A organização União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) denunciou às autoridades brasileiras que o missionário evangélico norte-americano Andrew Tonkin ingressou ilegalmente na região onde vivem indígenas isolados nas margens do rio Itacoaí, dentro da Terra Indígena Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, fronteira do Brasil com o Peru.

Base da Fundação Nacional do Índio (Funai) no Vale do Javari, que foi atacada em 22 de dezembro de 2018 (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

A denúncia foi registrada no dia 24 de setembro deste ano em uma carta enviada à Fundação Nacional do Índio (Funai). Até o momento, a Funai não informou se tomou providências para expulsar o religioso que, segundo os indígenas, pretende fazer contato com os isolados Korubo, povo em situação de alta vulnerabilidade territorial e sociocultural.

Segundo a Univaja, indígenas do povo Matís, que transitam regularmente no território, relataram à organização que abordaram o religioso Andrew Tonkin no dia 19 de setembro. Tonkin estava acampado às margens do rio Itacoaí.

“Tonkin estava acompanhado de um pastor indígena da etnia Mayoruna do lado do Peru”, contaram os Matís à Univaja. Os indígenas Mayoruna são binacionais, pois possuem territórios tanto no Brasil quanto no Peru. No Brasil, seu território fica no Vale do Javari.

O presidente da Univaja, Paulo Marubo, disse à agência Amazônia Real que a organização comunicou a entrada ilegal de Andrew Tonkin na TI Vale do Javari, mas até o momento não recebeu uma resposta sobre quais providências a Funai vai tomar. Na semana passada, Paulo Marubo voltou a fazer a denúncia sobre a presença do missionário nas redes sociais, pedindo ajuda das autoridades brasileiras.

A Amazônia Real apurou que Tonkin integra uma missão chamada Frontier Internacional, dos Estados Unidos. Seu perfil é exibido no site da instituição religiosa. Ele é descrito como uma pessoa que “faz trabalho missionário há mais de onze anos na bacia amazônica e que seu trabalho consiste no plantio de igrejas indígenas e no trabalho da missão de crescimento da igreja”.

A instituição religiosa Frontier International afirma, no site, ser um ministério independente da missão Batista Livre, “dedicado a realizar missões culturais entre os americanos nativos da América do Norte e grupos de povos indígenas da América Central e do Sul”. No site, a instituição mostra outros missionários que atuam na Amazônia, com foco na região do Alto Solimões e nas cidades de Benjamin Constant e Atalaia do Norte. “Nosso coração e objetivo no ministério é alcançar os não alcançados entre os povos indígenas do Vale do Javari”, relata um casal de missionários norte-americanos que também é membro da igreja.

A Amazônia Real entrou em contato por e-mail com a Frontier International para saber a respeito da atuação de Andrew Tonkin, mas a missão religiosa não respondeu até a publicação desta matéria.

No comunicado da Univaja enviado à Funai no dia 24 de setembro, a organização indígena diz que Andrew Tonkin entrou na TI Vale do Javari sem anuência dos indígenas, agindo com “uma falta de respeito e agressão às autoridades”.

“A Univaja é totalmente contra o proselitismo religioso no interior de nosso território, considerando que nós povos da floresta temos nossos códigos e crenças milenares e nunca foi tão necessário preservá-los”, dizia o comunicado da Univaja.

Em um depoimento enviado à Funai, o qual a Amazônia Real teve acesso, um pastor indígena (que pediu para não ter o nome revelado nesta reportagem) disse que participou de uma reunião com pastores evangélicos norte-americanos na cidade de Letícia, na Colômbia, fronteira com Tabatinga, no Amazonas. Ele disse que Andrew Tonkin estava presente e, na ocasião, o norte-americano revelou que chegou a ficar a 300 metros das áreas dos indígenas isolados durante a expedição realizada em setembro.

”Andrew relatou que usava um GPS (sistema de navegação por satélite), rádio e carregava espingarda e celular na expedição. O missionário, no entanto, não teria completando seu objetivo de fazer o contato com os índios isolados Korubo”, disse o pastor indígena.

Na reunião em Letícia, segundo o pastor indígena, o missionário Tonkin foi repreendido por outros pastores. “Mas ao ser alertado sobre os riscos da aproximação com os isolados, ele respondeu: ‘nem a lei brasileira e nem a Funai vão impedir a obra de Deus’”, diz o pastor indígena.

Não é a primeira vez que missionários invadem territórios indígenas de grupos isolados, cuja proximidade é proibida até mesmo com povos contatados.

No início de 2019, o missionário norte-americano Steve Campbell foi acusado de entrar no território dos índios isolados Hi-Merimã, no sul do Amazonas, acompanhado de um guia local. Ele chegou a ser interrogado pela Funai, mas os desdobramentos da investigação não foram divulgados até o momento pelo órgão indigenista.

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