização diz que “desde o início deste ano, nós, povos indígenas dessa região, estamos informando as autoridades competentes (FUNAI, MPF) sobre o aumento das invasões na Terra Indígena, bem como o nível de violência demonstrado pelos invasores que têm se tornado, cada vez mais, ousados em intimidar tanto indígenas quanto os servidores da FUNAI responsáveis pela proteção da Terra Indígena”.
A Univaja disse também que sua diretoria esteve em uma reunião com procuradores do Ministério Público Federal em Brasília no dia 29 de outubro, pedindo medidas urgentes para evitar que “a situação chegue a um processo irreversível, em detrimento das populações indígenas do Vale do Javari ou a um aumento dos conflitos entre indígenas e invasores como acontecia num passado recente, situação essa que pode ser prevenida com ações concretas e eficazes nos dias de hoje”.
A Univaja afirma que está fazendo um apelo “diante de uma tragédia que está prestes acontecer” e avisa que “se morrerem quaisquer um dos lados nesse confronto, responsabilizaremos ao estado pela omissão e conivência diante do risco iminente que os povos indígenas estão vivendo em seu território, como aconteceu no Território Indígena Araribóia no Maranhão”, conclui a nota.
A Amazônia Real procurou a Funai, em Brasília, para o órgão se pronunciar sobre os ataques. A assessoria do órgão respondeu que “recebeu informações de que sua Base de Proteção Ambiental no rio Ituí foi novamente atacada” e que está “trabalhando para apurar as informações e nos articular junto às instituições de polícia responsáveis pela investigação do caso”.
Por: Elaíze Farias
Fonte: Amazônia Real
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